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sexta-feira, outubro 06, 2023

A calma da paz

 Ora, a calma da paz incita ao esquecimento, ao passo que o ruído e o furor dos conflitos jamais abandonam a memória.

Michel Serres*

(*) Michel Serres, Antes é que era bom! Guerra & Paz, 2018, p. 15 



sábado, abril 29, 2023

Nunca

Ken Follet, Nunca, Editorial Presença, 2021

ᴪ ᴪ ᴪ ᴪ ᴪ


O fim é certo como o destino.

(E nada mais me apraz dizer. Apenas que é uma boa leitura e que entretém)

sábado, fevereiro 25, 2023

Roma

 

Ferdinand Addis, Roma, História da Cidade Eterna, Crítica, 2022.

⭐⭐⭐⭐

Eis-nos lançados nas ruas de uma cidade antiga. Tão antiga que se diz eterna. Ali nos cruzamos com personagens de todas as eras. Assistimos às assembleias entre a plebe, frente ao templo de Júpiter, no topo do monte Capitolino. Vimos passar César na sua biga triunfal e o escravo que, atrás dele, de vez em quando se lhe assoma ao ouvido para lhe murmurar que é apenas um homem, à passagem entre a multidão que o aclama como se fosse um deus.

 

Ali nos cruzámos com Marco Aurélio, Séneca, Ovídio e Nero e muitos mais. Mas não ficámos apenas naquele tempo romano. Acabamos por atravessar os tempos, naquela cidade. Chegámos a combater entre os camaradas de Garibaldi. Também ali deparámos com Mussolini, já no século XX, uma besta sexual com o QI de um sapo. Ele e a sua última amante, executados e dependurados. E Fellini e a sua Dolce Vita.

 

A história de Roma é também a história da civilização Ocidental. Está embrenhada nela. Vindos da recém-descoberta América, os marinheiros de Colombo inauguram a propagação da sífilis pela cidade das prostitutas. Isto para dizer que também as longínquas descobertas ecoaram nas ruas e nas vidas dos cidadãos de Roma.

 

Muito haveria para contar dos ilustres personagens que desfilaram na história da cidade.

 

Ferdinand Addis consegue colocar-nos lá, no espaço e no tempo. Viajamos por Roma desde a sua origem até ao século XX e com os romanos. Somos espectadores, somos participantes.

 

Um livro excelente, repleto de acção e movimento, dinâmico, que se lê como um romance.

 

*****

Uma passagem:

«Enquanto os godos recuavam, as balistas nas muralhas entraram em acção. Estas eram uma espécie de bestas gigantescas: máquinas de arremesso de flechas com dois braços equipados com molas de torsão, capazes de disparar virotes curtos e grossos a distâncias além do que a vista alcançava. Estas máquinas aterrorizavam os godos. Na Porta Salária, por onde a velha estrada do sal saía da cidade, um nobre godo que se afastou demasiado das suas linhas foi atingido por um virote disparado por uma equipa de balista com a pontaria afinada. O virote trespassou-lhe a couraça e pregou-o a uma árvore, deixando-o a baloiçar-se e a contorcer-se, enquanto os godos mais próximos, demasiado assustados para o ajudarem, tropeçaram uns nos outros com a pressa de ficarem fora do alcance.»

 

Ferdinand Addis, Roma, História da Cidade Eterna, Crítica, 2022, pp. 244-245

terça-feira, dezembro 27, 2022

Nietchevo?!

 

Hubert Reeves em Moscovo, 1964:

 

Dia livre em Moscovo. A minha partida para Erevan (pronunciar «Iérévanne») é no dia seguinte. A multidão moscovita fascina-me. Erro muito tempo no meio dessas pessoas todas. A variedade de indumentárias e de rostos lembra-me a imensidão do território da URSS, que vai da Ucrânia ao Kamchatka, do mar de Barents ao Cáspio.

