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segunda-feira, abril 24, 2023

Para quem não sabe o que o neoliberalismo é

 


Detalhe da capa do semanário Expresso, 14 de Abril de 2023 

(excepto o balão amarelo e o rectângulo vermelho, que são destaques nossos )

***

E é escusado argumentar com esta gente. Para eles o neoliberalismo é um credo, e, portanto, são surdos a qualquer contra-argumento racional ou científico.

Como uma erva daninha, o credo neoliberal defendido pelos lacaios das elites dominantes em jornais mui burgueses e liberais como o Expresso - burguesitos à espera das migalhas caídas da mesa do patrão e de um afago na sua fiel e canina cabeça – teima em medrar, ainda que denunciado vezes sem conta na sua injustiça.

Diga-se de passagem, que não são todos os que lá escrevem, mas nós sabemos quem são esses “alegres papagaios” e eles também sabem quem são. Os de servil escrita.


domingo, abril 11, 2021

A antiga e a nova liberdade

 


««««

No que me toca, prefiro, de longe, a antiga liberdade.

«No mundo antigo – na Antiguidade pré-cristã, em particular na Grécia antiga, ou durante o longo reinado da cristandade -, a definição dominante da liberdade envolvia o reconhecimento de que necessitava de uma forma apropriada de autonomia. (…)

A liberdade, assim compreendida, não era fazer o que se quisesse, mas sim escolher o caminho certo e virtuoso. Ser livre era, acima de tudo, estar livre da submissão aos nossos desejos básicos, que nunca poderiam ser satisfeitos e cuja perseguição só podia criar mais desejos e descontentamento. Assim, a liberdade era a condição alcançada pelo autodomínio, pelo controlo dos nossos apetites e do desejo de domínio político.

A característica definidora do pensamento moderno foi a rejeição desta definição de liberdade em proveito de uma definição que nos é hoje mais familiar. A liberdade, definida pelos criadores do liberalismo moderno, era a condição na qual os seres humanos estavam completamente livres para perseguir tudo o que desejavam».

Patrick J. Deneen, Porque Está a Falhar o Liberalismo? Gradiva, 2019. pág.99

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domingo, novembro 03, 2019

Livro lido: O Apelo da Tribo


Mario Vargas Llosa, O Apelo da Tribo, Quetzal, 2019

Reapreciação: óóóó 
(Já nos tínhamos referido a este livro, mas a leitura não estava concluída).

Leitura fluída e agradável. Boa tradução, se bem que o uso de plebeísmos como “estrambótico” ou “endrominar”, na página 294, nos faça torcer o nariz. Entre os liberais abordados, existem alguns conscientes da monstruosidade que é o fundamentalismo de mercado e, pura e simplesmente, não vão por aí. É o caso de Isaiah Berlin:

«Dito isto, temos de acrescentar que, entre as várias correntes de pensamento que cabem dentro da aceção «liberal», Isaiah Berlin não concordou totalmente com aqueles que, como Friederich von Hayek ou Ludwig von Mises, veem no mercado livre a garantia do progresso, não só do económico, mas também do político e cultural, o sistema que pode harmonizar melhor a diversidade quase infinita de expetativas e ambições humanas, dentro de uma ordem que salvaguarde a liberdade. Isaiah Berlin albergou sempre dúvidas sociais-democratas sobre o laissez-faire e reiterou-as poucas semanas antes da sua morte, na esplêndida entrevista – espécie de testamento – que concebeu a Steven Lukes, repetindo que não conseguia defender sem alguma angústia a liberdade económica ilimitada que “encheu de crianças as minas de carvão”». (pág. 264)

Até o liberalismo tem o seu extremismo. E se Vargas Llosa alerta para as ideologias que fazem o apelo da tribo em desfavor da liberdade do indivíduo, também é verdade que identifica alguns pensadores que integram uma tribo ideológica à qual ele não se pode furtar: a dos liberais. Dentro dessa tribo, há uma facção de fundamentalistas de mercado que defendem a ideologia neoliberal com tal fanatismo que mais se parecem com propaladores de uma nova fé.

