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domingo, abril 11, 2021

A antiga e a nova liberdade

 


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No que me toca, prefiro, de longe, a antiga liberdade.

«No mundo antigo – na Antiguidade pré-cristã, em particular na Grécia antiga, ou durante o longo reinado da cristandade -, a definição dominante da liberdade envolvia o reconhecimento de que necessitava de uma forma apropriada de autonomia. (…)

A liberdade, assim compreendida, não era fazer o que se quisesse, mas sim escolher o caminho certo e virtuoso. Ser livre era, acima de tudo, estar livre da submissão aos nossos desejos básicos, que nunca poderiam ser satisfeitos e cuja perseguição só podia criar mais desejos e descontentamento. Assim, a liberdade era a condição alcançada pelo autodomínio, pelo controlo dos nossos apetites e do desejo de domínio político.

A característica definidora do pensamento moderno foi a rejeição desta definição de liberdade em proveito de uma definição que nos é hoje mais familiar. A liberdade, definida pelos criadores do liberalismo moderno, era a condição na qual os seres humanos estavam completamente livres para perseguir tudo o que desejavam».

Patrick J. Deneen, Porque Está a Falhar o Liberalismo? Gradiva, 2019. pág.99

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domingo, novembro 03, 2019

Livro lido: O Apelo da Tribo


Mario Vargas Llosa, O Apelo da Tribo, Quetzal, 2019

Reapreciação: óóóó 
(Já nos tínhamos referido a este livro, mas a leitura não estava concluída).

Leitura fluída e agradável. Boa tradução, se bem que o uso de plebeísmos como “estrambótico” ou “endrominar”, na página 294, nos faça torcer o nariz. Entre os liberais abordados, existem alguns conscientes da monstruosidade que é o fundamentalismo de mercado e, pura e simplesmente, não vão por aí. É o caso de Isaiah Berlin:

«Dito isto, temos de acrescentar que, entre as várias correntes de pensamento que cabem dentro da aceção «liberal», Isaiah Berlin não concordou totalmente com aqueles que, como Friederich von Hayek ou Ludwig von Mises, veem no mercado livre a garantia do progresso, não só do económico, mas também do político e cultural, o sistema que pode harmonizar melhor a diversidade quase infinita de expetativas e ambições humanas, dentro de uma ordem que salvaguarde a liberdade. Isaiah Berlin albergou sempre dúvidas sociais-democratas sobre o laissez-faire e reiterou-as poucas semanas antes da sua morte, na esplêndida entrevista – espécie de testamento – que concebeu a Steven Lukes, repetindo que não conseguia defender sem alguma angústia a liberdade económica ilimitada que “encheu de crianças as minas de carvão”». (pág. 264)

Até o liberalismo tem o seu extremismo. E se Vargas Llosa alerta para as ideologias que fazem o apelo da tribo em desfavor da liberdade do indivíduo, também é verdade que identifica alguns pensadores que integram uma tribo ideológica à qual ele não se pode furtar: a dos liberais. Dentro dessa tribo, há uma facção de fundamentalistas de mercado que defendem a ideologia neoliberal com tal fanatismo que mais se parecem com propaladores de uma nova fé.

Ora o neoliberalismo é o liberalismo extremado e dos extremos nunca vem coisa boa. Levado ao extremo o liberalismo devém num fundamentalismo de mercado, numa ideologia do egoísmo sustentado na cobiça e na ganância. Ainda assim muitos liberais vêem no neoliberalismo uma coisa boa. É o caso de Mario Vargas Llosa.

segunda-feira, janeiro 09, 2017

Liberalismo e neoliberalismo: para quem ainda tem dúvidas

Ao contrário do liberalismo clássico, que contemplava um modelo puramente de mercado, deixado à iniciativa privada e à livre competição sem nenhuma intervenção do Estado (“mais mercado, menos Estado”), o neoliberalismo instala-se no próprio Estado. Wendy Brown argumenta que o neoliberalismo, em contraste com o liberalismo clássico, tende a empoderar cidadãos para os transformar em empreendedores; por conseguinte, em estabelecer uma ética sem precedentes de “cálculo económico”, a qual se aplica a actividades em favor do público que antes o governo garantia.


A prática do neoliberalismo submete as funções sociais do Estado ao cálculo económico: uma prática invulgar, que introduziu critérios de viabilidade nos serviços públicos, como se eles fossem empresas privadas, para ordenar os campos da educação, da saúde, da segurança social, do emprego, da pesquisa científica, do serviço público e da segurança sob uma perspectiva económica.

Consequentemente, o neoliberalismo retira a responsabilidade do Estado, fazendo-o renunciar às suas prerrogativas e avançando na direcção da sua gradual privatização.

Carlo Bordoni
(realces nossos)
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Fonte: Bauman, Zygmunt;  Bordoni, Carlo , Estado de Crise, Relógio D’Água, 2016, pp. 30-31.

sábado, janeiro 12, 2013

Sob protectorado. Estaremos preparados para o imprevisto na Era da incerteza?