Estamos em Março. Neva com abundância, caem flocos espessos na cidade. Os passeios largos da avenida estão repletos de gente. Sigo a multidão molhada, que progride cada vez mais devagar. Durante longos minutos permanecemos parados. Estou preso num engarrafamento de peões! O que se passa?

Tento imaginar o que bloqueia a este ponto o nosso avanço. Em seguida tudo se explica: vejo subitamente três matronas que varrem vigorosamente a neve suja e molhada do passeio para a sargeta, sem a mínima consideração pelos transeuntes. Tentando não ser salpicados, eles esperam o momento propício para atravessar a correr o sítio perigoso, formando assim um engarrafamento de peões!

O que mais me desorienta é a total ausência de protestos. Em Paris ou Montréal ter-se-ia chegado a um motim. A resignação é muda. Compreendo então o sentido profundo da palavra Nietchevo tantas vezes associada à população russa: «Não faz mal».

Hubert Reeves (1)

 


 
Hubert Reeves, Já Não Terei Tempo – Memórias, Gradiva, 2010

TTTT

O povo russo ainda não realizou o seu 25 de Abril. Tal como o nosso, é um povo resignado. Falta-lhe o ímpeto. Talvez lhe falte, como nos faltava, o impulso militar de alguns capitães e o apoio de alguns generais.

 

O que mais me desorienta é a total ausência de liberdade.

 

Não há outra forma de derrubar o regime totalitário e extorsionário que os priva da paz, em todas as acepções da palavra: apenas a revolução.

_______________________________

(1) Hubert Reeves, Já Não Terei Tempo – Memórias, Gradiva, 2010, pág. 191.

quinta-feira, agosto 25, 2022

Assombro

 

Richard Powers, Assombro, Editorial Presença, 2022


Leitura interrompida e abandonada na página 174.

segunda-feira, agosto 22, 2022

Livros lidos: 2666

 


Roberto Bolaño, 2666, Quetzal, 2009


⭐⭐⭐⭐

Cinco estrelas. 1025 páginas em 20 dias. Não aconselhável a menores de 18 anos nem a pessoas hipersensíveis ou com os nervos em franja. Bolinha vermelha no canto superior direito. Demasiado gráfico e, por vezes, pornográfico, por vezes com uso recorrente do baixo calão. O horror dos desaparecimentos, das moscas e dos cadáveres violados. Onírico, misterioso, diabólico. Prende o leitor. A ler com muita cautela, ou a não ler.

 

Ali se encontram Poe, no suspense em que nos coloca, McCarthy no ambiente hostil do Meridiano de Sangue, Eco e o ambiente misterioso do Nome da Rosa nos diabólicos episódios do Penitente, profanador de igrejas, e David Lynch, que Bolaño refere, e muitos muitos outros que escapam ao nosso alcance, ou não, e que seriam demasiados para aqui enumerar.

***

Três dias depois da profanação da Igreja de Santa Catalina, o Penitente introduziu-se a altas horas da noite na Igreja de Nuestro Señor Jesuscristo, no bairro da Reforma, a igreja mais antiga da cidade, construída em meados do século XVIII, e que durante algum tempo serviu de sede episcopal de Santa Teresa. No edifício adjacente, situado na esquina das ruas Soler e Ortiz Rubio, dormiam três padres e dois jovens seminaristas índios da etnia papago que frequentavam os estudos de Antropologia e História na Universidade de Santa Teresa. (…) De repente, um barulho de vidros partidos acordou-o. Primeiro pensou, coisa estranha, que estava a chover, mas logo se apercebeu de que o barulho provinha da igreja e não de fora, levantou-se e foi investigar. Quando chegou à reitoria ouviu gemidos e pensou que alguém tinha ficado fechado num dos confessionários, coisa totalmente improvável pois as portas destes não fechavam. O estudante papago, contrariamente ao que se dizia das pessoas da sua etnia, era medroso e não se atreveu a entrar sozinho na igreja.