Ora o neoliberalismo é o liberalismo extremado e dos extremos nunca vem coisa boa. Levado ao extremo o liberalismo devém num fundamentalismo de mercado, numa ideologia do egoísmo sustentado na cobiça e na ganância. Ainda assim muitos liberais vêem no neoliberalismo uma coisa boa. É o caso de Mario Vargas Llosa.

quinta-feira, outubro 24, 2019

O apelo da tribo neoliberal

Mario Vargas Llosa, O Apelo da Tribo, Quetzal, 2019

Apreciação:  óóóó

Mário Vargas Llosa não resistiu ao apelo da tribo neoliberal, ou seja, ao apelo da tribo dos que idolatram o mercado desregulado, o mais desregulado possível, embora diga defender o mercado regulado. Se há algo de errado no liberalismo é esse fundamentalismo de mercado que pretende alargar a lógica do seu funcionamento a todas as esferas da vida e mercantilizar tudo, da saúde à educação, da segurança à arte e quase tudo o resto. Para a tribo dos fundamentalistas do mercado, por exemplo, um casamento não é um casamento, é um contrato; a educação de um filho, não é simplesmente educação, é um investimento; o desemprego não é um infortúnio, é uma oportunidade para se ser empreendedor, uma situação de transição entre dois empregos, e assim sucessivamente. Se o mercado foi uma descoberta associada ao desenvolvimento das trocas comerciais, a tentativa de alargamento desse mecanismo a todas as esferas da vida é, no mínimo, um erro.

Mário Vargas Llosa até reconhece o “excessivo economicismo em que se confinou um certo liberalismo”(p. 65), mas depois lamenta que Ortega y Gasset, que foi um liberal na cultura e na filosofia e “tão curioso e aberto a todas as disciplinas” (p. 77) tenha sentido “uma desconfiança parecida com o desdém” em relação ao “mercado livre” e à “liberdade económica”. Chega por isso a acusar Ortega Y Gasset de ser um “liberal parcial” que padece de uma “limitação geracional” (p.77). Mais adiante chega a criticar Ortega y Gasset, considerando-o “um liberal limitado pelo seu desconhecimento da economia”, facto que “o levou por vezes, quando propunha soluções para problemas como o centralismo, o caciquismo ou a pobreza, a postular o intervencionismo estatal e um dirigismo voluntarista” (p.87) e que “os erros de Ortega” eram os erros de um “ingénuo” (p.91), pasme-se. Sente-se que Vargas Llosa queria que Ortega y Gasset fosse da sua tribo, e seria, apenas com o problema de não ser um neoliberal, ou seja, de não estender o seu liberalismo também à esfera económica.

Ora Ortega y Gasset era um filósofo que estava muito à frente do seu tempo, e que está ainda muito à frente de Mário Vargas Llosa, não cometendo o mesmo erro que este comete ao abraçar o desumano mecanismo de mercado, esse “frio” e “implacável” mercado que, nas próprias palavras de Vargas Llosa, “premeia o êxito e castiga o fracasso de maneira implacável” (p. 48), como se assim fosse ou fosse sempre assim – este é um mandamento dos fundamentalistas do mercado – e como se Llosa não soubesse o que essa palavra, “implacável”, esconde.

O livro está a ser, contudo, muito interessante. A leitura prossegue a bom ritmo. Na tribo de Vargas Llosa, cabem liberais respeitáveis e admiráveis, como Adam Smith, Ortega y Gasset entre outros, mas lá está também Friedrich von Hayek, um bispo do fundamentalismo de mercado (1).

(1)    Segundo Llosa, “Hayek refere-se aos países subdesenvolvidos e diz que, felizmente para eles, os países ocidentais puderam prosperar e avançar graças ao seu sistema, de modo a terem agora um modelo a seguir e também poderem receber uma ajuda dos países do Primeiro Mundo na sua luta pelo progresso.” (pág.129) Ora, ou Hayek é ingénuo, ou isto é de um cinismo atroz.

Embora no livro não existam capítulos biográficos de Margaret Tatcher, Ronald Reagan, Von Mises ou Milton Friedman, estes cultores e defensores do neoliberalismo não deixam de ser alvo de admiração e referência por Vargas Llosa que coloca todos no mesmo saco, homens de cultura liberal e neoliberais económicos e políticos.

***
Uma nota final

Aqui prefere-se o liberal Keynes ao neoliberal Hayek.

