domingo, janeiro 31, 2021

O Rabo de Peixe da Europa

Ironia das ironias. Agora somos nós o Rabo de Peixe da Europa. Até uma missão alemã veio cá ver este estranho e triste fenómeno.


E cá estamos nós em quarentena, confinados, de voos cortados e fronteiras fechadas, não vá esta peçonha safar-se daqui.


Ó Portugal, Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo. Meu remorso, meu remorso de todos nós...


Estou como o O´Neill. Venha o poema dele:


Portugal


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

Alexandre O'Neill, in 'Feira Cabisbaixa'

sábado, janeiro 30, 2021

Quantas pessoas foram vacinadas contra o COVID-19 em Portugal, neste dia?

Todos os dias se afadigam em transmitir-nos o número de óbitos e de infectados. Todos os dias os pivots dos telejornais parecem comprazer-se no sensacionalismo dos números catastróficos, pois juntam à fria notícia dos números a sua cuidada, ajardinada, trágica narrativa. Muito bem cuidada ela é, para consumo dos demais, acompanhada com o devido moralismo benfazejo: tenham medo, muito medo, não vão à praia.

 

O que dizer mais?

 

Não há ninguém que pense fora da caixa neste país?!

 

Quantas pessoas foram vacinadas contra o COVID-19 em Portugal, neste dia?

 

Falta esse dado estatístico ao lado do número de óbitos e de infectados. E não é só em Portugal que ele falta.

 

Ousem! Sejam originais!

Quantas pessoas foram vacinadas contra o COVID-19 em Portugal, neste dia?

 

Se há luz ao fundo do túnel, porque não lembrá-lo todos os dias? É aí que reside a esperança.

Ou acredita-se que por este andar a imunidade de grupo chegará primeiro?

 

Quantas pessoas foram vacinadas contra o COVID-19 em Portugal, neste dia?

 

Gostaríamos que Direcção-Geral de Saúde, nos seus relatórios diários de situação, divulgassem também esse número. 

terça-feira, janeiro 26, 2021

Terreiro do Paço em manhã de pandemia e confinamento. Meditações.

 

Terreiro do Paço em manhã de pandemia e - essa palavra fascista (Bernard-Henri Lévy) - confinamento.

Que não se pense que fui passear para o Terreiro, em dia de confinamento. Há sempre razões que o coração desconhece. E o coração tem razões que a própria razão desconhece (Blaise Pascal). E há razões que a razão desconhece.

Fiquem-se com o desconhecimento das razões da minha presença ali, se é que ali estive presente.

Talvez tenha passado por ali ausente. Só El-Rei Dom José I é que sabe, e quem sabe, talvez o cavalo.

sábado, janeiro 23, 2021

O silêncio e a paz

 

Deixemos a amargura, o ressentimento.

Libertemo-nos do tormento.

Que pare o sofrimento.

 

As razões que acalento?!


O silêncio e a paz.

Tenham vergonha!

Não se entende como há pessoas que, em caso de dúvida, e tratando-se de vidas humanas, ainda assim defendam avançar em vez de esperar, como manda a precaução.

 

Certos liberalóides que nem sabem o que uma escola é, opinaram com toda a ligeireza, que deveriam permanecer abertas, na dúvida em relação ao mal que tal decisão pudesse causar a quem nela trabalha, estuda, aos seus familiares e à sociedade inteira. Como se na escola não laborasse um dos grupos profissionais mais envelhecidos de todos, constituído por muitos e velhos professores, para não falar dos excelentes auxiliares de acção educativa, afadigados a toda a hora, a limpar tampos de mesas, cadeiras, teclados de computadores, baldes do lixo e retretes e a lembrar aos alunos que cubram o rosto com a máscara, ou a desinfectar-lhes as mãos à entrada da escola. Como se os novos professores vivessem como monges, em missão e em mosteiros, isolados das suas famílias e dos seus velhos. Como se as escolas fossem só constituídas por grupos de alunos e crianças. E como se esses alunos estivessem sempre sentados a dois metros uns dos outros. Não, não estão. Estão de ombro com ombro, lado a lado, na mesma carteira, que a lei permite, muitas vezes numa sala abarracada e apinhada, numa escola não intervencionada, e não no colégio de elite frequentado pelos filhos deles, que forma elites e não ralés.

 

Liberalóides que se baseiam nas “sérias dúvidas sobre a vantagem de tal decisão”, dizem eles, para sustentarem a defesa de uma escola aberta, que assim é que o mundo avança. Nem que seja para o abismo, dizemos nós, ou em direcção à doença.

 

 Vantagem!?