 

Roberto Bolaño, op. cit., p. 426.

sexta-feira, julho 29, 2022

O futuro da civilização não parece muito risonho

Kenneth Clark [1969], Civilização, O Contributo da Europa para a Civilização Universal, Gradiva, 2ª ed., 2022

⭐⭐⭐⭐


«A incompreensibilidade do nosso novo cosmo parece-me, em última análise, a razão para o caos da arte moderna. Sei pouco mais do que nada sobre ciência, mas passei a minha vida a estudar a arte, e estou completamente perplexo com o que se passa hoje. Às vezes gosto do que vejo, mas quando leio os críticos modernos percebo que as minhas preferências são puramente acidentais.

Contudo, no mundo da acção algumas coisas são óbvias - tão óbvias que hesito em repeti-las. Uma delas é a nossa dependência cada vez maior das máquinas. Deixaram de ser ferramentas e passaram a dar-nos instruções. Da metralhadora Maxim ao computador, são, na sua maior parte, meios através dos quais uma minoria consegue subjugar os homens livres.

Outra das nossas especialidades é a nossa ânsia de destruição. Com a ajuda das máquinas, demos o nosso melhor para nos destruirmos em duas guerras, e ao fazê-lo libertámos uma enxurrada de maldade, que as pessoas inteligentes tentaram justificar com o elogio da violência, «teatros de crueldade» e por aí adiante. Juntemos a isto a memória dessa companheira sombria que está sempre connosco, como o reverso do anjo da guarda, silencioso, invisível, quase irreal – e, no entanto, inquestionavelmente presente e pronta a afirmar-se ao toque de um botão, e teremos de reconhecer que o futuro da civilização não parece muito risonho.»

Kenneth Clark, op. cit., pp. 409-411.

*****

Se procura o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo, enfim, a arte moderna e pós-moderna, não os encontrará por aqui. Esses movimentos artísticos não se contam entre as grandes contribuições da Europa para a Civilização. A arte moderna está num caos. As palavras de Kenneth Clark sobre a actual situação da arte ressoam a decadência de uma civilização e até da Civilização. Estaremos já a viver uma Era crepuscular? Muitas são as vozes a anunciá-lo. A de Kenneth Clark é uma delas. São demasiadas vozes para que fiquemos impávidos e serenos, sem partir para a acção. 

Mas talvez já seja tarde. Os novos bárbaros já estão na cidade. E não, não são os imigrantes, nem os refugiados.


Joseph-Noël Sylvestre, O Saque de Roma pelos Bárbaros, em 410 d.C., 1890

domingo, julho 24, 2022

Sempre o problema que temos connosco mesmos


Como quase todos os Portugueses, eu quase me orgulho de ser português e quase amo Portugal. No «quase» vai a distância bastante para não enlouquecer, entre o que se quer e o que se vê.

Miguel Esteves Cardoso


 “A Causa das Coisas” in A Causa das Coisas, Círculo de Leitores, 1987, p. 412


quinta-feira, julho 21, 2022

Livros lidos: O Atraso Português, Modo de Ser ou Modo de Estar

 

João Maurício Brás, O Atraso Português, Modo de Ser ou Modo de Estar, Guerra & Paz, 2022


µµµµµ


Um livro que todos os adultos portugueses, sejam jovens, maduros ou velhos (sim, há jovens que são adultos e adultos que são jovens, embora a infantilização dos adultos prolifere nos nossos tempos, na civilização ocidental: adultos infantilizados, para não dizer imbecilizados, é, aliás, coisa que não falta) deviam ler para saberem em que país estão metidos, em que povo estão metidos e por que pensam como pensam. E por isso mesmo, um livro que os responsáveis (e irresponsáveis) políticos deviam ler, os que nos governam e os que nos desgovernam.

