segunda-feira, dezembro 31, 2018

Livros do Ano, lidos no ano



















Us vs. Them: The Failure of Globalism
Ian Bremmer
Portfolio/Penguin
2018


















The Way We Live Now
from The Age of American Unreason in a Culture of Lies
Susan Jacoby
Vintage Books
2018

*** 

Ainda em leitura:

Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress
Steve Pinker
Viking
2018

Nunca será o meu livro do ano, por muitas e múltiplas razões. Por exemplo, o autor contorna habilmente a sexta extinção de espécies que está a ocorrer e dá voz aos que questionam a injustiça das desigualdades sociais, chegando a considerar a desigualdade virtuosa. Está errado. 

Ainda que se concorde com a defesa da Ciência, e do Iluminismo e até do Progresso e do Humanismo, não se pode concordar com as cedências que faz ao neoliberalismo.

Palavras do ano

Não constam nos dicionários.

“Uberização” e “bugar”.

A primeira é um processo que se está a impor e a alterar o funcionamento das sociedades e suas instituições. As redes sociais, as aplicações informáticas e as plataformas digitais têm conduzido à uberização de tudo. Não são só os táxis, é também, por exemplo, a forma de dar notícias ou as novas formas de organizar e apoiar as greves, que agora podem ser patrocinadas anonimamente nas redes sociais, quer por amigos da causa, quer por amigos doutras causas. Dúvidas? Perguntem aos enfermeiros. Até a política está a ser uberizada, que o diga Bolsonaro.

“Bugar” é um verbo que quase todo o jovem conhece. Antes tinham brancas, bloqueavam nos exames. Agora, bugam. “Então menina, porque demora tanto tempo a responder?” “Oh professor, desculpe. Buguei!”. LOL

Bom Ano!

terça-feira, outubro 16, 2018

Leslie à passagem



© AMCD    


                                                                                                                         © AMCD     

terça-feira, outubro 02, 2018

Outono


   Luigi Garzi, Alegoria de Outono, c.1680

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«Já, o outono! – Mas porque desejar um sol eterno, se partimos à descoberta da claridade divina – longe daqueles que florescem e morrem com as estações.
O outono. A barca ascendida à imobilidade das brumas regressa agora ao porto da miséria, cidade imensa, imenso céu traçado de fogo e de lama. Ah! os farrapos podres, o pão encharcado de chuva, a bebedeira, os mil amores que me crucificaram! Então não findará jamais este vampiro, este tirano de milhões de almas e de corpos mortos que serão julgados! Revejo-me: a pele roída pela peste e pela lama, a cabeça e os sovacos repletos de piolhos, não tão gordos, não tantos como os que me roíam o coração, deitado entre desconhecidos de idade incerta, de sentimentos incertos…Podia ter ficado ali…Pavorosa evocação! Detesto a miséria.
E temo o inverno por ser a estação do conforto!»

Rimbaud (1873), Une Saison en Enfer
(tradução Mário Cesariny de Vasconcelos)


in Jean Arthur Rimbaud, Uma Época no Inferno, Portugália Editora, 1960.


segunda-feira, outubro 01, 2018

Vertigens


«Ao princípio, era apenas um exercício. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Captava vertigens.

Alugando pássaros, pedaços de pele, povoados,
Que busco eu, alheio ao sossego e à esteira?
Em ondas de ternura bebo afogados
Séculos de murmúrio, ajoelhado na areia.

Que piolho eu beberia noutro rio marata?
-  Copo de oiro sem voz, flores de gás, céu alvar! –
Beber por calabaças, fora da minha cubata?
Só se for o licor que a terra faz ao mar.

Ergui minha choupana em foz daninha.
- Rosa de areia! Sangue! Jubileus! –
A água do rio levou-me oiro e vinha,
(Nos lameiros, passava a mão de Deus)

E eu chorava, eu via – oiros! – nunca sereis meus!»

*
Às quatro horas o mastro de neve
Descansa do amor entre brandas avenas.
Na nudez de Bocácio Eva escreve
Uma noite de veias serenas.

Lasso, baço, num vasto coral
De rugas e olhos e sóis improfícuos
Sobe o rio o clamor matinal
            Dos carros Oblíquos.

Para o festim de chocolate, ébrios de claridade,
Eles vestem antecipadamente lambris pré-celestes
                                Cidade
De pão, bandeiras, declives, homens.

Para estes operários, veículo de tantos
Rios interiores a um rei da Babilónia,
Ó Vénus, deixa por momentos as almas
Estagnadas como pântanos no coração do Ródano.

