sexta-feira, agosto 21, 2015

Os roubados do BES

Ah, país de eufemismos... Lesados do BES, dizem eles, os repórteres, os pivots, os jornalistas. Quais lesados?!

Receiam proferir palavras duras? Porque não dizem “os roubados do BES”? É verdade que alguns, provavelmente poucos desses roubados, se tenham perdido pela cobiça, pois sabiam que estavam a comprar dívida e a arriscar capital na mira de uma remuneração mais elevada. (Esses agora juntam-se à maioria dos roubados e vigarizados, nos coros de indignação, fazendo-se ingénuos). Mas não tenhamos ilusões: a maioria foi roubada.

O roubo aos nossos compatriotas emigrados é um crime de lesa pátria. Algo que nos envergonha a nós, que cá ficámos e nunca tivemos de partir.

Muitos dos que partiram tiveram de o fazer porque neste país lhes foi vedada a ascensão social e um papel a desempenhar condicente com as suas capacidades e méritos. Muitos dos melhores de entre nós estiveram e estão entre os que partiram. Não nos esqueçamos, Portugal é um país que desbarata e desaproveita os seus recursos, principalmente os recursos humanos. Há uma elite terratenente e apaniguados que se conserva, ocupando os lugares de topo, impedindo que os melhores de entre nós possam assumir o papel que lhes caberia por mérito e direito. Escusado será dizer que tais elites se fazem valer dos seus jogos de influências e apadrinhamentos. Muitos dos “subalternos” neste país são mais sábios e mais cultos do que os que mandam. Já é assim há muito tempo. Uma velha tradição. Por isso nos admiramos do trabalho e dos feitos dos nossos conterrâneos nas sociedades estrangeiras que os acolhem. Pois bem, muitos desses que partiram, ainda assim, continuaram a amar Portugal. Enviavam para cá as suas remessas. Colocavam as suas poupanças em bancos portugueses, muitos com sacrifício de uma vida que poderia ter sido um pouco mais confortável, pois pensavam num regresso e no futuro de filhos e netos. Contribuíam dessa forma para o desenvolvimento do nosso país e das regiões, cidades, vilas e aldeias de onde eram originários.

Por isso, o roubo das poupanças dos emigrantes é um crime de lesa pátria e uma vergonha. Vergonha que se adensa mais ainda quando pensamos nos culpados, nos responsáveis e nos facilitadores do embuste, estes últimos os mais altos responsáveis da Nação, pois tentaram sempre lavar as suas mãos como Pilatos, escudando-se nas declarações do Governador do Banco de Portugal e nas declarações uns dos outros. Facilitadores sim, porque confiaram em vez de desconfiar, dada a informação privilegiada de que dispunham, e porque induziram os outros, dessa forma, a confiar também. Enfim são estas as elites que nos guiam. Uns incompetentes!


Epílogo

Neste Verão, temos viajado muito pelo Minho. São muitos os emigrantes portugueses com os quais nos cruzamos. Muitos estão felizes por cá estar – afinal é o seu querido mês de Agosto. Oiço-os alegres com as suas famílias, na rua, nos restaurantes, nas praças e nos arraiais. Mas muitos não estão alegres. São numerosas as casas à venda em Terras de Bouro, por exemplo. Casas de emigrantes. E hoje no Porto, cidade onde escrevemos, percorremos a Avenida dos Aliados e passámos frente ao Novo Banco, mas não muito perto pois não nos era permitido. Fitas de plástico limitando o passeio frente à entrada e a presença de polícias em grande número obrigaram-nos a passar ao largo. Alguns trabalhadores do banco conversavam no exterior enquanto nas paredes ainda pingavam amarelas, as gemas de ovos recentemente lançados pelos roubados do BES.

***

Post scriptum -  Também nós somos roubados do BES, ainda que não tenhamos lá depositado um cêntimo. Como portugueses e como contribuintes. Como contribuintes portugueses. E já estamos a pagar. Estranho país este em que são as vítimas e não os criminosos a espiar pelos crimes.

quarta-feira, agosto 05, 2015

Retrato

Tigre adormecido,
coração do dia.
Rosto semeado
de melancolia.

Noite transparente,
Primavera escura.
Sombra rodeada
de mar e brancura.

Tigre adormecido,
coração do dia.
Puro e violento
incêndio de alegria.

                          Eugénio de Andrade, Até Amanhã, 1956


E este Sal da Língua. Uma homenagem de Raquel Agra. Uma Ode a Eugénio.

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