sexta-feira, maio 25, 2012

D. Sebastião libertado


Pediu-nos em tempos que esperássemos…

D. SEBASTIÃO
Esperai! Caí no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.
Que importa o areal e a morte e a desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura,
É Esse que regressarei.


                            Fernando Pessoa, Mensagem


***
Ou esperamos, como nos pediu, e aguardamos que regresse para todo o sempre
(nem outra coisa tem feito o povo que adormece, sonhando o sonho, como num encanto).
Ou esquecemos o episódio e encaramos o futuro.


***

D. Sebastião libertado

Acordai! Há muito que sucumbi na hora adversa
Que Deus concedia aos seus,
E finda a alma imersa
Nos eternos sonhos de Deus.
Decidi ficar neste outro mundo,
Agora que Deus morreu.
Jamais regressarei.
Sois livres!

quinta-feira, maio 24, 2012

Nós os novos, construamos uma anarquia portuguesa. Que esperamos?


«Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma “revolução” foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchámos essa revolução com a brandura com que tratámos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficámos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e fingimento. Portugal precisa dum indisciplinador. Todos os indisciplinadores que temos tido, ou que temos querido ter, nos têm falhado. Como não acontecer assim, se é da nossa raça que eles saem? As poucas figuras que de vez em quando têm surgido na nossa vida política com aproveitáveis qualidades de perturbadores fracassam logo, traem logo a sua missão. Qual é a primeira coisa que fazem? Organizam um partido... Caem na disciplina por uma fatalidade ancestral.
 Trabalhemos ao menos — nós, os novos — por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios, a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa.»

Fernando Pessoa, in “Crónica da vida que passa”, O Jornal, n.º 6, 8 de Abril de 1915.

***

Fernando Pessoa continua actual. Actualíssimo! Deposita nos novos a esperança. Que perturbem as almas! Que desorientem os espíritos! Que agitem as águas paradas onde as consciências dos velhos portugueses adormecem! Em vez de se lamentarem: “Que parva que eu sou! E fico a pensar, que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar.» Que se ergam! É a sua hora! É hora!

Mas não. Partem... Viram as costas... É mais fácil partir do que mudar... Desolação. Fatalidade. Portugal.

segunda-feira, maio 14, 2012

Sobre as declarações de Passos Coelho acerca do desemprego


Qual é a admiração? Ficaram indignados? Chocaram-se com o que ele disse?! Então ainda não sabiam? Passos é um neoliberal e para um neoliberal, um desempregado é apenas um trabalhador em trânsito entre dois empregos? É assim que ele o vê. É assim que eles o consideram. Reduzem o homem a uma dimensão apenas - o homo oeconomicus - quando um homem é muito mais do que isso. Enfim, tudo reduzem à árida economia e às suas leis do mercado.


Mas não somos nós que o dizemos. É Foucault:

«Em particular, a política neoliberal a respeito do desemprego é perfeitamente clara. Numa situação de desemprego, seja qual for a taxa de desemprego, não se deve nele intervir directamente, como se o pleno emprego tivesse de ser um ideal político e um princípio económico a salvar de qualquer maneira. O que se deve salvar, e salvar antes de tudo o mais, é a estabilidade dos preços. (…) Como diz, penso eu, Röpke, o que é o desempregado? Não é um deficiente económico. O desempregado não é uma vítima social. O desempregado é um trabalhador em trânsito. É um trabalhador em trânsito entre uma actividade não rentável e uma actividade mais rentável. E é tudo sobre acções reguladoras.»

Michel Foucault, Nascimento da Biopolítica, Edições 70. Página 183.
(os destaques são nossos)

E é tudo. (É claro que quando Michel Foucault proferiu esta aula no Collège de France, no dia 14 de Fevereiro de 1979, Passos ainda era um mocinho.)

sábado, maio 12, 2012

A desagregação do cristianismo


«Enquanto o povo judeu foi vencido e disperso e entrou na amarga segunda metade da sua história – em que o seu modelo poderia ter sido mais Ahasver do que David -, o cristianismo prosseguiu a resistência judaica contra o império romano a outro nível. O cristianismo começou por se tornar uma grande escola de resistência, da coragem e da fé encarnada; se o cristianismo fosse na época aquilo que é hoje na Europa, não teria sobrevivido sequer cinquenta anos. Durante o império romano, os cristãos tornaram-se a tropa de elite de uma resistência interior. Ser cristão então significava não se deixar intimidar por nenhum poder no mundo, sobretudo pelos imperadores-deuses romanos arrogantes, brutais e amorais cujas manobras político-religiosas eram perfeitamente conspícuas

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água. 2011. Pág. 298

***

Naquele tempo a morte assomava-se sempre no horizonte. Estava sempre presente e, muitas vezes, aproximava-se sorrateira. A vida terrena era breve. Cristo apareceu então, proclamando a vitória da vida sobre a morte. Essa crença funcionou entre os cristãos como uma espécie de argamassa muito forte que os mantinha unidos: a Fé. Contra a morte e contra o Império. Entravam no circo romano cantando, momentos antes de serem chacinados. Mas não soçobravam. Por isso o Império ruiu.

Hoje a morte está mais distante. Assoma-se na TV. A argamassa da Fé enfraqueceu e o cristianismo também.

A Fé do cristianismo está hoje tão enfraquecida na Europa, que se fosse confrontada com o poder dos imperadores, não sobreviveria sequer cinquenta anos, diz Sloterdijk. Na verdade, o cristianismo já pouca oposição revela face aos novos impérios sem rosto que dominam o nosso mundo.