O Professor Adriano Moreira à Antena 1, AQUI e AQUI:

«Neste momento eu julgo que a confusão ideológica é muito grande, porque o futuro é muito incerto, em relação ao mundo Ocidental, sobretudo, e adivinhar o que é que vai ser o futuro é absolutamente impossível. Ninguém pode fazer juízos de probabilidade. Fazer juízos de possibilidade é uma audácia, portanto, temos sempre de estar preparados para que aconteça a outra coisa. E, a impressão que eu tenho, neste momento, é que nós estamos, sobretudo em relação a esse partido [PSD], num momento em que, tendo ele tido sempre uma pluralidade de orientações, porque foi um partido sempre bastante plural… a impressão que me dá, é que neste momento é que, o acento tónico é neoliberal. É um neoliberalismo que é implacável, nas circunstâncias em que nós estamos, e que por isso mesmo está a acontecer-nos que essa ideologia liberal, que me parece evidente, é acompanhada de uma atitude repressiva que como que redefine o liberalismo que está a ser aplicado. [Repressiva] no sentido em que muitas concessões de autoridade não são propriamente aquelas que são previstas na racionalidade constitucional, designadamente na área fiscal, que está a acontecer, e também o facto da proeminência das sanções económicas para corresponder a uma questão que parece ser a questão estratégica mais evidente do governo, que é o orçamento.

Bom, e isto ainda não é seguro que corresponda a uma tendência que se torna dominante. Noutros partidos também é assim: o CDS também tinha tendências que variaram no tempo, estou só a responder à pergunta, não estou a dizer que é específico. Mas é numa circunstância em que eu julgo que o país está em regime de protectorado. E quando o país está em regime de protectorado as orientações estão muito subordinadas a orientações que não domina, que são, mesmo que sejam compromissos – antigamente dizia-se, foi forçado mas quis - e realmente há um condicionamento por a chamada troika que tem reflexos que a meu ver são preocupantes, designadamente a tendência que há, nalguns lugares, intervenções para tratar a Constituição como se fosse uma lei ordinária. Isso acontece nos protectorados porque quem dá a orientação é quem tem o poder da protecção, não é a Constituição do país. Nós tivemos uma grande experiência de protectorados, não estou a dizer que o modelo é o mesmo, do passado, mas temos que usar palavras que sejam inteligíveis e a palavra inteligível para mim neste momento é esta, e essa orientação que vem desta dependência internacional é evidentemente neoliberal acompanhada de uma atitude repressiva nesse sentido que lhe estou a dizer.

(…)

A fome não é um dever constitucional.

(…)

Nós arriscamo-nos a passar o limite da paciência, sobretudo da devoção, porque todo esse sacrifício da população é devoção cívica ao seu país, e há limites para tudo.»

***

O Professor Adriano Moreira, muito mais que um homem esclarecido é um homem esclarecedor. Uma voz sempre a escutar com atenção.

Venham agora dizer-nos que vivemos numa Era onde a ideologia se encontra ausente, ou que o neoliberalismo é um unicórnio. Nada mais falso. Se a nossa vida está hoje lançada na incerteza e na insegurança, a responsabilidade é em grande parte desses que se guiam por essa doutrina neoliberal e que nos governam guiados por ela. Os ordoliberais que dominam a Zona Euro, por seu lado, mais não fazem do que impor as suas políticas aos que se puseram a jeito, aos que imploraram, aos países que se tornaram seus protectorados pela acção de políticos governantes incompetentes e desprovidos de inteligência e visão.

terça-feira, agosto 02, 2011

A velha história da justificação para o roubo

«Para Locke, a propriedade individual é um direito natural que advém do facto de os indivíduos combinarem o seu trabalho com a terra: os frutos do seu trabalho pertencem-lhes, apenas a eles e a mais ninguém. Esta é a essência da versão lockeana da teoria do valor do trabalho. As trocas de mercado socializam esse direito quando cada indivíduo consegue obter um valor equivalente ao que criou, pela troca que realiza com outros indivíduos, que por sua vez também criaram valor. Com efeito, os indivíduos mantêm, expandem ou socializam o seu direito à propriedade privada, através da criação de valor e através do, supostamente, livre e justo mercado de troca. Esta é a forma através da qual a riqueza das nações é mais facilmente criada e o bem comum melhor servido. O pressuposto é, claro, o de que os mercados podem ser justos e livres, e, na clássica economia política, é assumido que o estado deverá intervir para garantir essa liberdade e justiça – pelo menos, isto é o que Adam Smith aconselhou os governantes a fazer. Mas existe um desagradável corolário da teoria de Locke: os indivíduos que não conseguem, ou falham na produção de valor, perdem o direito à propriedade (ou não a podem reclamar para si). O desapossamento das populações indígenas da América do Norte por “produtivos” colonizadores, por exemplo, foi justificada pelo facto de as populações indígenas não produzirem valor

David Harvey (2011), “The Future of the Commons”, Radical History Review, Issue 109 (Winter 2011) Pp. 104

***

Nos dias que correm, o roubo continua a ser justificado pela velha teoria da economia política clássica, onde o fundamentalismo de mercado, vigorante entre nós, lança as suas raízes.

Na verdade, os indígenas da América do Norte foram desapossados pelos colonos, apenas porque estes queriam e podiam (por outras palavras, os colonos eram cobiçosos e mais poderosos). É óbvio que os índios também produziam valor. O valor que lhes bastava, até que um dia chegaram os colonos.

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