quinta-feira, julho 19, 2012

Da crise sistémica


Ouvimos o economista João Salgueiro falar na TV sobre a crise sistémica. Disse que o país de há doze anos para cá baseou o seu modelo económico no crédito fácil. Que nos tornámos viciados no crédito e que o problema se colocou quando os credores nos negaram mais dinheiro. Que nos encontramos agora numa situação análoga à de um país que tivesse perdido uma guerra devastadora. Que por isso temos de mudar de vida, ou seja, de modelo económico e começar de novo. Que o país tem de, doravante, basear o seu desenvolvimento no investimento produtivo não público. João Salgueiro olhou para o país.

Cornelius Castoriadis viu mais longe, porque o problema é mais vasto e não se cinge apenas às fronteiras de um país. É uma crise sistémica, uma crise do capitalismo tal como o conhecemos e do funcionamento das sociedades contemporâneas, que tem a sua raiz em vários factores e um deles está relacionado com o caminho apontado por João Salgueiro. O economista aponta como saída a via do “investimento produtivo”. E assim seria, se o mundo hoje não estivesse dominado pelo “investimento” não produtivo, o “investimento” na chamada economia virtual, a compra e venda de instrumentos financeiros, instrumentos arriscados mas atractivos que, em caso de sucesso, garantem um lucro rápido e momentâneo. Como disse Cornelius Castoriadis, o “empreendedor schumpeteriano, que conjuga uma inventividade técnica com a capacidade para juntar capitais, para organizar uma empresa, para explorar, penetrar e criar mercados, está em vias de desaparecimento, encontrando-se substituído pelas burocracias empresariais e pelos especuladores.” (Castoriadis, 2012: 102). Ora o mercado de compra e venda de instrumentos financeiros é um dos que, neste momento, apresenta a maior expansão a nível mundial devido à utilização e generalização de programas informáticos que, permitem a cada um de nós, por exemplo, comprar e vender barris de petróleo, sem o incómodo de os ter de guardar no nosso quintal. E quem diz barris de petróleo, diz acções duma empresa qualquer, milho, ienes, dólares, etc. Para quê então, darmo-nos à maçada de montar um negócio produtivo, como faria um “empreendedor schumpeteriano”?
  
Além disso, a corrupção generalizou-se no “sistema político-económico contemporâneo” e tornou-se um “traço estrutural e sistémico” das sociedades em que vivemos. Não é preciso ser o bispo D. Januário Torgal para o constatar. Salta aos olhos. Os mastodônticos monumentos à corrupção estão por todo o lado, para quem os quiser ver. E algumas carreiras alucinantes de políticos ex-governantes também.


_____________________________________________

Referência

Cornelius Castoriadis (2012); A Ascensão da Insignificância. Bizâncio. pp. 102.

Etiquetas