segunda-feira, julho 22, 2013

Neoliberalismo e democracia

But the great number [of the Athenian Assembly] cried out that it was monstrous if the people were to be prevented from doing whatever they wished... Then the Prytanes, stricken with fear, agreed to put the question-all of them except Socrates, the son of Sophroniscus; and he said that in no case would he act except in accordance with the law.
Xenophon
Tradução:
Mas a maioria [da Assembleia Ateniense] clamou que seria monstruoso se o povo fosse impedido de fazer tudo o que desejava…Então o Prítanes, acometido pelo medo, concordou em colocar a questão – todos eles excepto Sócrates, o filho de Sofronísco; e ele disse que em caso algum actuaria excepto se fosse de acordo com a lei.

Xenofonte, Helénicas
(tradução nossa)

É com a citação de Xenofonte (431 a.C. – 355 a.C.) em epígrafe, que o austríaco Friedrich von Hayek, um dos papas do neoliberalismo, começa por visar criticamente a democracia num dos subcapítulos da obra The Political Order of a Free People (1979). O subcapítulo intitula-se “A progressiva desilusão com a democracia”. O recurso a Xenofonte, um fervoroso discípulo de Sócrates, não é despiciendo. Hayek procura apoio e patrocínio num dos filósofos mais sábios da antiga Grécia, para proceder a uma crítica à democracia - nas palavras de Churchill, a pior forma de governo, à excepção de todos as outras. Com efeito, se a democracia directa não for regrada, então todas as questões e decisões antipopulares não passarão na Assembleia, encontrando a oposição da maioria. O problema é quando, nas actuais democracias representativas, a maioria decide legislar contra o povo que a elegeu, e que era suposto representar, dizemos nós. Não é de espantar que o neoliberal Hayek critique a democracia neste ponto, na medida em que esta forma de governo, como sabemos hoje, não é o melhor terreno para o exercício das políticas neoliberais. A comprová-lo está o facto de a aplicação pioneira deste tipo de políticas ter ocorrido sob os auspícios do regime tirânico do general Pinochet, no Chile.


A democracia é um escolho no caminho dos que querem impor a via neoliberal aos povos que dirigem. Não admira que queiram suspendê-la.

***

O primeiro parágrafo da obra supracitada de Hayek reza assim:

When the activities of modern government produce aggregate results that few people have either wanted or foreseen this is commonly regarded as an inevitable feature of democracy. It can hardly be claimed, however, that such developments usually correspond to the desires of any identifiable group of men. It appears that the particular process which we have chosen to ascertain what we call the will of the people brings about results which have little to do with anything deserving the name of the 'common will' of any substantial part of the population.
Friedrich von Hayek (1979) - The Political Order of a Free People

Tradução:

Quando as actividades do moderno governo produzem resultados agregados que poucas pessoas desejavam ou previram, isso é comummente considerado como uma característica inevitável da democracia. Dificilmente se pode afirmar, contudo, que tais desenvolvimentos usualmente correspondem aos desejos de um grupo identificável de homens. Parece que o processo particular que escolhemos para determinar o que podemos chamar a vontade do povo traz resultados que pouco têm a ver com qualquer coisa que mereça o nome de “vontade comum” de qualquer parte substancial da população.
Friedrich von Hayek (1979) - The Political Order of a Free People
(tradução e sublinhados nossos)

Ao contrário do que refere Hayek, julgamos que hoje existe um grupo identificável, não maioritário, que quer impor as suas políticas, desígnios, desejos e interesses aos demais, contra a vontade destes e para benefício daqueles. E com efeito é possível consegui-lo. Basta ter o poder para suspender a democracia.

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