Aqui admiramos a cultura liberal e os seus defensores, intelectuais como Jacques Barzum, Allan Bloom, Harold Bloom, Ortega e Gasset, George Steiner, Roger Scruton, entre muitos outros intelectuais que podem ser considerados da ala Direita.

Mas não deixamos de escutar os intelectuais da ala Esquerda, marxistas inclusive, como David Harvey, Immanuel Wallerstein, Manuell Castels e outros, como Zygmunt Bauman ou Tony Judt, por exemplo, já falecidos.

Como dizia Ortega e Gasset “Ser de esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser imbecil; ambas, com efeito, são formas de hemiplegia moral.”

Em todas as alas há argumentos, vozes e pensamentos que devem ser ouvidos e pesados, ou seja, dignos de consideração.

segunda-feira, janeiro 09, 2017

Liberalismo e neoliberalismo: para quem ainda tem dúvidas

Ao contrário do liberalismo clássico, que contemplava um modelo puramente de mercado, deixado à iniciativa privada e à livre competição sem nenhuma intervenção do Estado (“mais mercado, menos Estado”), o neoliberalismo instala-se no próprio Estado. Wendy Brown argumenta que o neoliberalismo, em contraste com o liberalismo clássico, tende a empoderar cidadãos para os transformar em empreendedores; por conseguinte, em estabelecer uma ética sem precedentes de “cálculo económico”, a qual se aplica a actividades em favor do público que antes o governo garantia.


A prática do neoliberalismo submete as funções sociais do Estado ao cálculo económico: uma prática invulgar, que introduziu critérios de viabilidade nos serviços públicos, como se eles fossem empresas privadas, para ordenar os campos da educação, da saúde, da segurança social, do emprego, da pesquisa científica, do serviço público e da segurança sob uma perspectiva económica.

Consequentemente, o neoliberalismo retira a responsabilidade do Estado, fazendo-o renunciar às suas prerrogativas e avançando na direcção da sua gradual privatização.

Carlo Bordoni
(realces nossos)
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Fonte: Bauman, Zygmunt;  Bordoni, Carlo , Estado de Crise, Relógio D’Água, 2016, pp. 30-31.

terça-feira, agosto 05, 2014

No mundo disfuncional onde nos é dado viver

Ele [o mundo disfuncional onde nos é dado viver] é caracterizado por um processo, iniciado de modo mais sistemático no dealbar os anos de 1980, e que se traduz numa enorme expansão do capital financeiro (suplantando em muito a produção de bens e serviços da chamada «economia real»). Por outro lado, regista-se um enorme aumento da concentração de riqueza, a nível global, facilitado pela quase irresponsabilização da circulação de capitais, com a correspondente perda de peso da componente de rendimentos do trabalho nas economias nacionais. A globalização permitiu a criação de uma elite mundial, transnacional, capaz de influenciar ou mesmo determinar as agendas políticas nacionais e internacionais. 

(…)

O «sistema bancário sombra» (que efectua operações bancárias sem ser submetido à disciplina do bancos oficiais) movimentou 67 biliões de dólares norte-americanos em 2011 (111% do PIB mundial).

Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, Temas & Debates/Círculo de Leitores, pág. 109

***

O crescimento exponencial da componente dos rendimentos do capital financeiro no rendimento global planetário ditou uma desvalorização relativa dos rendimentos do trabalho.

Paradoxalmente, no “mundo disfuncional onde nos é dado viver”, a acumulação de riqueza é, cada vez mais, independente do trabalho, daí que se assista hoje, mais do que nunca, à destruição inescrupulosa de estruturas económicas nacionais e à precarização do trabalho, com as inevitáveis consequências na vida do trabalhador, que, ironicamente, já empobrece a trabalhar. O trabalhador, no “mundo disfuncional onde nos é dado viver”, é cada vez mais prescindível. Neste mundo, o especulador vence em toda a linha. O capitalismo financeiro é mais sedutor do que o capitalismo industrial e industrioso. O dinheiro enquanto mercadoria é já a principal variável da equação. Dinheiro gera dinheiro, riqueza gera riqueza. O trabalho é deixado para trás, enquanto prossegue o processo de concentração do rendimento e da riqueza.

terça-feira, julho 29, 2014

Neoliberalismo e impostos

Vivemos numa espécie de neoliberalismo que começou a ganhar o Ocidente e que se tornou extremamente agudo depois da queda do muro de Berlim – e que é muito confundível com o neo-riquismo -, e que, atacado pela crise em que estamos, se transformou num neoliberalismo repressivo, com a multiplicação de impostos, de restrições, etc. Sou contra o neoliberalismo repressivo.”