Ó Guia dos pastores
Dá aos trabalhadores a ode viva.
Que a sua força seja como seda pacífica

- Um acto no caminho do amargo banho ao meio-dia.»

Rimbaud (1873), Une Saison en Enfer
(tradução Mário Cesariny de Vasconcelos)


in Jean Arthur Rimbaud, Uma Época no Inferno, Portugália Editora, 1960.

sábado, setembro 29, 2018

Hegel

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770–1831)

Pintura de Jakob Schlesinger, 1831

Nationalgalerie, Staatliche Museen zu Berlin

domingo, setembro 23, 2018

Steven Pinker: só o Iluminismo pode salvar-nos


Quando as predições sobre a apocalíptica escassez de recursos fracassam reiteradamente, temos de concluir que a humanidade escapou milagrosamente sucessivas vezes de uma morte certa, como um herói de um filme de acção de Hollywood, ou que há alguma falha no pensamento que predisse a apocalíptica escassez de recursos. A falha foi apontada em múltiplas ocasiões. A humanidade não sorve os recursos do planeta como uma palhinha num batido até que um borbulhar lhe diga que o recipiente está vazio. Em vez disso, quando as reservas de um recurso que se extrai facilmente começam a escassear, o seu preço sobe, levando mais gente a querer conservá-lo, a chegar a depósitos menos acessíveis ou a encontrar substitutos mais baratos e mais abundantes.

De facto, para começar, é uma falácia pensar que as pessoas «necessitam de recursos». Do que necessitam são formas de produzir alimentos, deslocar-se, iluminar as suas casas, exibir informações e outras fontes de bem -estar. Satisfazem estas necessidades com ideias: com receitas, fórmulas, técnicas, projectos e algoritmos para manipular o mundo físico a fim de que este lhes ofereça o que desejam. A mente humana, com a sua capacidade combinatória recursiva, pode explorar um espaço infinito de ideias e não se encontra limitada por nenhuma classe de material terrestre. Quando uma ideia deixa de funcionar, outra pode ocupar o seu lugar. Isto não desafia as leis da probabilidade, apenas lhe obedece.

É certo que esta maneira de pensar não encaixa bem com a ética da “sustentabilidade”. (…) A doutrina da sustentabilidade assume que o ritmo actual de utilização de um recurso pode ser extrapolado para o futuro até se atingir um tecto. A consequência que implica a dita assunção é que temos de trocar para um recurso renovável capaz de repor-se indefinidamente à medida que o vamos usando. Na realidade, as sociedades sempre abandonaram um recurso por outro melhor, muito antes que o velho se esgotasse. Com frequência se disse que a Idade da Pedra não terminou porque o mundo ficou sem pedras, e outro tanto cabe dizer da energia.

Steven Pinker (2018), Enlightenment, now!
[Tradução nossa]

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Pinker é um optimista. Tem fé na Razão, no Progresso, na Ciência e na Tecnologia. Tem fé nos valores do Iluminismo. Tem fé no Homem. Ao contrário de Heidegger, que diz que só um deus nos pode salvar, Pinker defende que o Homem pode salvar-se a si mesmo, caso se guie pelos valores do Iluminismo. A Razão, o Progresso, a Ciência e a Tecnologia poderão salvar-nos de qualquer apocalipse previamente anunciado, assim o Homem se empenhe e disso sinta necessidade, pois a necessidade aguça o engenho. O problema é que a Razão, o Progresso, a Ciência e a Tecnologia são facas de dois gumes, em que um cortará mais do que outro se forem perseguidos sem Ética. O Progresso pode ser a bomba atómica e à sua sombra, em tempos, defendeu-se o eugenismo, só para dar dois exemplos. Mas também é verdade que o Progresso evitou uma catástrofe malthusiana, salvando milhões da fome, permitiu à Humanidade conciliar procedimentos para evitar a depleção da camada de ozono, contribuiu para aumentar a esperança média de vida no mundo, para baixar a mortalidade infantil e para tratar e curar doenças no passado incuráveis. O Progresso contribuiu para diminuir o sofrimento humano. Pinker acredita em tudo isto, defendendo que hoje se sobrevaloriza o que é negativo, desde as alterações climáticas ao esgotamento dos recursos naturais e aos anúncios de extinção de espécies ou de uma sexta extinção em massa…e que se está a subvalorizar a capacidade humana de superação de problemas e obstáculos, mediante a Ciência e a Tecnologia, pelo Progresso.

sábado, setembro 15, 2018

Montanhas

Monte Pilatos, Agosto, 2018                                                                   © AMCD

sexta-feira, setembro 14, 2018

Censura: a política contra a reflexão


A história da censura resume-se nesta fórmula. É a história da política contra a reflexão. No momento em que alguns seres humanos amadurecem o suficiente para conhecerem a verdade sobre si próprios e sobre a sua condição social, os detentores de poder desde sempre tentaram partir os espelhos que revelavam aos seres humanos quem eram e o que lhes acontecia.
Peter Sloterdijk (1983)


Peter Sloterdijk , Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, p. 116.