 

A dúvida aqui era se a decisão de manter as escolas abertas poderia levar ou não, facilmente, à contaminação e morte de mais alguns. O resto são balelas.

 

Uma dúvida destas não é para brincadeiras. O que manda o princípio da precaução? Se há dúvidas relativas ao passo que se vai dar quanto aos elevados danos que o mesmo possa causar, então mais vale estacar e aguardar.

 

Houve quem sugerisse atempadamente que se prolongasse a interrupção das actividades lectivas do Natal por mais uma ou duas semanas. Não lhe deram ouvidos. Havia que causar uma boa impressão, afinal éramos nós os que iriamos presidir, vaidosamente, ao Conselho da União Europeia. Inchados e impantes anfitriões. Havia que dar uma boa imagem aos dignatários estrangeiros que nos viriam visitar na inauguração – um país de sucesso. Alguns saíram de cá contaminados e apoquentados. Lá foram para o isolamento profiláctico nos seus países natais, acabrunhados.

 

A casa dos vizinhos (Reino Unido, França, Alemanha, Espanha entre outros) já ardia e nós nem mangueira nem extintor. Não nos preparámos atempadamente.

 

Estirpes inglesa, da África do Sul, do Brasil, anunciadas aos quatro ventos e nós aguardando que por cá chegasse a inglesa para tomarmos uma decisão. Que idiotas! Afinal a culpa é do Natal. Pois. Os portugueses portaram-se mal, dizem eles. Fracos os governantes que culpam os governados. Correm agora para as vacinas, os políticos.

 

Esta é a realidade: os decisores não foram prescientes, nem previdentes e o princípio da precaução veio tarde – o passo já tinha sido por eles dado. Agora deram o passo atrás, alegando exactamente, o princípio da precaução. Já fecharam os corredores aéreos com o Reino Unido? Parece que é hoje. O Reino Unido já fechou os corredores aéreos para Portugal há algum tempo. Prescientes. O nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros reclamou outra vez, como sempre, da pronta decisão inglesa. Fechámos os corredores aéreos para o Brasil? Fechámos????

Esta é a realidade: não foram proactivos. Foram sempre, sempre, reactivos. Reagiram sempre, sempre por arrasto. E desde Março que é assim.

Culpam agora portugueses, que se portaram mal. Que foram passear para a praia nos gélidos dias de Janeiro. Não gozem connosco.

E eis-nos agora aqui, no topo do mundo – “o país do mundo com mais mortes por milhão de habitantes (e continua o 1.º em novos casos)” anuncia o Expresso, a 22 de Janeiro. Aqui.

 

Tenham vergonha!

domingo, janeiro 17, 2021

Porque não se escreve mais por aqui? Um lamento.

Os trabalhos têm superado os dias. E não há dias para tantos trabalhos. Fardos pesados para carregar. Pouca liberdade sobra face a tantos constrangimentos. Viver é sofrer, já sabíamos. Viver é morrer.


Que soe o coro dos escravos hebreus. Esse do Verdi.

 

Há falta de tempo por aqui. Tempo livre. Demasiada preocupação. Demasiados “tenho de fazer isto e isto e isto e aquilo”, “tenho de fazer…” Não sobra tempo para escrever com a cabeça livre e leve.

 

É assim que nos calam.

 

Todos sabemos que o trabalho não liberta. Ou liberta? Claro que não liberta. Se for em excesso mata. Morrer a trabalhar é absurdo. Viver para trabalhar é absurdo. Já trabalhar para viver é uma necessidade do homem comum e de todo o bicho que vive sobre a Terra (não do esclavagista nem do burguês). Ou acreditam nessa dos pássaros: “Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem guardam em celeiros.” Semeiam de outra forma, colhem de outra forma, guardam de outra forma – têm de alimentar-se, têm de caçar minhocas e insectos, têm de alimentar as crias, de zelar por elas, de as guardar, de as criar.

 

Enfim, há burgueses que trabalham o quanto baste e ainda lhes sobra tempo livre para escrevinharem. Há burgueses da escrita. Jornalistas que querem monopolizar esse privilégio de dar ideias ao mundo (por isso passam o dia a carpir das redes sociais - os Uber desses taxistas da escrita). E há escravos do trabalho, a quem é vedado por formas enviesadas a liberdade da escrita. Uma espécie de biopolítica. Coisas do poder, coisas de quem pode para oprimir quem não pode.

 

Já percebemos por que nos carregam de trabalho. É assim que nos calam. É assim que nos calcam. É assim que nos escravizam. Enfim, não durará muito.

 

Virá o dia da carta de alforria.

 

Então veremos.

terça-feira, janeiro 12, 2021

Today

 



A praia. Sempre a praia.


Fonte da Telha.

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