Desde a Causa das Coisas (um o melhor livro de Miguel Esteves Cardoso) que não liamos com tanto gosto um livro sobre o nosso país e sobre nós, os portugueses, embora Miguel Esteves Cardoso tenha optado pelo humor para nos retratar. João Maurício Brás segue outros caminhos, da Filosofia à História, passando pela Política, Economia, Sociologia, Literatura, e por aí fora, apoiando-se em autores gigantes (entre os quais, os nossos gigantes), com destaque para Antero de Quental. E a sua escrita é clara e acessível ao comum dos mortais.

Um livro que responde à questão: por que temos a mentalidade que temos? Porque é uma questão mental, aquela que temos connosco mesmos. João Maurício Brás, descansa-nos logo à partida: o atraso português não é ôntico, é estrutural, é mental (mentalidade herdada de séculos e ainda por nós alimentada, sem quase nos apercebermos). Estamos efectivamente presos a uma teia mental da qual é muito difícil libertar-nos, principalmente se não o reconhecermos. Difícil, mas não impossível. As mentalidades também mudam, mas demoram tempo a mudar.

Voltaremos a este livro.

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Do livro:

 

Não há um modo de ser português, identificado num antes, num agora e para sempre.

Brás, op. cit., pág. 80

 

O atraso como resultado de características ônticas que explicariam a identidade de alguns povos teve o seu tempo áureo.

Brás, op. cit., pág. 81

 

O destino de cada povo é, em muito, o que ele quer e consente que seja, a identidade de um país também é a ideia de futuro que dele se tem e o que cada um está disposto a fazer.

Brás, op. cit., pág. 16

A intransigência para com os políticos e os média, mas também para connosco, é outro passo incontornável para invertermos essa tendência de persistirmos em aprofundar a nossa miséria.

Brás, op. cit., pág. 16

quarta-feira, abril 27, 2022

Escaladas

 

Eliot Ackerman, James Stavridis, 2034, 2ª ed., Penguin Random House, 2022.

µµµµ

Boa leitura, para quem gosta de escaladas. Nucleares é claro. Para lá já estamos a caminhar, não é verdade?! 

Impensável, diz Guterres. Pensável, dizem Ackerman e Stavridis. Pensaram e escreveram.

Esperemos que não passe da ficção científica.

Um bom livro, escrito por quem sabe do ofício militar.

sexta-feira, abril 15, 2022

Huntington tinha razão

 

Samuel Huntington, O Choque de Civilizações, 1ª ed., Gradiva, 1999

Afinal foi Huntington quem tinha razão e não Fukuyama.

Do seu livro de 1996:

No entanto, aquela eleição [a presidencial de 1994] levantou a questão de a parte ocidental do país se separar da Ucrânia que estava mais perto da Rússia. Alguns russos concordariam. Como disse um general russo, «em cinco, dez ou quinze anos, a Ucrânia, ou melhor, a Ucrânia Oriental, voltará para nós. A Ucrânia Ocidental que vá para o inferno!» Contudo, essa Ucrânia, uniata e ocidentalista, só seria viável com uma forte e eficaz ajuda ocidental. Porém, tal ajuda só será provável se as relações entre o Ocidente e a Rússia se deteriorarem gravemente para se assemelharem às que existiam no período da guerra fria.

Samuel Huntington, op. cit, pág. 196.


domingo, dezembro 26, 2021

Richard Rogers

Richard Rogers (1933-2021)

Um destes dias morreu o famoso arquitecto Richard Rogers e, lamentavelmente, não tive tempo de postar uma homenagem, na hora, a esse grande homem do qual conhecia tão pouco: o Domo do Milénio, em Londres e, mais antigo, o Centro Georges Pompidou, em Paris, eram obras suas. Fiquei a saber há pouco. Mas era outra a sua obra que me era familiar: o livro Cidades para um Pequeno Planeta, da editora Gustavo Gili (GG), de 2001.