Adriano Moreia, entrevista ao Jornal “i”, 26 de Julho de 2014

O neoliberalismo é para muitos fundamentalistas de mercado uma palavra proibida. Isso não existe, dizem eles, confundindo liberalismo com neoliberalismo. Que estamos a ver gigantes onde só existem moinhos de vento. Que tal dogma, tal como o consideramos, é incompatível com os aumentos de impostos.

As palavras do Professor Adriano Moreira devem ter feito muita gente arrancar os cabelos do cocuruto, ou rasgado as vestes, vindas de quem vieram.

Os fundamentalistas de mercado fingem não saber que a política fiscal, se for conduzida de acordo com o dogma neoliberal, contribui não para uma justa redistribuição da riqueza, mas sim, para uma injusta concentração da riqueza, amplificando ainda mais as imperfeições do funcionamento do capitalismo, em vez de o regular, aumentado as desigualdades sociais em vez de as estreitar. É o que está a ocorrer actualmente, com o neoliberalismo repressivo “que começou a ganhar o Ocidente”. Alarga-se a base tributária, e, como num funil invertido, concentra-se a riqueza, através da condução dos rendimentos colectados aos contribuintes, fiscalmente assaltados, para os bolsos de uma minoria de credores usurários da alta finança internacional. Se não, como explicar o facto de ao enorme aumento de impostos corresponder uma degradação generalizada dos serviços públicos e a desactivação de muitos outros? Se pagamos mais impostos, então deveríamos ser melhor servidos, ou não é assim?

A actual política fiscal é injusta, pois tira a muitos para dar a poucos. Estamos colocados perante uma injustiça fiscal, para não lhe chamar um assalto.

domingo, abril 13, 2014

E na página 260, reza assim

E na página 260 lá encontramos inesperadamente Portugal, num livro de divulgação científica sobre a história da evolução humana e das sociedades.

Reza assim:

«Estudos adicionais sugerem (mas ainda não o provaram de forma conclusiva) que o nivelamento é benéfico mesmo para as sociedades modernas mais avançadas. Aquelas que mais fazem pela qualidade de vida dos seus cidadãos, da educação aos cuidados de saúde, do controlo do crime à preservação da auto-estima colectiva, são as que têm uma diferença menor entre os rendimentos dos cidadãos mais abastados e dos mais pobres. Entre 23 dos países mais ricos do mundo e estados individuais dos EUA, de acordo com uma análise de 2009 efectuada por Richard Wilkinson e Kate Picket, o Japão, os países nórdicos e o estado americano de New Hampshire têm simultaneamente o mais estreito diferencial de riqueza e a média mais alta de qualidade de vida. No fundo da tabela estão o Reino Unido, Portugal e o resto dos EUA.»

Edward Wilson, A Conquista da Terra: a Nova História da Evolução Humana, Clube do Autor, 2013. Págs. 259-260.
(o destaque é nosso)
***

Nem quando nos embrenhamos na leitura de um livro de divulgação científica de um entomologista escapamos ao opróbrio de constatar que somos (éramos em 2009 e somos ainda) uma das mais desiguais sociedades do mundo. Nem a leitura de uma obra que julgávamos afastar-nos da espuma dos dias, consegue afinal alhear-nos desta vil realidade, cada vez mais cavada pelas “elites” terratenentes e reaccionárias que nos dirigem. É tão evidente que salta à vista. Até nos livros de divulgação científica de um entomólogo! Lá está, na página 260: o nome do meu país. Ah, mas ombreamos com esses países que são a cumeada do capitalismo neoliberal mais extremo, civilizadíssimos, os países do tea party e dos lords: o Reino Unido e os EUA (o resto).

Ah, grande piolheira!

