A Possibilidade de Uma Ilha, de Houellebecq é a primeira grande distopia, até agora sem rival, destinada e feita sob medida para a era da modernidade líquida, desregulamentada, obcecada pelo consumo e individualizada.
Zygmunt Bauman
in Bauman, Zygmunt; Donskis,
Leonidas, Cegueira Moral, Relógio
D’Água, 2013, pág. 253.
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A palavra de Bauman levou-me a procurar o dito livro. Foi agora publicado pela Alfaguara. Entre os alfarrabistas da Feira do Livro, nenhum tinha a antiga edição da Dom Quixote que esperava adquirir por um preço módico. Rendido, trouxe a da Alfaguara.
De Houellebecq já lera, em tempo recorde, Submissão. Iniciada logo depois a leitura do Mapa
e o Território, foi parada a meio. Houellebecq
é um grosseiro provocador. O que pensar daquele que caracteriza uma mulher feia
em idade de menopausa, jocosamente, como sendo uma “vagina inexplorada”? Bastou.
Nos seus livros tropeçamos por aqui e por ali em má-criação, baixezas obscenas
e pornografia grosseira, em muito mais do que apenas “vergonhas” à mostra. Tentativas
de provocação a quem se deixa provocar, pois claro. Procurar escandalizar: uma trivial estratégia
adoptada por escritores que se querem fazer notar, nobéis e tudo. E quando pega resulta. Ainda assim os
romances de Houellebecq não deixam de tocar em coisas elevadas.
No futuro, quando as artes destes
tempos, entre as quais a literatura, forem enquadradas num determinado
movimento literário artístico bem definido como agora são, por exemplo, as obras do
Romantismo ou do Realismo, uma das características que por certo as cunhará
será essa perda de referência entre o que é elevado e o que é baixo, entre as
grandezas e as baixezas. Hoje tudo é colocado no mesmo plano e no mesmo saco. As
grandezas e as baixezas são despudoradamente reveladas ao mesmo nível. Mas foram as baixezas que ganharam relevância, tendo sido içadas à altura das grandezas. Uma obra como a de Houellebecq seria impensável nos tempos
queirosianos, por exemplo. Na obra de Houellebecq
não há “mantos diáfanos da fantasia”. Ali não há fantasia nem mantos.
Mas Zygmunt Bauman sabia do que
falava.
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