 

A criação da moderna cidade compacta exige a rejeição do modelo de desenvolvimento monofuncional e a predominância do automóvel. A questão é como pensar e planear cidades, onde as comunidades prosperem e a mobilidade aumente, como buscar a mobilidade do cidadão, sem permitir a destruição da vida comunitária pelo automóvel, além de como intensificar o uso de sistemas eficientes de transporte e reequilibrar o uso das nossas ruas em favor do pedestre e da comunidade.  

 

Richard Rogers, op. cit., pág. 38

 

Nitidamente, as preocupações de Richard Rogers eram a prosperidade da comunidade, a mobilidade do cidadão, a vida comunitária, o uso da rua em favor do pedestre e da comunidade. A comunidade, agora refugiada de si mesma no automóvel, nos edifícios de escritórios, nos centros comerciais e nos condomínios fechados. A comunidade fragmentada empobreceu a vida na cidade com largos segmentos que a compõem a abandonarem a vida de rua, a vida na rua. A vida saiu da rua. Passam por ali automóveis e, ocasionalmente, um pedestre.

 

Mas havia outras preocupações:

 

Acredito piamente na importância da cidadania e na vitalidade e humanidade que ela estimula. A cidadania manifesta-se em gestos cívicos planeados e de grande escala, mas também em gestos espontâneos e de pequena escala. Juntos, eles criam a rica diversidade da vida urbana.

 

Richard Rogers, op. cit., pág. 15

 

A necessidade de promover a cidadania que se sente escapar das nossas cidades com a perda de solidariedade e o avanço da indiferença. Vivemos em sociedades de indiferença (já o disse o Papa) e os indiferentes somos nós para com os quais os outros, os nossos concidadãos, se isso se lhes pode chamar, também se manifestam indiferentes. E parecemos todos indiferentes à nossa indiferença. Nem nos damos conta. Não somos apenas diferentes, somos indiferentes, e nisso somos iguais. A indiferença é inimiga da diversidade. E não há como escapar a isto. Como não poderíamos ser indiferentes aos que chegam a clamar por refúgio e abrigo, e que procurarão chegar cada vez mais, se somos indiferentes connosco?

Bem-vindos à cidade da indiferença, o que equivale dizer, à sociedade da indiferença. Era, portanto, necessário, para Richard Rogers, reanimar a cidadania nas ruas, nas cidades e nas sociedades, a cidadania em cuja importância Richard Rogers acreditava piamente.

 

O padrão-anti social do crescimento segmentado, causado por um desenvolvimento orientado apenas para o lucro, mostrou-se inadequado às necessidades da cidade.


Richard Rogers, op. cit., pág. 116.

 

Parece que não aprendemos nada.

 

Até sempre Richard Rogers.

sexta-feira, abril 16, 2021

Pior do que o Apocalipse de São João

 


«««

«Mas nem será necessário o pior cenário do aquecimento global para provocar devastações suficientemente graves que sacudam a sensação habitual de que, à medida que o tempo avança a vida melhora de uma forma inelutável. Essas devastações, muito provavelmente, vão chegar depressa: novas linhas costeiras recuadas, com cidades afundadas à sua frente; sociedades desestabilizadas a atirarem com milhões de refugiados para sociedades vizinhas que já sentem o estrangulamento dos recursos a esgotarem-se; as últimas várias centenas de anos, que muitos no Ocidente viram como uma linha simples de progresso e prosperidade crescente, transformadas no prelúdio de um sofrimento climático massivo.»

 David Wallace-Wells, A Terra Inabitável, Lua de Papel, 2019. p. 255


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O que nos aguarda é pior do que o Apocalipse de São João e já aí está. Mas está só no começo.

Êxodos bíblicos - Honduras ruma ao norte

Veneza sob a água

Califórnia em fogo

A peste



Entretanto, aguardamos o Verão escondidos atrás de uma máscara sempre que saímos à rua.

