Mostrar mensagens com a etiqueta Sociedade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sociedade. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, julho 11, 2023

O país dos bufos


A Inquisição oficializada principalmente a partir da Contra-Reforma prolonga-se até ao século XIX em Portugal. O Pombalismo terá também essa faceta inquisitorial bem patente na sua polícia específica, assim como as décadas de vigilância fascista no século XX, ou, embora com aspectos bem distintos, o Estado democrático exerce também o controlo quase absoluto da sociedade nos últimos 50 anos.

A Inquisição transformou-se num modelo mental e estruturou de modo profundo o nosso plano de comportamentos, as dimensões morais e até judiciais.

João Maurício Brás, O Atraso Português, Guerra e Paz, pág. 140

 

Cumpre-se por obediência e medo, na maior parte das vezes irracional, não por respeito ou por se considerar que seguir determinado caminho é o mais correcto e eficaz. Mexericos e bisbilhotices, a má-língua no trabalho e na vizinhança, a pequena calúnia, são vestígios de uma cultura de resquícios inquisitoriais.

João Maurício Brás, O Atraso Português, Guerra e Paz, pág. 129

 

Continuamos a construir os nossos panópticos sociais sob a égide da governação do Partido Socialista.

Temos agora um Portal da Delação, digo, Portal da Denúncia (procedimento muito socialista e até nacional-socialista ou estalinista).


Maravilhoso mundo novo. Aos poucos a liberdade e a privacidade vão perdendo território para o controlo social. Que ideia maravilhosa essa a de os cidadãos controlarem os cidadãos.

Suspeito que alguns de nós têm no seu DNA um gene mais desenvolvido: o gene inquisitorial. Em Portugal a Santa Inquisição durou até ao século XIX. Um período tão prolongado de controlo das ideias não poderia deixar de marcar a genética social e a de muitos portugueses.

Com o Portal da Denúncia, far-se-á da pequena calúnia grande. Como a imagem sugere, o pequeno caluniador tem agora um altifalante para se fazer ouvir.  Para nosso bem e com cobertura governamental.

quinta-feira, agosto 04, 2022

Das leis da Física

A reacção é sempre uma resposta à acção. Os activismos delirantes (enquadrados pelo movimento woke) e a teologia de mercado (neoliberalismo) motivaram a emergência de movimentos reactivos igualmente delirantes. Agora queixam-se da ascensão da extrema-direita reaccionária. Pois ela aí está, purulenta, brotando por todos os poros do corpo social.

sexta-feira, setembro 25, 2020

A geração mais bem preparada de sempre

Analisar o que se passa nos comportamentos dos mais jovens dá-nos a medida do fracasso do presente. É uma geração de direitos que esqueceu os deveres, apta para as tecnologias e inapta para o resto, hiper-sensível, egoísta, que exige mas não dá. É a geração mais protegida de sempre e a mais assustada, que se quebra à mínima contrariedade, sempre conectada a terminais de informação e diversão, mas desligada do que importa e incapaz de distinguir o essencial do irrelevante.

Excesso de população, a miséria, a pobreza, as injustiças sociais (por exemplo 63 pessoas detêm mais riqueza que 50% da população mundial), guerras permanentes, precariedade dos recursos naturais, aumento das doenças mentais e problemas ecológicos são secundários e mero joguete político. São outros os temas principais da sociedade ocidental: os pelos nas axilas da filha da cantora Madonna, o novo estatuto jurídico dos animais como membros da família, homens grávidos, proibição de livros que fazem distinção entre raparigas e rapazes, negação das diferenças entre masculino e feminino, etc.

O ruído dos debates pós-modernos distrai-nos do essencial e potencia grandes negócios. No sistema capitalista democrático, a bandeira da emancipação foi transformada no principal veículo da publicidade e do consumo.

 

João Maurício Brás, O Mundo às Avessas: o Manicómio Contemporâneo, Opera Omnia, 2018, pág. 16.

 

***

Inversões: direitos sem deveres. O acessório tomou o lugar do essencial. O que era elevado rebaixou-se e o que era baixo, elevou-se. Inversão de valores, desorientação, alucinação, eis onde estamos. A educação já não é a paideia. O ensino empacota-se e vende-se, em particular na universidade. A universidade já não é a Universidade. É toda uma indústria.

 

Andamos distraídos como sonâmbulos, aos grandes movimentos do mundo. Entregues aos opiáceos da publicidade e do consumo e aos bufões das televisões – curiosamente cada canal tem o seu, saltaricando nos programas da manhã - enredados nas insignificâncias da espuma dos dias.