***

Sorrio quando verifico que à luz neoliberal, todo o livro é sobre uma quimera, uma abstracção, uma coisa que não existe: a evolução das sociedades. Nas palavras da ida, mas não saudosa Margaret Tatcher, a sociedade é uma abstracção, é coisa que não existe. Cá está então um livro sobre a evolução de coisa nenhuma.


E quando vejo o meu país, assim contextualizado, aflora-me sempre à memória aquele verso do O’Neil "...ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!"

domingo, março 30, 2014

Graça

Sob o neoliberalismo terratenente lusitano, conservador e neo-salazarista, Portugal transforma-se num país cada vez mais polarizado, socialmente desigual, entre uns poucos de agraciados, e uns muitos desgraçados, governados por uns engraçados cínicos, sem graça nenhuma.

Em suma: um país de desgraçados, governado por engraçados, ao serviço de uns poucos agraciados.

domingo, novembro 24, 2013

E agora, o mercado interno chinês: consumir é glorioso!

«O que parece ser novo neste domínio [da globalização da economia] é o aumento exponencial da exportação da cultura de massas produzida no centro para a periferia e com ela das “estruturas de preferências” pelos objectos de consumo ocidental. Está-se a criar assim uma ideologia global consumista que se propaga com relativa independência em relação às práticas concretas de consumo de que continuam arredadas as grandes massas populacionais da periferia. Estas estão duplamente vitimizadas por este dispositivo ideológico: pela privação do consumo efectivo e pelo aprisionamento do desejo de o ter. Pior do que reduzir o desejo ao consumo é reduzir o consumo ao desejo do consumo.
Esta dupla vitimização é também uma dupla armadilha. Por um lado, nem o desenvolvimento desigual do capitalismo, nem os limites do eco-sistema planetário permitem a generalização a toda a população mundial dos padrões de consumo que são típicos dos países centrais

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, 9ª ed., Almedina, 2013, Pág. 269
(os sublinhados são nossos)

Dizia bem Boaventura de Sousa Santos, que “as grandes massas populacionais da periferia” estavam “arredadas” das práticas de consumo vigentes no centro, mas não da publicidade suscitadora de novos desejos e de insuspeitas "necessidades", individuais e colectivas. Pois bem, essa realidade, que já muda, irá alterar-se rápida e profundamente. A China ao decidir aprofundar mais a sua política económica no sentido de “mais mercado e menos Estado”, alargando-a ao seu mercado interno, abraça definitivamente a biopolítica. Mais mercado, mais consumo interno, mais população (a China vai relaxar a sua política demográfica antinatalista), mais consumidores, mais contribuintes - esses novos escravos a formar… Mas também, mais poluição, mais consumo de energia, mais consumo de recursos naturais, mais ameaça à biodiversidade, mais, mais, mais… Se enriquecer era glorioso, é agora o consumo que passa a sê-lo. E assim se vai imiscuindo o deus mercado, insidiosamente, em todas as esferas da vida (e da Vida).

O mercado é o fetiche da China, esse país mutante. Comunista e capitalista, neoliberal e consumista.

segunda-feira, outubro 14, 2013

Ainda por cumprir e já noutro filme

«Assim, como atrás referi, as duas mais importantes promessas da modernidade ainda por cumprir são, por um lado, a resolução dos problemas da distribuição (ou seja, das desigualdades que deixam largos estratos da população aquém da possibilidade de uma vida decente ou sequer da sobrevivência); por outro lado, a democratização política do sistema político democrático (ou seja, a incorporação tanto quanto possível autónoma das classes populares no sistema político, o que implica a erradicação do clientelismo, do personalismo, da corrupção e, em geral, da apropriação privatística da actuação do Estado por parte de grupos sociais ou até por parte dos próprios funcionários do Estado).»

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, O Social e o Político na Pós-Modernidade, 8ª ed., Edições Afrontamento, 2002, (na página 88).

Desconheço se Sousa Santos já o teria escrito aquando da primeira edição, em 1994. Se o fez, passaram então dezanove anos. Neste ínterim o mundo mudou, para pior, e, em vez de nos aproximarmos progressivamente do cumprimento das promessas por cumprir da modernidade, afastámo-nos delas à velocidade da luz. Volvidos estes anos, em Portugal, semiperiferia (sempre semiperiferia!) cada vez mais periférica, a conversão das elites governantes e dos seus partidos à doutrina neoliberal pós-moderna, agravou os problemas da distribuição e afastou-nos da democratização política do sistema político democrático, ao ponto de se voltarem a ouvir por aí as famosas grandoladas (inclusive na Assembleia da República, a Casa da Democracia).