Mais uma máscara.

sexta-feira, abril 09, 2021

Voltar a estar no mundo


««««

«Perfila-se uma nova sabedoria, uma nova aprendizagem da liberdade. A fractura digital ainda existe claro. No entanto, a desigualdade que emerge é completamente diferente: tratar-se-á de ter acesso, já não à conexão, mas à desconexão. Acesso, não à música, mas ao silêncio; não ao diálogo, mas à meditação; não à informação imediata, mas à reflexão aturada. Os seminários de desintoxicação tecnológica multiplicam-se. Os retiros espirituais nos mosteiros já não têm a mesma natureza: antes era preciso fugir do mundo para encontrar Deus; agora, é preciso fugir dos estímulos eletrónicos para, finalmente, voltar a estar no mundo.» 

Bruno Patino, A Civilização do Peixe-Vermelho, Gradiva, 2019, pág. 112.

terça-feira, setembro 15, 2020

The West is the Best


Basta ver como até na academia, particularmente nas ciências sociais e humanas, o conhecimento é ativismo e ignorância. Os estudos culturais, de género, pós-colonialismos, literaturas disto e daquilo, estudos críticos e mesmo algumas derivas mais loucas e disparatadas que tanto podem ser estudos homossexuais, guionismo pós-pornografias, seminários de masturbação feminina como promoção da diversidade, os mais de cem géneros, as monomanias libertistas, a afro-matemática, as denúncias sobre geografia machista, seriam apenas hilariantes, se não fossem levadas a sério.
(…)
A visão do mundo ocidental e as suas políticas dominantes apresentam-se como forma hipermoderna de tirania. Afinal esta é a melhor civilização de sempre, tão boa que não tem alternativa, o seu absolutismo sinuoso é incontestado.

João Maurício Brás, 
Os Democratas que Destruíram a Democracia, 2019, Opera Omnia, pág. 12.


***

Estamos cada vez mais tomados por uma visão dualista, entre opressores e oprimidos, como se a realidade não fosse ela mais complexa. Como se os que agora se vitimizam, ou os que dizem ser os oprimidos da história, também eles (muitos deles, nem todos) não tivessem feito parte do jogo. E como se o jogo não fosse ele mais complexo, muito para além de uma análise dual entre dominadores e dominados.

A civilização ocidental é a melhor de todas. Ainda é, e provavelmente será. Legou-nos o melhor da filosofia, da ciência, da matemática, da música, do teatro, do cinema, da pintura, do desporto olímpico, etc., etc., etc. Mas há quem ande por aí, entre nós, na Academia, a tentar desvalorizá-la, ainda que seja emulada por todas as outras civilizações.

quinta-feira, setembro 03, 2020

Contra o relativismo cultural e o construtivismo

 “O civilizado descobriu que a cultura ocidental afinal era obsoleta e má, racista, machista, sexista, homofóbica, patriarcal, heteronormativa e egofalocêntrica. (…) Descobrimos o fim da história, o fim do homem, o fim da metafísica, que a ciência é ideologia, que não há verdade, nem objetividade, nem realidade, que tudo é cultural, político e construção social” (pág. 10).
João Maurício Brás
Os Democratas que Destruíram a Democracia (Opera Omnia, 2019), p.10
citado por Carlos Fiolhais, aqui e aqui.

"Quando se descobriu que o faraó Ramsés II tinha morrido de tuberculose, [Bruno] Latour discordou, uma vez que o bacilo da tuberculose só foi descoberto por Koch em 1882. Antes dessa descoberta, não poderia existir a bactéria… Chama-se a isto “construtivismo”: as coisas não existem, têm de ser inventadas. Não há uma realidade, mas sim, e tão-só, construções mentais."
Carlhos Fiolhais
no Jornal i, aqui, referindo-se ao texto de João Maurício Brás, em que critica Latour.