***

Quem detém informação detém poder. Esse poder é tanto mais efectivo quanto maior for o monopólio da informação. Neste sentido partilhar informação significa partilhar poder. Para manter a sua posição iluminada uma minoria acaba por sujeitar a maioria à escuridão. 

quarta-feira, setembro 05, 2018

Luminárias e alimárias

A propósito disto.


Entre luminárias e alimárias há certos deputados da República que encaixam que nem uma luva na segunda categoria. Parece ser o caso.

Quando vejo e oiço políticos deste jaez lembro-me sempre da advertência de John Tyler a Thomas Jefferson, em 1782, quando este queria renunciar ao cargo para o qual tinha sido eleito pelo povo do condado de Albemarle, de delegado na Câmara, por estar cansado de cargos públicos. Tyler advertiu Jefferson de que «homens bons e capazes fazem melhor em governar do que em deixar-se governar, uma vez que é possível, e na verdade altamente provável, que as pessoas capazes e boas que se retirem da sociedade sejam substituídas por outras venais e ignorantes». (Boorstin, 1997: 112)

Ora não tenho a mínima dúvida de que em Portugal muita gente boa e capaz se furta a cargos públicos, que não encara decerto como um dever cívico e não quer sujeitar-se àquilo. Só assim se explica a abundância de gente venal sentada nas cadeiras da Assembleia.

Dito isto, diga-se no entanto que na Venezuela se assiste a uma tragédia – a governação de Maduro e seus apaniguados. A boa gente daquele país já vota com os pés e parte em demanda de outras paragens. Fazem bem, pois se pegassem em armas seria um banho de sangue. Os ditadores, tudo fazem para se manter no poder, nem que seja à custa da vida dos seus concidadãos. Veja-se o que fez Assad na Síria. Na Venezuela só um golpe militar à 25 de Abril poderia resolver a situação trágica em que aquele Estado se encontra pois é muito improvável que Maduro se afaste, abrindo as portas à democracia.
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Referência

Daniel Boorstin, Os Americanos: A Experiência Colonial,  Gradiva, 1997.

terça-feira, setembro 04, 2018

Deus é um triângulo


"Se os triângulos tivessem um deus, dar-lhe-iam três lados."

                                                                         Montesquieu


citado por Steven Pinker, Enlightenment Now! The Case for Reason Science Humanism and Progress, Penguin, 2018.

segunda-feira, setembro 03, 2018

A erosão da democracia na América


A democracia na América está a erodir-se a si mesma. Donald Trump foi eleito presidente com 26,3% dos eleitores. Hillary Clinton ganhou com 26,5%, mas perdeu o colégio eleitoral. Contudo há aqui um número mais relevante: aproximadamente 45% dos eleitores americanos não votou. Alguns não apareceram para votar por sentirem que o seu voto representaria uma gota no oceano, e alguns residiam nos estados onde o resultado não estaria em dúvida. Outros sentiram que nenhum dos candidatos poderia ou deveria fazer as coisas melhor. Mas muitos destes mais de 100 milhões de americanos eleitores não acreditavam que o resultado interessasse. Apenas 36,4% destes eleitores votaram nas eleições intermédias para o Congresso, em 2014.”

Ian Bremmer, Us vs. Them: The Failure of Globalism, Portfolio/Penguin, 2018, pp. 162-163.
(tradução nossa)

Aproximam-se novamente as eleições intermédias para o Congresso. Será este ano, em Novembro. Veremos então se se confirma esta tese da erosão da democracia na América.

Mas Bremmer prossegue no seu diagnóstico negro em relação à evolução da democracia na América:

Está a tornar-se pior. De acordo com um estudo publicado no The Journal of Democracy, a proporção de jovens americanos que considera ser importante viver num país democrático caiu dos 91% nos anos 30 para 57% hoje. Menos de um em três jovens americanos refere que é importante viver em democracia. Em 1995, apenas um em dezasseis americanos concordavam que seria “bom” ou “muito bom” ter um regime militar nos Estados Unidos. Em 2016, eram um em seis.”