A modernidade ficou por cumprir neste país e a modernização é uma gargalhada.


A pós-modernidade abalroou as promessas incumpridas da modernidade como uma locomotiva abalroa um camião.

sábado, agosto 10, 2013

A Corda do Enforcado. Comentários de um leitor crítico.

Lido o longo livro de Nuno Rogeiro, 652 páginas (!), há ideias e pontos de vista com as quais concordamos e outros acerca dos quais discordamos. Mas nem poderia ser doutra forma quando se realiza uma leitura crítica. Para dizer a verdade, embora não sendo uma bíblia, são vários livros num, pois o autor deambula por vários temas com toda a liberdade, indisciplinadamente, e a seu contento, aprofundando mais aqui e menos ali, o que dá um certo desequilíbrio aos subcapítulos – por exemplo, só às questões que se prendem com a política de defesa, questões militares e geopolítica, são dedicadas 108 páginas integradas num capítulo reservado a políticas sectoriais de 181 páginas (em suma, a Defesa ocupa 60% das páginas desse capítulo). Mas Nuno Rogeiro escreve sobre aquilo de que gosta e fá-lo de forma fundamentada, como se pode atestar pelas inúmeras referências a que recorre, indicadas em rodapé. Escreve com grande erudição, existindo muitas outras referências implícitas no texto, para além das que indica em rodapé – por exemplo, Céline[1], Jean-Paul Sartre[2], Hayek[3], são citados, entre muitos outros, se o leitor estiver atento.

Em abono do autor está também o facto de ter resistido à ideia de colocar a sua cara na capa ao contrário destes aqui, referidos no Malomil.

Mas vamos às discordâncias e embirrações (ficamo-nos apenas por três para não sermos maçudos, pois outras haveria).

segunda-feira, julho 22, 2013

Neoliberalismo e democracia

But the great number [of the Athenian Assembly] cried out that it was monstrous if the people were to be prevented from doing whatever they wished... Then the Prytanes, stricken with fear, agreed to put the question-all of them except Socrates, the son of Sophroniscus; and he said that in no case would he act except in accordance with the law.
Xenophon
Tradução:
Mas a maioria [da Assembleia Ateniense] clamou que seria monstruoso se o povo fosse impedido de fazer tudo o que desejava…Então o Prítanes, acometido pelo medo, concordou em colocar a questão – todos eles excepto Sócrates, o filho de Sofronísco; e ele disse que em caso algum actuaria excepto se fosse de acordo com a lei.

Xenofonte, Helénicas
(tradução nossa)

É com a citação de Xenofonte (431 a.C. – 355 a.C.) em epígrafe, que o austríaco Friedrich von Hayek, um dos papas do neoliberalismo, começa por visar criticamente a democracia num dos subcapítulos da obra The Political Order of a Free People (1979). O subcapítulo intitula-se “A progressiva desilusão com a democracia”. O recurso a Xenofonte, um fervoroso discípulo de Sócrates, não é despiciendo. Hayek procura apoio e patrocínio num dos filósofos mais sábios da antiga Grécia, para proceder a uma crítica à democracia - nas palavras de Churchill, a pior forma de governo, à excepção de todos as outras. Com efeito, se a democracia directa não for regrada, então todas as questões e decisões antipopulares não passarão na Assembleia, encontrando a oposição da maioria. O problema é quando, nas actuais democracias representativas, a maioria decide legislar contra o povo que a elegeu, e que era suposto representar, dizemos nós. Não é de espantar que o neoliberal Hayek critique a democracia neste ponto, na medida em que esta forma de governo, como sabemos hoje, não é o melhor terreno para o exercício das políticas neoliberais. A comprová-lo está o facto de a aplicação pioneira deste tipo de políticas ter ocorrido sob os auspícios do regime tirânico do general Pinochet, no Chile.


A democracia é um escolho no caminho dos que querem impor a via neoliberal aos povos que dirigem. Não admira que queiram suspendê-la.

