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terça-feira, janeiro 29, 2013

A estrada e a estalagem

"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

Bernardo Soares, O Livro do Desassossego in Obras de Fernando Pessoa, Vol. II, Lello & Irmão, Porto, 1986. Pág. 550-551

“A estrada é sempre melhor do que a estalagem.”
Cervantes

***

A vida sempre pode ser concebida como uma estalagem ou como uma estrada. Quixote fez-se à estrada e, por vezes, parava nas estalagens que confundia com castelos. Bernardo Soares aguardava na estalagem, sem pressa, a chegada da diligência do abismo do qual nada se sabe.  Sabemos apenas que quando o olhamos ele nos devolve o olhar, mais penetrante ainda, e nos indaga. Estremecemos então. Persignamo-nos. Oramos: “Mesmo que atravesse os vales sombrios, nenhum mal temerei, porque estais comigo” Sl. 23… Além está o vazio e aqui mora o horror ao vazio.

quinta-feira, dezembro 01, 2011

Alvorada na Mancha


Entretanto já começavam a gorjear nas árvores mil espécies de coloridos passarinhos, que nos seus diversos e alegres cantos pareciam dar as boas-vindas e saudar a fresca aurora, que pelas portas e balcões do Oriente ia descobrindo a formosura do seu rosto, sacudindo dos seus cabelos um número infinito de pérolas líquidas, cujo suave licor, banhando as ervas, dava a impressão de serem elas que ressumavam e soltavam um branco e miúdo aljôfar; os salgueiros destilavam maná saboroso, riam-se as fontes, murmuravam os arroios, alegravam-se as selvas e enriqueciam-se os prados com a sua vinda.

Cervantes, Dom Quixote, Vol. II. Livraria Civilização Editora, 1999. Pág. 82-83.

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