segunda-feira, agosto 04, 2014

Ainda no Meridiano

Cormac McCarthy
A violência gratuita e explícita, afinal, não está apenas reservada aos filmes mais brutais e hediondos de Hollywood. Surpreendentemente vim encontrá-la num livro - o Meridiano de Sangue - escrito por Cormac McCarthy, onde ainda me encontro, esperando concluir a leitura em breve. Pensava eu que não seria possível plasmar tal violência numa obra literária. Ou que a literatura estaria sempre aquém do cinema quando se trata de impressionar pela exposição brutal da violência. É impressionante. É certo que na Ilíada, a obra fundadora da literatura europeia, a violência já nos era mostrada de forma explícita, mas estava longe de ser gratuita. Tratava-se de uma violência enquadrada e, de certo modo, justificada. Já os personagens de McCarthy no Meridiano, matam por matar, esfolam por esfolar e deambulam em atribulado e aleatório percurso, ora a aterrorizar os aldeões e os índios do norte do México, ora perdidos pelo deserto de Sonora, mas ainda assim, sempre ávidos por escalpes. Um bando de patifes onde se integra um enigmático personagem, sábio e cientista, mas que também é um implacável assassino: o juiz Holden.

Hoje li estas palavras proferidas por esse estranho personagem:

O universo não é uma coisa limitada e a ordem que o rege não tem peias que, tolhendo-lhe os desígnios, a forcem a repetir noutro lugar qualquer o que já existe num dado lugar. Mesmo neste mundo, existem mais coisas que escapam ao nosso conhecimento do que aquelas que conhecemos e a ordem que os nossos olhos vêem na criação é a ordem que nós lá pusemos, qual fio num labirinto, para não nos perdermos.

Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado, 2008, pág. 204

Ora, curiosamente, já tinha lido qualquer coisa parecida, do filósofo Karl Popper:

Seria desejável que por vezes nos lembrássemos que é precisamente no pouco que sabemos que somos diferentes, já que somos todos iguais na nossa ilimitada ignorância.

Karl Popper, Em Busca de um Mundo Melhor, Editorial Fragmentos, 1989, pág. 59

Um pouco mais adiante, pela boca do mesmo personagem, surgem-me Nietzsche e o niilismo. Diz o juiz Holden, na página 208:

As leis da moral são uma invenção da humanidade para privar dos seus direitos os mais poderosos em favor dos fracos. As leis da história subvertem as leis da moral a cada passo. A validade de uma perspectiva moral nunca pode ser confirmada ou infirmada por um qualquer exame definitivo.

Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado, 2008, pág. 208

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