***

O primeiro parágrafo da obra supracitada de Hayek reza assim:

When the activities of modern government produce aggregate results that few people have either wanted or foreseen this is commonly regarded as an inevitable feature of democracy. It can hardly be claimed, however, that such developments usually correspond to the desires of any identifiable group of men. It appears that the particular process which we have chosen to ascertain what we call the will of the people brings about results which have little to do with anything deserving the name of the 'common will' of any substantial part of the population.
Friedrich von Hayek (1979) - The Political Order of a Free People

Tradução:

Quando as actividades do moderno governo produzem resultados agregados que poucas pessoas desejavam ou previram, isso é comummente considerado como uma característica inevitável da democracia. Dificilmente se pode afirmar, contudo, que tais desenvolvimentos usualmente correspondem aos desejos de um grupo identificável de homens. Parece que o processo particular que escolhemos para determinar o que podemos chamar a vontade do povo traz resultados que pouco têm a ver com qualquer coisa que mereça o nome de “vontade comum” de qualquer parte substancial da população.
Friedrich von Hayek (1979) - The Political Order of a Free People
(tradução e sublinhados nossos)

Ao contrário do que refere Hayek, julgamos que hoje existe um grupo identificável, não maioritário, que quer impor as suas políticas, desígnios, desejos e interesses aos demais, contra a vontade destes e para benefício daqueles. E com efeito é possível consegui-lo. Basta ter o poder para suspender a democracia.

domingo, julho 21, 2013

O assalto às democracias

A inadaptação das democracias à globalização neoliberal é cada vez mais evidente. Ao invés, as ditaduras pardas onde reinam os testas de ferro, as nomenklaturas e as famílias de oligarcas, encontram na globalização desregulada um solo fértil para o seu florescimento. O mundo aberto, livre de qualquer regulação tornou-se a sua coutada. As democracias baixaram as suas guardas. Assistimos impotentes às incursões de oligarcas russos, angolanos e chineses – para não falarmos dos monarcas árabes, entre outros – que chegam e tudo compram – terrenos, obras de arte, clubes de futebol, bancos, outras empresas privadas, empresas públicas e monopólios naturais entretanto colocados à venda por elites governativas coniventes, corruptas e corrompidas... É assim que os oligarcas lavam o dinheiro sujo proveniente do roubo que todos os dias realizam aos seus povos através da exploração monopolista dos recursos naturais dos países onde reinam. Eles parecem conhecer melhor do que ninguém as vulnerabilidades das democracias, que não desenvolveram sistemas imunitários capazes de as defenderem num contexto de globalização.

quarta-feira, julho 17, 2013

Nem o Estado é uma máquina de lavar, nem nós somos os glutões do Presto

O BPN passou pelo Estado como uma peça de roupa suja passa por uma máquina de lavar. A “máquina” lavou o BPN, mas a sujidade ficou entranhada na “máquina” e os contribuintes ficaram com a porcaria da despesa. Mas houve quem ficou a ganhar e muito, com toda a operação. E assim se tornou pública uma dívida que não o era. Os ditos partidos do “arco da governação” são os responsáveis por toda a operação. Uns pela nacionalização, outros pela privatização. No fim, ficou tudo em família: uma verdadeira cosa nostra.

Por estranho que pareça, as leis do mercado concorrencial não se aplicam aos bancos. Não podem falir (dizem eles), ao contrário de qualquer outra empresa ineficiente.

sábado, maio 11, 2013

Néscios

Titula Rui Ramos a sua crónica no Expresso: “O antitroikismo dos néscios”. Como se os néscios não fossem os troikistas. E mais néscios ainda, os mais troikistas que a própria troika.


***
P.S.


No mesmo artigo, Rui Ramos continua a basear-se no habitual erro de análise económica que é o de comparar aquilo que não é comparável: uma desvalorização monetária dos anos 80 do século XX, com o inaudito "ajustamento" da economia portuguesa no presente.

Os economistas tiveram a "brilhante" ideia de "ajustar" a economia portuguesa, uma vez que não se pode realizar uma desvalorização competitiva da moeda (facto que representaria um abaixamento dos salários reais, sem que o mercado interno fosse beliscado). Julgavam eles, que o mesmo efeito poderia ser obtido, atacando diretamente os salários e reduzindo o rendimento disponível das famílias. Esqueceram-se contudo das concomitâncias do processo.

