domingo, abril 28, 2013

Arquíloco

«Os heróis homéricos teriam sentido a perda do escudo como a ruína da sua honra e prefeririam sacrificar a vida a sofrer semelhante afronta. O novo herói de Paros [Arquíloco] exprime as suas reservas neste ponto e está certo de provocar o riso dos seus contemporâneos quando diz:

Um dos Saios, nossos inimigos, regozija-se agora com o meu escudo, arma impecável que sem querer deixei ficar num matagal. No entanto escapei à morte, que é o fim de tudo. Quero lá saber deste escudo! Comprarei outro melhor.

A deliciosa mescla do moderno humor naturalista (alheio a qualquer tipo de ilusões, e segundo o qual até um herói só tem uma vida para perder) com a nobre ressonância da retórica épica, que nos fala de “arma impecável” e da morte que “é o fim de tudo”, é fonte inesgotável de efeitos cómicos. Protegido por eles, o esforçado desertor pode aventurar a sua insolente conclusão e afirmar com sinceridade desconcertante:

Comprarei outro melhor! Que é um escudo afinal, senão um pedaço de pele de boi curtida, com uns adornos de metal brilhante!»

Werner Jaeger, Paidéia, A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, 2003, pp 152-153.

***

Arquíloco também tem o seu general modelo, e com a mesma “sinceridade desconcertante” afirma:

Não gosto de um general alto, nem de pernas bem abertas, nem orgulhoso com os anéis do seu cabelo, nem barbeado. Para mim, quero um que seja pequeno e de pernas tortas, que mexa os pés com firmeza, e cheio de coragem.”

Arquíloco de Paros, séc. VII a. C.

in Maria Helena da Rocha Pereira (org.) - Hélade, Antologia da Cultura Grega, 8.ª edição, Edições Asa, 2003, pág. 125  

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