«Há quase quinze anos, escrevi: para os nossos
conterrâneos a única barreira existente é o medo da sanção penal. Mas por que
razão os que estão encarregues de administrar esta sanção seriam eles próprios
incorruptíveis? Quem vigiará os vigilantes? A corrupção generalizada que se observa no sistema político-económico
contemporâneo não é periférica ou anedótica, tomou-se um traço estrutural,
sistémico da sociedade na qual vivemos. Na realidade estamos a tocar aqui
num factor fundamental, que os grandes pensadores políticos do passado
conheciam e que os pretensos «filósofos políticos» actuais, maus sociólogos e
reles teóricos, ignoram soberanamente: a íntima solidariedade entre um regime
social e o tipo antropológico, ou o leque formado por todos esses tipos,
necessário para fazê-la funcionar. Estes tipos antropológicos foram, na sua
maioria, herdados pelo capitalismo dos períodos históricos precedentes: o juiz
incorruptível, o funcionário weberiano, o educador dedicado à sua tarefa, o
operário para quem o seu trabalho, apesar de tudo, era fonte de orgulho. Tais
personagens tomaram-se inconcebíveis no período contemporâneo: não se
descortina por que razão se teriam reproduzido, quem o faria, ou em nome de que
funcionariam. Até o tipo antropológico que é uma criação própria do capitalismo,
o do empreendedor schumpeteriano, que conjuga uma inventividade técnica com a
capacidade para juntar capitais, para organizar uma empresa, para explorar,
penetrar e criar mercados, está em vias de desaparecimento, encontrando-se
substituído pelas burocracias empresariais e pelos especuladores. Aqui também,
mais uma vez, todos os factores conspiram. Para quê esfalfar-se para produzir e
vender, quando um golpe bem feito nas taxas de câmbio na Bolsa de Nova Iorque,
ou de qualquer outro sítio, pode render, em minutos, 500 milhões de dólares? As
somas que são jogadas em cada especulação semanal são da ordem do PNB anual dos
EUA. Daí uma transferência dos elementos mais «empreendedores» para este tipo
de actividades, completamente parasitárias do ponto de vista do próprio sistema
capitalista.
Se pusermos
em conjunto todos estes factores e se levarmos também em consideração a
irreversível destruição do ambiente, que acarreta forçosamente a «expansão»
capitalista e ela própria condição necessária à «paz social», podemos e devemos
perguntarmo-nos por quanto tempo poderá ainda funcionar o sistema.»
Cornelius Castoriadis (2012);
A Ascensão da Insignificância. Bizâncio. pp. 102 – 103.