Parece que ao alinhar tantas vezes com os impérios, foi o cristianismo que enfraqueceu.

domingo, maio 06, 2012

Surpreendidos com a evolução da taxa de desemprego?


O pleno emprego nunca fez parte das prioridades políticas deste governo (isso é coisa de keynesianos). Premeditadamente quiseram criar uma reserva de mão-de-obra suficientemente vasta para que a remuneração do trabalho (o salário) baixasse. A economia ficaria mais competitiva e acabaria mais tarde ou mais cedo por gerar postos de trabalho. Continuamos à espera.

E se um dia o tão propalado crescimento económico advir, qual será a percentagem de crescimento necessária para que o desemprego comece a reduzir-se por essa via? Além disso, pode haver crescimento económico com desemprego. A tendência histórica é para que assim seja, e cada vez mais.

sábado, maio 05, 2012

Cavaco, o “prestígio”, a “imagem”, a "reputação" e o “investimento directo estrangeiro”


Já não é a primeira vez que Cavaco Silva enfatiza a importância da “imagem” e do “prestígio” de Portugal enquanto factores de crescimento económico do país. A “imagem” e o “prestígio” fazem parte da sua vulgata e ele profere-as até à exaustão e ao aborrecimento (o nosso), reiteradamente. Da mesma forma, salienta a importância do “investimento directo estrangeiro”, para a ultrapassagem da crise económica e social que atravessamos. Ora este discurso, vindo de quem vem e de forma reiterada, aborrece, desmoraliza, não galvaniza e preocupa.

Pois ainda que a “imagem” e o “prestígio” sejam importantes, não se constroem no ar. Têm de assentar numa realidade ou essência que os sustente. E a actual realidade portuguesa, cada vez mais próxima do Terceiro Mundo, não é lá muito prestigiante. O senhor Presidente quer basear o nosso prestígio em quê? No empobrecimento? Nas desigualdades sociais? No crescimento do desemprego? No endividamento do Estado e das famílias? Na submissão do País aos poderes económicos e financeiros externos, ou, na submissão aos “mercados”? Na perda de liberdade? No enfraquecimento da democracia? Não é verdade que a capacidade de os portugueses determinarem o seu destino e o seu futuro se encontra seriamente comprometida? Ora, esta tónica continuada no “prestígio”, que na realidade está na lama, na “imagem”, e também no “investimento directo estrangeiro”, lembra-nos, de cada vez que é proferida pelo senhor Presidente, que a nossa liberdade, a nossa independência e o nosso desenvolvimento dependem mais dos outros do que de nós próprios, ou seja, dependem de elementos que não controlamos na medida em que se encontram fora do País. Será isto verdade?

Dependemos então da forma como os outros nos vêem e do investimento que decidem realizar no nosso território. É isso? Acredita o senhor Presidente que dependemos mais dos outros do que de nós mesmos para sairmos da situação em que nos encontramos?

Ficaríamos positivamente admirados com o Presidente se ele dissesse que, embora a “imagem” do país no exterior seja importante, não deixa de ser secundária em relação às condições de vida reais e ao trabalho que os portugueses poderão desenvolver no seu próprio país. Que a imagem,o prestígio e a reputação, virão depois de obra feita, por acréscimo, e em função da realidade (ou qualidade) criada.

Ficaríamos positivamente admirados com o Presidente se ele dissesse que, embora o investimento directo estrangeiro seja importante para combater o desemprego e desenvolver o País, não deixa de ser secundário em relação ao investimento que os portugueses poderão e deverão realizar no seu próprio país e também no estrangeiro. Que somos nós quem tem de fazer pela vida e que não podemos ficar à espera que venham os estrangeiros safar-nos desta situação.

Ficaríamos positivamente admirados com o Presidente se ele dissesse que o nosso futuro e a nossa liberdade dependem, acima de tudo, de nós, que estão nas nossas mãos e que somos capazes.

Surpreendidos com a surpresa de Gaspar

Dito aqui.
Estamos surpreendidos com a surpresa de Gaspar. Então não sabia ele que o desemprego iria disparar? Ó Gaspar, em que planeta estás tu, que não sabes o que fazes? Então, mas por que carga de água iria o desemprego reduzir-se? Estás a mangar como sempre não é verdade? Afinal a criação de uma reserva de mão-de-obra desocupada só tinha um intuito e tu sabia-lo bem: de acordo com essas regras da economia que segues religiosamente, calculavas que a um aumento da oferta de trabalho, que o seu valor se reduziria mais ainda e que tal iria tornar a nossa economia mais competitiva. Contudo, parece que cometeste um erro de cálculo crasso e, segundo dizes, inesperado: ao aumento da oferta de trabalho não correspondeu um aumento da procura por trabalho. É que a economia e as empresas definham por causa das dívidas, do garrote fiscal, da dificuldade de acesso ao crédito, da redução do consumo interno, da austeridade e por aí fora… Mas não sabias já tu isso? Ou tomas-nos por parvos?

"Bagão Félix diz que o país está melhor, mas os portugueses em pior situação que há um ano"

Dito aqui.

Alguém lembre a este senhor que Portugal são os portugueses e que se todos nos mudássemos daqui de vez, que Portugal iria connosco e que deixaria de existir para todo o sempre, neste pedaço de terra à beira mar plantado.

Acerca do Pingo Doce, Heraclito, uma vez mais...


Os melhores escolhem um só bem em troca de todos os outros, a glória eterna em troca das coisas mortais. A multidão sacia-se como as manadas.”
Heraclito
in Simone Weil, A Fonte Grega, Cotovia. 2006. Pág. 145

Uma vez mais, esta citação de Heraclito, agora a propósito das hordas invasoras de supermercados.

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