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quinta-feira, setembro 22, 2011

Portugal no pântano

Comigo não há risco. Tenho bastante de Barca D’Alva e de Porto, de América Latina e de África, de Nagasaqui e de Macau e de Timor, para que me dê qualquer tentação de afogar-me nos pântanos de leite da sobredita Europa.” (Agostinho da Silva, Caderno de Lembranças, Zéfiro, 2006, pág. 71).

Agostinho da Silva sabia que a adesão à C.E.E. nos iria ficar cara. Que muito provavelmente nos iríamos afogar num oceano de dívidas devido a um consumismo para o qual não estávamos historicamente vocacionados. Na frase que imediatamente antecede a supracitada, Agostinho termina dizendo que não nos esquecesse-mos “de ir o País de Camões entrar no supermercado da C.E.E. e ir ser consumista sem dinheiro, o que quero ver”.

Volvidos 25 anos, um quarto de século, o resultado está à vista. Acabámos por consumir com o dinheiro que não tínhamos, recorrendo ao crédito. Portugal está agora afogado, não num pântano de leite, mas num mar de dívidas. Chegámos então a um impasse: ou nos emancipamos e voltamos ao escudo, ou nos federamos, nos Estados Unidos da Europa, e então, Portugal passará a ser outra coisa, directamente governado a partir de uma cidade distante, no centro político e económico dessa federação.

Como estamos, agonizamos.

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PS – É certo que uma saída da Zona Euro, e nisso os economistas menos ortodoxos também concordam, teria como resultado uma recessão prolongada e o País seria conduzido a uma depressão. Teríamos um efeito recessivo da queda da procura interna, diz Francisco Louçã (Louçã, Portugal Agrilhoado, Bertrand Editora, 2011 pág. 97). Mas sempre podemos colocar a questão: não estamos já aí? Como se pode aguentar uma Zona Euro, com 17 ministros das finanças e dezassete sistemas fiscais diferentes? A integração europeia foi profunda ao nível económico, ligeira ao nível político, mas não existiu ao nível social e financeiro. Por isso estamos num impasse, sem fim à vista.


segunda-feira, agosto 29, 2011

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Ponte medieval da Mizarela © AMCD

«Os romanos confiavam na acção da gravidade, aquele aqueduto está de pé porquanto tem tendência para cair - o que em engenharia é uma coisa admirável, ter de pé algo com tendência para cair. É exactamente o que encontramos no gótico, ou mesmo no românico, há uma pedra na abóbada ou no arco que impede de cair. Quanto mais tende a cair, mais aquilo aperta a pedra e menos cai.»

Agostinho da Silva, Vida Conversável, Assírio & Alvim, 1994, pág. 16

quarta-feira, agosto 24, 2011

Isso é que é a caridade

«Ter caridade para com uma pessoa não significa, como em geral pensam as pessoas, ajudá-la a viver com aquilo que nos sobra a nós. Caridade significa ver no outro a graça, charis, que está oculta pela sua miséria, pela sua falta de educação, pela sua deformidade física mesmo. O homem caridoso com o aleijado é aquele que vê nele a graça que podia tê-lo feito um magnífico atleta, se a sua sorte ou as suas condições de vida não o tivessem levado a ser apenas um fragmento de gente. E o homem que vê no miserável, no desgraçado que pede esmola ou naquele que leva uma vida miserável, a charis interior, a graça que com ele nasceu e que perdeu vivendo – isso é que é a caridade.»

Agostinho da Silva, Vida Conversável, Assírio e Alvim, 1994, pág. 33.

Há muita gente que se toma por caridosa, sem sequer saber o que a caridade é. O que fazem, na verdade, é assistencialismo.

Enfim, lemos Agostinho, mais uma vez, e aprendemos com ele.

sábado, junho 12, 2010

Atingir Calecute

Alemão gosta de trabalhar, japonês gosta de trabalhar: coisa extraordinária! Tenho uma grande admiração por eles como os artistas do trabalho. Mas o que eu quero, então, é que eles se encarreguem disso e deixem os portugueses, os africanos, os brasileiros, toda a gente que acha que há coisas na vida muito mais interessantes do que trabalhar, que eles fabriquem aquilo que é necessário para que nós possamos, se quisermos, nadar, mas sobretudo, se pudermos boiar, acho eu que será mais excelente que tudo. Não prego a virtude de Confúcio, senão para se atingir Calecute.

Agostinho da Silva, Agostinho da Silva - Ele Próprio, Zéfiro, 2006, pág. 107-108

sábado, junho 05, 2010

A liberdade enquanto fatalidade

William Blake, The Ancient of Days, 1794

E sabem vocês a que nos estamos inclinando por aqui, se calhar por mais directo contacto com o nosso Espinosa? A que no mundo tudo é fatal, inclusive a liberdade: há quem nasça com ela e quem nasça com a sua negativa, devendo-se sempre, em qualquer caso, supor que se nasceu com liberdade, estando mais próximo do divino aqueles a quem a liberdade tiver sido dom do fatal: ora digam-me, não é a liberdade de Deus uma fatalidade? Será que pode ele, ao mesmo tempo que todo-poderoso, deixar de ser livre?