***

“É a geração mais protegida de sempre e a mais assustada, que se quebra à mínima contrariedade” diz João Brás. São a “geração mais bem preparada de sempre” refere uma campanha publicitária da SIC. Uma bajulação que esconde uma ironia.

 

É a geração mais mal preparada de sempre. Mas como em todas as gerações, a vida vai tratar dela, mais cedo ou mais tarde.


sábado, novembro 09, 2019

Quem quer tramar a ADSE?


No primeiro dia da semana que agora acaba, Marques Mendes, na SIC, alertou para a má gestão da ADSE pelo Governo. Mais, deu a entender que se trata de uma gestão danosa - estranhamente danosa - quando se trata de um serviço que assegura os cuidados de saúde dos funcionários públicos – os utentes – que para ele contribuem e também para os outros, que não contribuindo por o seu rendimento ser inferior ao salário mínimo nacional, a ele têm direito. No total, segundo referiu, trata-se de um milhão e duzentos mil utentes. Acontece que os que não contribuem acabam por ser suportados pelos que contribuem, não colocando o Estado um único cêntimo para suportar esse encargo, quando é da sua responsabilidade fazê-lo. Segundo Marques Mendes, o Estado deve milhões à ADSE, não compensa a ausência de contribuições dos utentes isentos, e o Governo está a ignorar, há quatro anos, um estudo do Tribunal de Contas que aponta caminhos de viabilidade para a ADSE.

Hoje, no final da semana, o economista Daniel Bessa, na sua coluna do Expresso, volta a chamar a atenção para a situação insustentável da ADSE.

Ora parece que há algo de podre no reino da Dinamarca. É caso para perguntar: quem quer tramar a ADSE? O que tem o Governo Socialista contra a ADSE? Por que razão procede a uma gestão danosa?

quinta-feira, setembro 01, 2016

Fim das férias, início dos queixumes

Acabam as férias e começa Setembro. Começam os queixumes. Faltam magistrados, faltam oficiais de justiça, faltam médicos, faltam enfermeiros, faltam auxiliares de acção educativa, faltam meios, falta isto e falta aquilo…falta dinheiro… Falta tudo! Cada responsável corporativo tem uma visão parcelar do seu sector, ignorando as necessidades dos demais. Nem quer saber disso, não é com ele. Só lhe diz respeito o seu sector. Assim, reivindica sem visão e conhecimento das necessidades de todo o conjunto. Atender positivamente a todas as reivindicações seria o pântano. O governante tem de ter a coragem de dizer não, uma vez que não pode dizer sim a todos. Caso contrário, a sociedade torna-se ingovernável.  

Os queixumes tinham ido de férias, os queixumes regressaram. Quando os oiço, vindos de férias, apetece mandá-los de férias outra vez. Para bem longe.

quarta-feira, agosto 20, 2014

Novo mundo

Na segunda metade do século XX foi criado um novo universo, um novo mundo que se amplia, para além do universo exterior e do universo interior: o universo cibernético.


Os autistas, perdidos ou aprisionados no universo interior, aparentemente, estabelecem ténues relações com o universo exterior e nenhuma com o universo cibernético. Por outro lado, certos seres humanos, vivem sem saber conscientemente que vivem, e estabelecem ténues relações com o universo interior. Aparentemente fazem pouco uso da consciência, como certos animais não humanos. Agem instintiva e irreflectidamente. Como rezava a canção do Zeca Afonso: “Há quem viva sem dar por nada. Há quem morra sem tal saber”. Tal não significa que estejam doentes. São mais seres de acção do que de reflexão. Mas hoje, o universo cibernético em expansão pode levar-nos cada vez mais à alienação do mundo exterior e do mundo interior. Ao extremo, um indivíduo pode encontrar-se de tal forma alienado pela “vida” nesse mundo cibernético, que não repara na existência desse outro mundo, lá fora. Ao extremo, pode até o edifício que o abriga ruir, que ele não repara.  

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Estou a gostar de ler...


E de o cruzar com este aqui:


Dois pequenos grandes livros que nos ajudam a compreender a crise da Europa dos nossos dias. Tony Judt escreveu em 1996. O ensaio de Ulrich Beck é mais actual (2012). Entre os dois livros existem áreas de intersecção que apontam no mesmo sentido: o domínio da Europa pela Alemanha.

