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domingo, julho 22, 2012

Progresso


«Não existe progresso na História, a não ser instrumental. Podemos matar muito mais gente com uma bomba H do que com um machado de pedra, e as matemáticas contemporâneas são infinitamente mais ricas, poderosas e complexas do que a aritmética dos primitivos. Mas uma pintura de Picasso não vale nem mais, nem menos, do que os frescos de Altamira ou Lascaux, a música balinesa é sublime e as mitologias de todos os povos revestem-se de uma beleza e de uma profundidade extraordinárias. Se quisermos situar então as coisas num plano moral, basta olhar à nossa volta para deixar logo de falar em «progresso». É um significado imaginário essencialmente capitalista, no qual até o próprio Marx se deixou apanhar.»

Cornelius Castoriadis, A Ascensão da Insignificância. Bizâncio,2012. pp. 105

Eis uma dos facetas do progresso:


Um macaco nu com armas atómicas e aceleradores de partículas, ébrio de tanto poder, julga-se um deus: "Now I am become death, the destroyer of worlds." (Robert Oppenheimer citando um texto Hindu, o Bhagavad Gita)


Há quem lhe veja tristeza e arrependimento no olhar. Impossível! São lágrimas de crocodilo. Ali mora o fascínio. E havia que cunhar rapidamente o feito com uma frase memorável. Fizeram o mesmo quando pisaram a lua. Uma frase ensaiada: "Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade". Na verdade todas as grandes caminhadas começam com um pequeno passo, até as guerras atómicas.

O futuro pode ser um lugar fascinante*.
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 *Para Braden Allenby, o futuro é "incerto, diferente, mais difícil, mas fascinante". Será?! O «progresso» deixa-nos apreensivos.

quinta-feira, julho 19, 2012

Da crise sistémica


Ouvimos o economista João Salgueiro falar na TV sobre a crise sistémica. Disse que o país de há doze anos para cá baseou o seu modelo económico no crédito fácil. Que nos tornámos viciados no crédito e que o problema se colocou quando os credores nos negaram mais dinheiro. Que nos encontramos agora numa situação análoga à de um país que tivesse perdido uma guerra devastadora. Que por isso temos de mudar de vida, ou seja, de modelo económico e começar de novo. Que o país tem de, doravante, basear o seu desenvolvimento no investimento produtivo não público. João Salgueiro olhou para o país.

Cornelius Castoriadis viu mais longe, porque o problema é mais vasto e não se cinge apenas às fronteiras de um país. É uma crise sistémica, uma crise do capitalismo tal como o conhecemos e do funcionamento das sociedades contemporâneas, que tem a sua raiz em vários factores e um deles está relacionado com o caminho apontado por João Salgueiro. O economista aponta como saída a via do “investimento produtivo”. E assim seria, se o mundo hoje não estivesse dominado pelo “investimento” não produtivo, o “investimento” na chamada economia virtual, a compra e venda de instrumentos financeiros, instrumentos arriscados mas atractivos que, em caso de sucesso, garantem um lucro rápido e momentâneo. Como disse Cornelius Castoriadis, o “empreendedor schumpeteriano, que conjuga uma inventividade técnica com a capacidade para juntar capitais, para organizar uma empresa, para explorar, penetrar e criar mercados, está em vias de desaparecimento, encontrando-se substituído pelas burocracias empresariais e pelos especuladores.” (Castoriadis, 2012: 102). Ora o mercado de compra e venda de instrumentos financeiros é um dos que, neste momento, apresenta a maior expansão a nível mundial devido à utilização e generalização de programas informáticos que, permitem a cada um de nós, por exemplo, comprar e vender barris de petróleo, sem o incómodo de os ter de guardar no nosso quintal. E quem diz barris de petróleo, diz acções duma empresa qualquer, milho, ienes, dólares, etc. Para quê então, darmo-nos à maçada de montar um negócio produtivo, como faria um “empreendedor schumpeteriano”?
  
Além disso, a corrupção generalizou-se no “sistema político-económico contemporâneo” e tornou-se um “traço estrutural e sistémico” das sociedades em que vivemos. Não é preciso ser o bispo D. Januário Torgal para o constatar. Salta aos olhos. Os mastodônticos monumentos à corrupção estão por todo o lado, para quem os quiser ver. E algumas carreiras alucinantes de políticos ex-governantes também.