Agostinho da Silva, Carta Vária, 3ª edição, Relógio D’Água, 1990, pág. 66-67

Afinal, nem o Omnipotente, o Absoluto, pode deixar de ser livre. Afinal, nem é tão omnipotente assim. Não pode deixar de ser livre, mesmo que o queira. Não pode ser mortal. Por isso o Destino é também para Ele uma fatalidade como o era para os antigos deuses. Podiam atrasar o seu curso, mas não podiam impedi-lo de fluir.

quarta-feira, maio 27, 2009

Só seja marinheiro...

The Gust (c. 1680)

Willem van de Velde the Younger, 1633-1707
Só seja marinheiro quem esteja decidido a que no mar se afogue e nem dele reste memória. Senão até depois é capaz de haver monumento ou, pelo menos, sarcófago à parte.
Agostinho da Silva
Carta Vária, Relógio D'Água, 1990, pág. 70

sexta-feira, novembro 21, 2008

Tudo é possível (dentro de determinados limites)

E se te disser, Horácio, que tudo é possível dentro de determinados limites?
E que a vida é um instante de eternidade? Ou, se quiseres, um eterno instante.

Não se fará luz no teu espírito?

Não perceberás que em vão sondaste os limites da vida? E que toda essa parafernália científica que inventaste jamais nos poderá servir para esse fim?
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A propósito das palavras de Agostinho da Silva:

…e aqui temos numerosas horas de conversa ou os dias se comprimem num momento, que o tempo nem sempre dura, e ao que não dura mesmo chamamos nós instante de eternidade…

Agostinho da Silva, Ir à Índia sem Abandonar Portugal, Considerações, Outros textos, Assírio & Alvim, Lisboa, 1994, pág. 106

sexta-feira, novembro 07, 2008

Sempre, Agostinho

E ainda lhe chamam místico.

Pois, diz ele, e a nosso ver bem, que uma Nação só se realiza com “governos que mais fossem de coordenar que de mandar” e com “escolas que preparassem para o mundo a desenvolver inclusive o interno”.

Por isso dizemos: basta! Basta de “governos de mandar”. Queremos governos que coordenem; governos que não se demitam. Basta de prepotências e de desmandos (em Portugal isso está a acontecer na Educação). Queremos coordenação. O governo na Educação mais não tem feito do que impor, impor e impor. Basta! Que coordene!

Mas voltando ainda ao pensamento de Agostinho, dele ressoa uma ideia: a de união e de reconciliação. Dessa forma se cumprirá um novo Portugal, unido o velho com o do porvir. Só unidas as Nações e os povos empreendem com êxito. Não foi assim na Atenas de Péricles: velhos e novos, ricos e pobres, agricultores e marinheiros, todos unidos? Não é a união de um povo que ressalta nos Painéis de São Vicente?

Enquanto as querelas e as divisões subsistirem, as nações definharão: a desunião predominará sobre qualquer tentativa de reconciliação.

Mas deixamos-vos com as palavras de Agostinho. Sempre, Agostinho [os sublinhados são nossos].

«Só realizada uma Nação de frutos de terra e de frutos de mar, de pequena indústria transformadora livre de cadências, de escolas que preparassem para o mundo a desenvolver inclusive o interno, cooperadores excelentes, de concelhos que a si próprios se governassem, sem mutiladoras dependências do poder central, de propriedade comunitária, mesmo no fabril e no comércio - comunitária de liberdade partilhada e não de sofrida opressão, e de governos que mais fossem de coordenar que de mandar, e assim mesmo pela região passando -, só então Portugal se deveria lançar a nova revoada, sendo seu primeiro voto o de poder aliar esforços com o vizinho que durante séculos temera e que devia ser agora um esplendor de nações livres, também livres de novo seus antigos cidadãos de Maomé e Moisés, por tantos anos afastados ou odiados ou temidos.

De todos precisaria como irmãos para então, com segurança e promoção alheia e própria, ir de novo àquela Europa em que por pouco acabar, de Mercado, a que tanto o queriam prender e passando a Paraíso, e a reconhecendo como península da Ásia sobre um mar de porvir, ocidente em futuro de nascente, sem fronteiras de leste e oeste que artificiosamente a dividissem.
»

Agostinho da Silva, Ir à Índia sem Abandonar Portugal, Considerações, Outros textos, Assírio & Alvim, Lisboa, 1994, pág. 137

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Deus, o livre arbítrio e os condutores de homens

Acontece porém, que uma das marcas essenciais do homem está, com todos os males que tal possa acarretar, na sua possibilidade de se opor, de resistir a Deus, e eis um ponto em que deviam meditar todos os que pretendem conduzir homens aos seus fins deles, não dos próprios homens; mas também é verdade que esses, por seu turno, estão resistindo a Deus. O Português podia ter resistido ao apelo do longe, Portugal podia ter-se recusado à acção.

Agostinho da Silva, Reflexão, Guimarães Editores, Colecção Filosofia & Ensaios, 1996, pág. 36
Ao recusar-se à acção, os portugueses estariam a opor resistência ao Eterno, mas o apelo do Eterno foi mais forte, e reflectiu-se na imensidão do mar, vindo de todos os azimutes, através dos oceanos infinitos.

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