Comentário de Carlos Ricardo Soares, um leitor do blogue De Rerum Natura:

"Há mil anos quem tinha um olho era rei.
Hoje, quem tem dois olhos nem sabe o que é um rei e um rei não sabe o que é um olho, embora tenha dois."
***
Assim é. Infelizmente as Ciências Sociais, na Academia, estão a enveredar pelo caminho do relativismo cultural e do construtivismo. Allan Bloom escreveu 1987 um longo ensaio sobre o declínio da cultura geral e de como a educação superior – as Humanidades e as Ciências Sociais – estava a defraudar a democracia e a empobrecer os espíritos. Denunciava então o relativismo cultural. Tinha razão. No seu livro mais recente, João Maurício Brás acusa os democratas de terem destruído a democracia. Não é por acaso. Os eleitores de grandes democracias como a brasileira e a norte americana elegeram ignorantes para os guiarem. Há algo de muito errado aqui.

sábado, agosto 22, 2020

As recordações mais profundas não têm epitáfios


Quando nessa glacial noite de Inverno o Pequod enterrou as amuras vingativas nas frias e maliciosas vagas, fui descobrir Bulkington ao leme. Considerei com simpatia, admiração e temor o homem, que em pleno Inverno e apenas desembarcado de uma perigosa viagem de quatro anos, se alistava incansavelmente para outra tempestuosa aventura, como se a terra lhe queimasse os pés. As coisas mais maravilhosas são quase sempre aquelas de que não se faz menção: as recordações mais profundas não têm epitáfios.

Herman Melville, Moby Dick


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Referência

Herman Melville, Moby Dick (1º vol.), Relógio D’Água, p.139.

domingo, abril 12, 2020

Lista de Livros da Quarentena


O Amor nos Tempos de Cólera, Gabriel García Márquez
A Peste, Albert Camus
Decameron, Giovanni Boccaccio
A Guerra dos Mundos, H. G. Wells
1984, George Orwell
A Estrada, Cormac McCarthy
Diário do Ano da Peste, Daniel Defoe [por sugestão de Orhan Pamuk]
Os Noivos, Alessandro Manzoni [por sugestão de Orhan Pamuk]
Diário da Peste, Daniel Defoe [por sugestão de Orhan Pamuk]

[Outros livros poderão vir a ser acrescentados à lista]

***

Avisos à navegação:

A Estrada, de Cormac McCarthy, é apocalíptico e deprimente. Ali o homem é lobo do homem. Um livro a evitar nos tempos que correm por gente com propensão para a depressão.

A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, pode ser lido como uma parábola em que os alienígenas somos nós.

1984, de George Orwell, mostra-nos o totalitarismo em que podemos cair ou para onde já alegremente nos encaminhamos. O Grande Irmão, mais conhecido por Big Brother, zelará por nós.

No nosso caso será o Grande Algoritmo.

quinta-feira, outubro 24, 2019

O apelo da tribo neoliberal

Mario Vargas Llosa, O Apelo da Tribo, Quetzal, 2019

Apreciação:  óóóó

Mário Vargas Llosa não resistiu ao apelo da tribo neoliberal, ou seja, ao apelo da tribo dos que idolatram o mercado desregulado, o mais desregulado possível, embora diga defender o mercado regulado. Se há algo de errado no liberalismo é esse fundamentalismo de mercado que pretende alargar a lógica do seu funcionamento a todas as esferas da vida e mercantilizar tudo, da saúde à educação, da segurança à arte e quase tudo o resto. Para a tribo dos fundamentalistas do mercado, por exemplo, um casamento não é um casamento, é um contrato; a educação de um filho, não é simplesmente educação, é um investimento; o desemprego não é um infortúnio, é uma oportunidade para se ser empreendedor, uma situação de transição entre dois empregos, e assim sucessivamente. Se o mercado foi uma descoberta associada ao desenvolvimento das trocas comerciais, a tentativa de alargamento desse mecanismo a todas as esferas da vida é, no mínimo, um erro.

