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sábado, outubro 11, 2014

Quando o “Estado Islâmico” éramos nós

O nosso Estado foi construído contra o Castelhano e contra o Mouro, há quase 900 anos, na Idade Média. As práticas terroristas que hoje condenamos ao Estado Islâmico, e condenamos bem, também nós já as praticámos. Então, os bárbaros éramos nós. Pilhagens, cercos, razias, conquista de territórios à espadeirada, decapitações, eram o “pão nosso de cada dia”, a tal ponto que, perto delas, as atuais práticas terroristas do Estado Islâmico parecem ser coisa de crianças.

Fica um excerto do texto de Martin Page, A Primeira Aldeia Global, relativo ao cerco de cidade de Lisboa (1147), então cidade moura, pelos exércitos de D. Afonso Henriques, auxiliados por cruzados bretões, ingleses, normandos e alemães, entre outros:

«Escreveu no seu relato, o capelão dos cavaleiros normandos: “O ânimo dos nossos homens foi enormemente fortalecido para continuar a lutar contra o inimigo.” Um grupo de cavaleiros, que, entretanto, tinha ido fazer uma incursão a Sintra, acabava de regressar para junto dos seus companheiros de cerco, carregado com o produto das pilhagens.

Enquanto os bretões pescavam na margem sul do Tejo, um grupo de muçulmanos atacou, matando vários deles e fazendo cinco prisioneiros. Como represália, os ingleses organizaram um assalto à margem sul, à cidade de Almada, regressando nessa mesma tarde, com 200 prisioneiros muçulmanos e moçárabes e mais de 80 cabeças cortadas, o que, segundo então afirmaram, só lhes havia custado uma baixa. Empalaram as cabeças em lanças e agitaram-nas por cima das muralhas de Lisboa.

“Vieram ter com os nossos homens, suplicando-lhes que lhes dessem as cabeças que tinham sido cortadas”, acrescenta o capelão cronista. “Tendo-as recebido, voltaram para dentro das muralhas chorando a sua dor. Durante a noite, em quase todas as zonas da cidade, apenas se ouvia a voz da mágoa e o lamento da saudade. A audácia deste feito transformou-nos no pior terror para o inimigo.”»

Martin Page, A Primeira Aldeia Global, 6ª ed, Casa das Letras, 2010, pp. 87-88.

***

Em suma, naquela altura os terroristas éramos nós. (Não estamos com isto a querer desculpar os imperdoáveis crimes do Estado Islâmico, mas factos são factos)

Hoje, o Estado Islâmico está a aplicar tácticas medievais de terror que os ocidentais então usavam sem qualquer pudor. Mas estamos no século XXI.

Naquele distante ano do século XII, a cidade sob cerco era Lisboa, hoje é Kobani.

quarta-feira, abril 09, 2014

Quando a cobiça naufragou

Naqueles dias reinava a cobiça aliada ao poder tecnológico dos europeus. E naquelas terras e águas os europeus eramos nós. Cheios de hubris e vã glória chegávamos e pilhávamos. Tesouros para El Rei D. Manuel I. Era tanta a cobiça que as barcas, quais arcas flutuantes, se afundavam sob o peso dos tesouros pilhados nas industriosas cidades orientais. Foi assim com a Flor do Mar, hoje supostamente descoberta por drones subaquáticos nos mares da Indonésia.

Foi n’A Primeira Aldeia Global, de Martin Page, que tive um vislumbre do valor e magnitude do tesouro que se transportava na Flor do Mar, da cobiça do Vice-Rei, e do naufrágio da carraca à saída do estreito de Malaca.

«Quando chegou a altura da principal força portuguesa regressar à Índia, Afonso de Albuquerque mandou carregar o navio-almirante, a Flor do Mar, com o seu magnífico espólio, e com produtos para o rei D. Manuel I. Os bens destinados ao monarca incluíam duas réplicas, em tamanho real, de elefantes-bebés, feitas de prata maciça e embutidas com jóias, quatro estátuas de leões de ouro, cheias de perfumes raros, e o trono de Malaca incrustado de jóias.

A frota largou através do estreito, com o navio de Afonso de Albuquerque tão carregado que mal se mantinham à tona de água. Quando chegou às águas costeiras de Sumatra, após menos de meio dia de viagem, foi abalado por uma pequena borrasca e afundou-se. Albuquerque e a sua tripulação fizeram-se às jangadas salva-vidas, de onde foram recolhidos e levados para bordo de outros navios. 

Em 1992, a leiloeira de arte Sotheby's, contratada para avaliar o tesouro afundado a preços actuais, calculou esse valor em 2,5 mil milhões de dólares. Não surpreende, assim, que tenha havido tanto interesse em localizar os destroços do navio através do rastreio de satélite, nem tão-pouco o feroz litígio internacional em relação à sua posse legítima, em que Portugal não participa, mas que decorre principalmente entre a moderna Malásia, da qual Malaca é uma capital de província, e a Indonésia, na qual se integra Samatra.»


Martin Page, A Primeira Aldeia Global, 6ª edição, Casa das Letras, 2010. Pág. 162. 

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