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Referência

Cornelius Castoriadis (2012); A Ascensão da Insignificância. Bizâncio. pp. 102.

Da corrupção


«Há quase quinze anos, escrevi: para os nossos conterrâneos a única barreira existente é o medo da sanção penal. Mas por que razão os que estão encarregues de administrar esta sanção seriam eles próprios incorruptíveis? Quem vigiará os vigilantes? A corrupção generalizada que se observa no sistema político-económico contemporâneo não é periférica ou anedótica, tomou-se um traço estrutural, sistémico da sociedade na qual vivemos. Na realidade estamos a tocar aqui num factor fundamental, que os grandes pensadores políticos do passado conheciam e que os pretensos «filósofos políticos» actuais, maus sociólogos e reles teóricos, ignoram soberanamente: a íntima solidariedade entre um regime social e o tipo antropológico, ou o leque formado por todos esses tipos, necessário para fazê-la funcionar. Estes tipos antropológicos foram, na sua maioria, herdados pelo capitalismo dos períodos históricos precedentes: o juiz incorruptível, o funcionário weberiano, o educador dedicado à sua tarefa, o operário para quem o seu trabalho, apesar de tudo, era fonte de orgulho. Tais personagens tomaram-se inconcebíveis no período contemporâneo: não se descortina por que razão se teriam reproduzido, quem o faria, ou em nome de que funcionariam. Até o tipo antropológico que é uma criação própria do capitalismo, o do empreendedor schumpeteriano, que conjuga uma inventividade técnica com a capacidade para juntar capitais, para organizar uma empresa, para explorar, penetrar e criar mercados, está em vias de desaparecimento, encontrando-se substituído pelas burocracias empresariais e pelos especuladores. Aqui também, mais uma vez, todos os factores conspiram. Para quê esfalfar-se para produzir e vender, quando um golpe bem feito nas taxas de câmbio na Bolsa de Nova Iorque, ou de qualquer outro sítio, pode render, em minutos, 500 milhões de dólares? As somas que são jogadas em cada especulação semanal são da ordem do PNB anual dos EUA. Daí uma transferência dos elementos mais «empreendedores» para este tipo de actividades, completamente parasitárias do ponto de vista do próprio sistema capitalista.
Se pusermos em conjunto todos estes factores e se levarmos também em consideração a irreversível destruição do ambiente, que acarreta forçosamente a «expansão» capitalista e ela própria condição necessária à «paz social», podemos e devemos perguntarmo-nos por quanto tempo poderá ainda funcionar o sistema.»

Cornelius Castoriadis (2012); A Ascensão da Insignificância. Bizâncio. pp. 102 – 103.

segunda-feira, junho 25, 2012

Cornelius Castoriadis, outro grande pensador falecido no final do século XX, que anteviu onde tudo isto iria parar


Dizia ele:

Desde há quinze anos que a profunda regressão mental das classes dirigentes e dos quadros políticos que conduziu à «liberalização» a todo o custo da economia (da qual em França os «socialistas» foram os heróicos protagonistas) e à globalização cada vez mais efectiva da produção e das trocas comerciais, tiveram como consequência a perda do controle por parte dos Estados das suas próprias economias. Como era de esperar, foram acompanhadas por uma expansão da especulação que, a cada dia que passa, transforma ainda mais a economia capitalista num casino.”

Cornelius Castoriadis, A Ascensão da Insignificância. Bizâncio,2012. Pág. 30
(Os sublinhados são nossos).

O trecho acima foi escrito em 1995 (dois anos antes da sua morte) e constitui um post-scriptum a um texto de 1982. Acerta em tudo. Mas não foi só em França - sabemos agora - que os «socialistas» de “terceira via” abriram o caminho à «liberalização» da economia, com as consequências nefastas que hoje nos afectam. Foi uma orientação seguida em toda a Europa onde os ditos desgovernaram. Resultado: os Estados estão hoje reféns dos mercados financeiros, quais casinos da economia capitalista.

A qualidade das classes dirigentes e dos quadros políticos, essa, continua pelas ruas da amargura (dirijamos o nosso olhar para Merkel, por exemplo, e oiçamos as suas “brilhantes” intervenções). Outros já nem políticos são, na verdadeira acepção da palavra: são técnicos e homens de palha ao serviço de interesses outros que não os de quem os elegeu. Como dizia Castoriadis, “vivemos a sociedade dos hobbies e dos lobbies”. Ongoings, estão a ver?!

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