Mário Vargas Llosa até reconhece o “excessivo economicismo em que se confinou um certo liberalismo”(p. 65), mas depois lamenta que Ortega y Gasset, que foi um liberal na cultura e na filosofia e “tão curioso e aberto a todas as disciplinas” (p. 77) tenha sentido “uma desconfiança parecida com o desdém” em relação ao “mercado livre” e à “liberdade económica”. Chega por isso a acusar Ortega Y Gasset de ser um “liberal parcial” que padece de uma “limitação geracional” (p.77). Mais adiante chega a criticar Ortega y Gasset, considerando-o “um liberal limitado pelo seu desconhecimento da economia”, facto que “o levou por vezes, quando propunha soluções para problemas como o centralismo, o caciquismo ou a pobreza, a postular o intervencionismo estatal e um dirigismo voluntarista” (p.87) e que “os erros de Ortega” eram os erros de um “ingénuo” (p.91), pasme-se. Sente-se que Vargas Llosa queria que Ortega y Gasset fosse da sua tribo, e seria, apenas com o problema de não ser um neoliberal, ou seja, de não estender o seu liberalismo também à esfera económica.

Ora Ortega y Gasset era um filósofo que estava muito à frente do seu tempo, e que está ainda muito à frente de Mário Vargas Llosa, não cometendo o mesmo erro que este comete ao abraçar o desumano mecanismo de mercado, esse “frio” e “implacável” mercado que, nas próprias palavras de Vargas Llosa, “premeia o êxito e castiga o fracasso de maneira implacável” (p. 48), como se assim fosse ou fosse sempre assim – este é um mandamento dos fundamentalistas do mercado – e como se Llosa não soubesse o que essa palavra, “implacável”, esconde.

O livro está a ser, contudo, muito interessante. A leitura prossegue a bom ritmo. Na tribo de Vargas Llosa, cabem liberais respeitáveis e admiráveis, como Adam Smith, Ortega y Gasset entre outros, mas lá está também Friedrich von Hayek, um bispo do fundamentalismo de mercado (1).

(1)    Segundo Llosa, “Hayek refere-se aos países subdesenvolvidos e diz que, felizmente para eles, os países ocidentais puderam prosperar e avançar graças ao seu sistema, de modo a terem agora um modelo a seguir e também poderem receber uma ajuda dos países do Primeiro Mundo na sua luta pelo progresso.” (pág.129) Ora, ou Hayek é ingénuo, ou isto é de um cinismo atroz.

Embora no livro não existam capítulos biográficos de Margaret Tatcher, Ronald Reagan, Von Mises ou Milton Friedman, estes cultores e defensores do neoliberalismo não deixam de ser alvo de admiração e referência por Vargas Llosa que coloca todos no mesmo saco, homens de cultura liberal e neoliberais económicos e políticos.

***
Uma nota final

Aqui prefere-se o liberal Keynes ao neoliberal Hayek.

Aqui admiramos a cultura liberal e os seus defensores, intelectuais como Jacques Barzum, Allan Bloom, Harold Bloom, Ortega e Gasset, George Steiner, Roger Scruton, entre muitos outros intelectuais que podem ser considerados da ala Direita.

Mas não deixamos de escutar os intelectuais da ala Esquerda, marxistas inclusive, como David Harvey, Immanuel Wallerstein, Manuell Castels e outros, como Zygmunt Bauman ou Tony Judt, por exemplo, já falecidos.

Como dizia Ortega e Gasset “Ser de esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser imbecil; ambas, com efeito, são formas de hemiplegia moral.”

Em todas as alas há argumentos, vozes e pensamentos que devem ser ouvidos e pesados, ou seja, dignos de consideração.

segunda-feira, outubro 14, 2019

Livro lido: A Origem de (Quase) Tudo


Apreciação: ****

O Universo está cheio de mistérios para os quais a Ciência ainda não tem uma explicação satisfatória. Da matéria escura à energia escura, do aparecimento do Universo ao surgimento da Vida, da vinda do Homo sapiens às primeiras cidades, os mistérios e maravilhas aqui abordados são muitos. 

Leitura fácil e aprazível. Divulgação científica da boa.

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