Desvalorizar a moeda e "ajustar" a economia, como agora se está a fazer, trata-se de processos distintos nos seus efeitos, e os resultados estão à vista de todos.

Por muito que a economia portuguesa seja uma economia pequena e aberta, por muito que se viva agora na Era global da economia globalizada, o que é certo é que o mercado interno nacional era o viveiro de milhares de pequenas empresas, agora falidas, afectadas pelas políticas económicas e financeiras experimentais de um bando de neoliberais. Ainda por cima, néscios.

segunda-feira, maio 06, 2013

O Professor Adelino Maltez, hoje, na Antena 1


Ouvido pela manhã, na Antena 1:

«A troika tem uma concepção muito especial - acha que os culpados da crise em Portugal são os funcionários públicos e portanto exige ao Governo que malhe nos nossos funcionários públicos.

(...)

A coisa mais grave é a cedência do Governo da República Portuguesa a este conceito de ataque ao conceito público de serviço. Porque o que nós temos aqui é: de uma maneira cega há que despedir um número “x” gigantesco, e uma forma indirecta de o conseguir, que é esta questão da colocação na mobilidade - isto antigamente chamava-se quadro geral de adidos - e pedir isto a que governos sucessivos - não é a este, é a todo o governo - que se coloquem 30 000 pessoas num sítio onde durante anos e anos quer dizer… isto já estava previsto há muitos anos, só conseguiram pôr 1000... Portanto, o que significa que vai ser tudo feito de uma maneira totalmente irracional porque este é o mesmo governo que não sabe quais são as necessidades (penso que houve um conferência sobre a reforma do estado numa universidade qualquer e um nomeado, que por acaso até era do PS, por este governo, para qualquer lugar, nem sei bem especificar, disse que o problema estava no pessoal das cantinas outro nos contínuos - e portanto são estes palpites que marcam a acção de incompetência técnica total da parte do senhor ministro das finanças e da administração pública...

(...)

Se destruirmos no caminho o conceito de serviço público, com as boas experiências, em nome de alguém que é desconfiado, porque já declarou, como o primeiro-ministro que "infelizmente eu não sou funcionário público"...os principais ministros, parece que alguns são funcionários de organizações internacionais, mas não são funcionários públicos, portanto há aqui assim o desprezo total por alguma coisa que marcou - isto não foi nos últimos trinta anos, foi nos últimos séculos - uma existência racional normativa à nossa convivência como comunidade política

Excertos da entrevista do Professor José Adelino Maltez à Antena 1, hoje, AQUI. (os destaques são nossos)

***


Acrescentemos apenas que não nos parece que a adesão deste governo ao conceito de ataque ao serviço público se trate de uma “cedência” ou seja exclusivamente motivada por um elemento exógeno como a troika. O princípio ideológico e preconceituoso contra o funcionalismo público já fazia parte da matriz ideológica dos que agora encabeçam o Governo da República, mas que nunca encontraram antes condições favoráveis para o fazer vingar. As imposições da troika vieram apenas criar o ambiente favorável, e o pretexto, para que as tendências neoliberalizantes de uma ala ideológica do PSD e de alguns do CDS fossem descaradamente assumidas na (des)governação do país. É de neoliberalismo que se trata.

sábado, maio 04, 2013

A servidão ou a partida

1/05/2013 - Manifestação contra o capitalismo, em Seattle, acaba em motim.


Vós que cegamente votastes nestes,
Sabeis agora o que o neoliberalismo é?
Sabeis agora que o Estado pode ser um instrumento da luta de classes?
Que uma vez conquistado para as classes dominantes, estas o usam para transferir a riqueza da base para o topo?
E uma vez conquistado pelas classes exploradas, estas o usam para transferir a riqueza do topo para a base?
Para subtrair riquezas outrora subtraídas.

De que vos queixais agora?
É a vez deles! Fostes vós que os colocastes lá.
Destes-lhes o pleno: um presidente, uma maioria parlamentar, um governo.
Que esperáveis?

Bem podeis aguardar que caiam por si. Não cairão!
Resta-vos a rua ou o desespero,
a servidão ou a partida.

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