Ian Bremmer, Us vs. Them: The Failure of Globalism, Portfolio/Penguin, 2018, p. 163.
(tradução nossa)

Sócrates, o filósofo, dizia que a tirania surge da democracia*, quando esta se afoga nos excessos da liberdade. Será que estamos a assistir a um processo desses nos E.U.A.?
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(*) “Acaso não é mais ou menos do mesmo modo que a democracia se forma a partir da oligarquia, que a tirania surge da democracia?” in Platão, A República, 9ª ed., FCG. 2001. Pág.  392.

Uma não notícia

"Notícia": Cão morde homem.
Noticiado hoje na TVI, à hora do jantar, em tom grave: "O Estado Islâmico poderá estar a preparar atentados na Europa".

Pasmo. Qual é a novidade?

Quando o Estado Islâmico deixar de preparar atentados na Europa, isso sim será notícia.

Nada de novo portanto.

quinta-feira, agosto 30, 2018

Irresistível II

Diria que é mais isto.

Inspirado nas Brumas da Memória

Walter Mittelholzer (1894-1937)

Walter Mittelholzer im Landesmuseum Zürich!





Walter Mittelholzer,  Zürich, Hauptbahnhof, Landesmuseum, Limmat,1919

Walter Mittelholzer foi um dos pioneiros da fotografia aérea, tendo sobrevoado terras nunca dantes sobrevoadas.

Outras fotografias podem ser vistas aqui e no Landesmuseum (Zurique), até 10 de Outubro.

terça-feira, agosto 28, 2018

"Eles"

Cristãos coptas, Egipto
Na política americana e europeia, “eles” é muitas vezes o imigrante que anseia entrar – o migrante mexicano ou da América Central que espera entrar nos Estados Unidos, ou o refugiado islâmico do Médio Oriente ou do Norte de África que espera viver na Alemanha, França, Grã-Bretanha ou Suécia. Nos países pobres, especialmente naqueles cujas fronteiras foram traçadas pelos colonizadores, “eles” é muitas vezes o outro étnico, religioso, ou de minorias sectárias com raízes mais antigas do que as próprias fronteiras. Pensemos nos muçulmanos da Índia, do oeste da China ou da região do Cáucaso na Rússia. Muçulmanos sunitas no Iraque ou muçulmanos xiitas na Arábia Saudita. Pensemos nos cristãos do Egipto ou nos curdos da Turquia. Pensemos nos chineses e noutras minorias étnicas da Indonésia e Malásia. Há muitos mais exemplos. Estes grupos tornam-se alvos fáceis quando os tempos se tornam difíceis e um político quer ganhar renome à sua custa. O Ruanda e a antiga Jugoslávia são exemplo dos contos sinistros mais recentes de como países em desenvolvimento com instituições fracas podem repetir atrocidades cometidas em eras anteriores.

Ian Bremmer, Us vs. Them: The Failure of Globalism, Portfolio/Penguin, 2018, p. 50.
(tradução nossa)

O que aí vem não é nada de bom


sexta-feira, agosto 17, 2018

Capitaloceno?!

"É muito importante politizar o conceito de Antropoceno. Uma forma de politização é a que se verifica quando se defende que esse conceito deve ser substituído por Capitaloceno."
Frédéric Neyrat
 (Entrevistado por António Guerreiro, no Público)

Infelizmente os desastres ecológicos ou a sexta extinção de massa não tiveram início com a ascensão do capitalismo. Se assim fosse seria fácil resolver o problema: bastaria mudar de sistema económico.

Maoris "capitalistas", caçando moas na Nova Zelândia
É certo que o capitalismo, predatório por natureza, acelerou a degradação dos recursos naturais e dos ecossistemas, assim como a extinção de espécies. Contudo tais processos, por um lado, tiveram início muito antes de o capitalismo dominar o planeta e, por outro, verificaram-se também sob o domínio de outros sistemas económicos. Se não, então como explicar desastres ecológicos como o desaparecimento do mar de Aral, a tragédia de Tchernobil ou a desflorestação da Europa Oriental, num tempo e num espaço dominado por regimes comunistas avessos ao capitalismo? Como explicar a extinção da megafauna da Nova Zelândia à chegada dos primeiros seres humanos, cerca de 1000 d.C. (Diamond, 2002: 56) ou a desflorestação da ilha de Páscoa? Tais ilhas não foram inicialmente colonizadas por capitalistas.

Não, não é o capitalismo. É o Homem.

Antropocénico (ou Antropoceno) é o termo correcto.
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Referências

quinta-feira, agosto 16, 2018

Respeito

Aretha Franklin (1942-2018)

Qual tolerância?! Respeito! (E não o “respeitinho” que alguns jocosamente proferem, tentando ridicularizá-lo, alérgicos a toda e qualquer forma de autoridade, que confundem com autoritarismo).

