domingo, janeiro 21, 2007

Discurso de César às Legiões

Quando a mão cessar de agitar-se, e o lábio
de tentar falar; quando terminar
de organizar a minha destruição, e começar
a organizar meu esquecimento; quando for
coisa ou, menos ainda, a pegada de um gesto
ou, menos ainda, referência
de uma mancha muito zelosamente
apagada; quando acabem
as solúveis escórias, os destruídos
torrões, a fumarada,
de espalhar-se e afastar-se e ver-se
sumidos num fundo saco vazio; quando
nada estiver como está, como não esteve
nunca; quando já ninguém
entender nunca o que é nunca, e sempre
simule eternidades novas;
quando outros mordam o engano, ferido
o palato, e creiam a pés firmes
que estão e são, etcetera; e mais tarde,
quando já não haja nada que crer ou ninguém
que creia; quando não haja
ninguém; quando todas as récitas
acabem, se dispam os actores
de máscara e de pele, e o público
se retire e vá dormir, se apaguem
as luzes, e os ratos
busquem nas plateias
algum pedaço de chicle húmido; quando morrerem
também os ratos e os gulosos
vermes dos ratos e os pequenos
animais (ou plantas) que devoram
os vermes dos ratos; quando abatam
seu estriado prestígio os fustes; quando o brilho
se ensombre, e a sombra
se esfume; quando
tudo se suma num longo silêncio, e não haja um só
sinal para decifrar, TEREI VIVIDO.



(Alfonso Canales)

terça-feira, janeiro 02, 2007

Um Creso dos tempos modernos

Mais uma vez o passado assalta-nos a memória. Toda a glória é efémera! Essa é a lição de Creso, o rei Lídio que viveu em Sardes, no século VI a. C., e que pretendeu ser o mais feliz dos homens. Também Sadam teve destino quase semelhante. No auge do seu poder possuia esplendorosos palácios, tesouros valiosíssimos e tudo o que os seus desejos quisessem satisfazer. Nessa época julgava-se o mais feliz dos homens. Mas como narra a história, só no fim é que se faz o balanço. Só no fim um homem pode atestar da sua felicidade. A Creso salvaram-no, no último momento, da pira ardente, os deuses. O rei persa, Ciro, que o condenou, apiedou-se dele ao escutar os seus derradeiros lamentos. A Sadam, ninguém o escutou, nem os deuses vieram em seu auxílio. Fica a lição. Mais uma vez a história repete-se, ainda que, com ligeiras nuances.

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