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quinta-feira, junho 10, 2021

Portugal

 «Obedientes e sem mais delongas, num mergulho de alcatrazes, atirámo-nos então daquela rocha branca ao abismo azul. E descobrimo-nos. Encontrámo-nos universais em toda a parte do globo, mas, sobretudo, dentro da nossa própria perplexidade. (…)

E a História celebra com justiça os melhores dessa superação mental. Chamam-se Pedro Nunes, Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro, Garcia da Orta, João de Barros, Diogo de Couto, Pêro Vaz de Caminha, Fernão Mendes Pinto, Luís de Camões. Sem falar doutros menos dotados que, modestamente, se desmediram. (…)

Enquanto os vizinhos da Europa, sem descanso, continuaram a ser pioneiros nas empresas que a vida lhes confiava, nós, enxutos da grande maratona oceânica, ficámos em cima da penedia a ver passar ao longe, a fumegar, as embarcações alheias, e a cantar, ao som de uma guitarra, loas à fatalidade.»

 Miguel Torga, Portugal, D. Quixote, 3ª ed., 2010, págs. 98-99

sexta-feira, abril 26, 2013

Um homem é pouca coisa


«A tragédia de um quarto vazio. A tragédia de encher quatro paredes do sentido da nossa intimidade. Mas, afinal, bastou abrir a mala, espalhar pelas cadeiras o pijama e a gabardine, e pôr em cima da mesa a pasta dentífrica e o pente. Com mais um cobertor na cama e duas toalhas limpas, considerei-me aninhado. Um homem é pouca coisa. O tacão da bota ou a direcção da risca do cabelo podem resumi-lo.»

Miguel Torga, Coimbra, 1 de Julho de 1940
Miguel Torga (1967), Diário I, 5ª ed. revista, pág. 154.

***

Não sabia muito acerca de Torga, nem sei. Por isso a leitura do Diário I está a ser uma agradável surpresa. Escuto a voz do Torga. Desilude-se numa viagem à Europa gélida e triste, no Inverno de 1937. “Andar mais era entristecer e desanimar mais ainda”, diz ele, ansioso por regressar à Península, enquanto aguardava na estação de comboio de Bruxelas. A Europa anoitecia e ele, nesse desencanto, já parecia pressenti-lo. Três anos depois ressoariam as botas da tropa alemã, em marcha cadenciada, nos Campos Elísios que ele visitou.

A páginas tantas, dou com o Torga nas prisões. Escreve poemas na cadeia de Leiria e no Aljube, em Lisboa. O Torga na prisão. Que surpresa! O que teria feito? Estaria a dar consultas aos presos, tendo ficado por ali? Não há qualquer alusão no Diário I às razões que o levaram à prisão. Só por outras fontes descubro que esteve mesmo preso por razões políticas. Na prisão, liberta o espírito em poemas. Nada de prosa. Mas sofre. A prová-lo, o seu primeiro poema da prisão escrito no Diário:

«EXORTAÇÃO

Meu irmão na distância, homem
Que nesta cama hás-de sofrer:
Que nem a terra nem o céu te domem;
Nenhuma dor te impeça de viver!»

     Miguel Torga, Cadeia de Leiria, 30 de Novembro de 1939, Diário II, pág. 121.

Muitos outros haveriam de suceder-lhe nas prisões e Torga já lhes antevia o sofrimento, a tortura e a dor. Talvez porque o tenha também sentido na pele. Apelava à indomabilidade, à resistência e à vida dos prisioneiros políticos vindouros. 
Grande Torga!

terça-feira, março 19, 2013

Patuleias

Todos nós temos visto homens de noventa anos morrer aos vivas a determinada Patuleia que os fez vibrar. A dita Patuleia já no cisco da História, e eles ainda com aquele sonho no coração!


Miguel Torga, Diário II, 3ª edição revista, Coimbra, 1960, p. 131

Caramba! Nunca é tarde para uma Patuleia!

sábado, dezembro 08, 2012

Paredes


O velho Torga, grande Torga. Encontrámo-lo com surpresa na nota de rodapé de uma obra de um dos mais lidos filósofos teutónicos actuais [1], que não o compreende, nem pode, porque a sua mundivisão está a milhas da mundivisão portuguesa que também é a de Torga. Critica o teutónico uma frase do Torga, dissecando-a como quem disseca um sapo: “O universal é o local sem paredes.” Diz o alemão que é uma afirmação da mais falsa que há, porque define o mundo como uma soma de províncias (?). Então o local são províncias?! E chega a essa conclusão porque o Torga fala em paredes? E diz ainda que “é ingénua a afirmação, porque pressupõe uma simetria onde não a pode haver e abate paredes onde não as há”. Pois nós dizemos que as há, ou havia, porque os portugueses, e não só os portugueses, mas todos os povos navegadores e descobridores, mais não fizeram do que, ao longo da sua história, derrubar paredes; e que muitas paredes existem ainda para serem derrubadas. Paredes de medo assentes no desconhecimento e no desconhecido. Paredes de ignorância. Há até pessoas que se emparedam, se cercam de paredes, vivas na vida, mortas na vida, e se fecham ao mundo, por medo. Ou não saberá Peter Sloterdijk que não há paredes mais fortes do que as paredes do medo e que o medo assenta no desconhecido? São gigantescas muralhas, essas paredes! Esse medo que nos tolhe os movimentos e a ousadia de ir mais além. É preciso coragem! Foi preciso colocar a navegação à frente da vida - “navegar é preciso, viver não é preciso”, canta a velha canção. Caso contrário, se não tivéssemos ousado navegar contra essas paredes (esses monstrengos), ainda estaríamos fechados nesta Europa, vivendo no desconhecimento da existência de outros povos e de outros mundos. Afinal, passaram pouco mais do que 500 anos.

O universo está cheio de paredes mas o universal é o local sem paredes. Qual é a dúvida?

Mas todos nós por aqui sabemos que o Torga é muito mais do que uma nota de rodapé.



[1] Peter Sloterdijk, Palácio de Cristal, Relógio D’Água. 2005. Pág. 270-271.

sexta-feira, novembro 30, 2012

Pátria & Réplica

       ©AMCD

Pátria

Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma.

Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
- Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bico a picar estrelas verdadeiras...

Miguel Torga, Diário, Vol. II
(Gerês, Pedra Bela, 20 de Agosto de 1942)

***

Réplica

Também aqui as serras, mas sem fragas,
São como vagas petrificadas,
Que nos embalam e enlaçam
No torpor das madrugadas.

Afinal, pensávamos nós,
Que estávamos sós defronte do mar.
Tão equivocados estávamos,
Pois nele já nos encontrávamos.

Por isso nos era ele tão familiar.

No mar lançámos os nossos fados.
E do mar colhemos tornados.

Não!
Este não é o Algarve que julgávamos conhecer.
Do mar insondável, por vezes,
Soavam murmúrios ao entardecer.
Almas familiares de velhos pescadores.
Agora, rodopiantes tornados,
avassaladores...

                                                                  AMCD

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