Respeito principalmente para com as mulheres e as crianças. Respeito para com todos os dignos de respeito: quase a humanidade inteira.

quinta-feira, julho 05, 2018

Ironias da História II


É triste e revoltante constatar, que cerca de seis séculos depois de os filhos de África terem sido levados em condições degradantes nos navios negreiros para as Américas onde, na condição de escravos, contribuíram para o florescimento de grandes economias, hoje a saga se repete, embora numa conjuntura diferente.”

Presidente de Angola, João Lourenço, Discurso no Parlamento Europeu (04/07/2018)

A escravatura continua a existir, embora numa conjuntura diferente. Já o tínhamos referido aqui.

***

O Presidente João Lourenço sabe do que a África precisa para superar a crise estrutural e crónica de que padece: investimento directo estrangeiro gerador de emprego, um plano Marshall. Numa palavra: desenvolvimento. No entanto está consciente de que tal desígnio só se atinge a médio ou a longo prazo, facto que não se compadece com a necessidade de atacar no curto prazo os problemas humanitários que grassam no continente e que se assomam às nossas portas.

domingo, junho 10, 2018

quinta-feira, junho 07, 2018

O ciúme


O ciúme é uma adaptação evolutiva.
Resumidamente, isto explica não só os milhões de triângulos amorosos e os milhares de milhões de lágrimas derramadas por eles ao longo da História humana, mas também muita da literatura mundial. Apesar de Tolstoi insistir que cada família infeliz é infeliz à sua maneira, parece-me que, na verdade, existem apenas três tipos de armas nestas batalhas. A primeira é a vergonha (ou, mais friamente, o preço da reputação): vejam, diz ao mundo o parceiro traído, o que o canalha/a cabra fez depois de tudo o que eu fiz por ele/ela. Uma segunda ferramenta é a violência, com que os maridos estão mais bem equipados para a exercer sobre as mulheres, embora uma mulher desprezada possa ser capaz de pedir a um homem seu familiar que desfaça o patife do seu marido deixando-lhe só um fôlego de vida, ou um marido enganado pode atacar a adúltera. E por fim, temos a economia: se um dos parceiros domina os recursos vitais, está numa posição forte para regatear sexo.


Ian Morris, Caçadores, Camponeses e Combustíveis Fósseis, Bertrand Editora, 2017, pp. 317-318

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O ciúme é uma arma de destruição maciça.

domingo, maio 27, 2018

A primeira grande distopia para a era da modernidade líquida

A Possibilidade de Uma Ilha, de Houellebecq é a primeira grande distopia, até agora sem rival, destinada e feita sob medida para a era da modernidade líquida, desregulamentada, obcecada pelo consumo e individualizada.

Zygmunt Bauman


in Bauman, Zygmunt; Donskis, Leonidas, Cegueira Moral, Relógio D’Água, 2013, pág. 253.




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A palavra de Bauman levou-me a procurar o dito livro. Foi agora publicado pela Alfaguara. Entre os alfarrabistas da Feira do Livro, nenhum tinha a antiga edição da Dom Quixote que esperava adquirir por um preço módico. Rendido, trouxe a da Alfaguara.

De Houellebecq já lera, em tempo recorde, Submissão. Iniciada logo depois a leitura do Mapa e o Território, foi parada a meio. Houellebecq é um grosseiro provocador. O que pensar daquele que caracteriza uma mulher feia em idade de menopausa, jocosamente, como sendo uma “vagina inexplorada”? Bastou. Nos seus livros tropeçamos por aqui e por ali em má-criação, baixezas obscenas e pornografia grosseira, em muito mais do que apenas “vergonhas” à mostra. Tentativas de provocação a quem se deixa provocar, pois claro. Procurar escandalizar: uma trivial estratégia adoptada por escritores que se querem fazer notar, nobéis e tudo. E quando pega resulta. Ainda assim os romances de Houellebecq não deixam de tocar em coisas elevadas.

No futuro, quando as artes destes tempos, entre as quais a literatura, forem enquadradas num determinado movimento literário artístico bem definido como agora são, por exemplo, as obras do Romantismo ou do Realismo, uma das características que por certo as cunhará será essa perda de referência entre o que é elevado e o que é baixo, entre as grandezas e as baixezas. Hoje tudo é colocado no mesmo plano e no mesmo saco. As grandezas e as baixezas são despudoradamente reveladas ao mesmo nível. Mas foram as baixezas que ganharam relevância, tendo sido içadas à altura das grandezas. Uma obra como a de Houellebecq seria impensável nos tempos queirosianos, por exemplo. Na obra de Houellebecq não há “mantos diáfanos da fantasia”. Ali não há fantasia nem mantos.

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