E a Europa que se prepare:

"A Europa e a sua juventude estão unidas na raiva por causa de uma política que salva bancos com quantidades de dinheiro inimagináveis, mas desperdiça o futuro da geração jovem."

Ulrich Beck (2012), A Europa Alemã, Edições 70. pp. 20 

"A crise, diz Gramsci, é o momento em que a velha ordem mundial morre e em que é necessário lutar por um mundo novo, contra resistências e contradições."

Ulrich Beck (2012), A Europa Alemã, Edições 70. pp. 26

A leitura continua.

Os velhos partidos prosseguem alheios à mudança que se adivinha e ao meio em rápida mutação que os envolve. Ainda jogam no tabuleiro da velha ordem. Continuam a actuar como se a sociedade que os enquadra tivesse os mesmos problemas, interesses e contradições de há dois ou mais anos atrás. Talvez quando acordarem, seja tarde demais*. 

Os velhos partidos já não dão resposta às aspirações da juventude, vítima das políticas que a conduziram até aqui. E "aqui" é o desemprego. A democracia representativa carece de democracia, está ferida, e não se dá conta. Os partidos do "arco da desgovernação" estão a cavar a sua própria sepultura e a da democracia também.

Entretanto, os políticos governantes, tudo fazem para que se "regresse aos mercados", não querendo reparar que dessa forma prosseguem a mesma lógica que nos lançou na dependência dos especuladores. E cada vez que "vão ao mercado", asseguram aos jovens um futuro ainda mais sombrio, de austeridade e dependência, um futuro sem futuro, um futuro colonizado, porque serão eles os convocados a pagar a dívida e os juros contraídos pela actual geração governante.

É por isso que é cada vez mais "necessário lutar por um mundo novo, contra resistências e contradições".
______________________________________________

(*) Como encarar, por exemplo, o ensimesmamento do PS, os seus conflitozinhos internos, enquanto o país se afunda na crise? Parecem actuar com a inconsciência daqueles que discutem a cor do bote salva-vidas a lançar ao mar, enquanto o navio se vai afundando.

Mas alguém pode esperar alguma coisa desta gente? Afinal não estão eles também entre os que nos conduziram até aqui? A esperança, se é que ainda há esperança, reside noutro lado. Tem de residir noutro lado.

segunda-feira, janeiro 28, 2013

Este país não é para portugueses.

Noticia o Expresso, aqui:


Os portugueses sem dinheiro, os pobres e os desempregados, são convidados a emigrar. Os estrangeiros endinheirados - os da classe ociosa e super-rica - são convidados a residir em Portugal. Temos residências de luxo, campos de golfe e um céu quase sempre azul, mesmo no Inverno. Tudo no Allllllllgarve.

Decididamente, este país não é para portugueses.

domingo, fevereiro 19, 2012

Rumos e acontecimentos

Nos momentos de crise, de verdadeira crise, existem dois tipos de pessoas que se distinguem quanto às decisões que tomam e às acções que empreendem, em função da análise que realizam da sua circunstância ou, se quisermos, da realidade: as que pressentem, ou percebem antecipadamente, para onde os acontecimentos as poderão levar, e as que acabam por ser levadas pelos acontecimentos.

quarta-feira, novembro 02, 2011

Economias!

Para a social-democracia, que governa sozinha em vários grandes países europeus, a política é a economia; a economia são as finanças; e as finanças são os mercados.

Ignacio Ramonet, Guerras do Século XXI, Campo das Letras. 2ª ed. 2003. pág. 39.

E daqui recuamos cerca de 140 anos, ao criticado partido reformista por Eça de Queirós, nas suas Farpas. Aquele partido, segundo Eça de Queirós, respondia invariavelmente a todas as questões que lhe colocavam, com uma única palavra: “Economias!”


- Senhor – disseram [questionando o partido reformista]-, espalharam-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?

- Economias! – disse com voz potente o partido reformista.

Espanto geral.

- Bem! E em moral?

- Economias! – bradou.

- Viva! E em educação?

- Economias! - roncou.

- Safa! E nas questões de trabalho?

- Economias! – mugiu.

- Apre! E em questões de jurisprudência?

- Economias! – rugiu.

- Santo Deus! E em questões de literatura, de arte?

- Economias! – uivou.

Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada.

Eça de Queirós (1871) , Uma Campanha Alegre. Edição Livros do Brasil. Lisboa. Pág. 39-40.

***

O terror a que Queirós se referia não é mais do que o horror económico que agora nos assola. Somos hoje governados por uma espécie de partido reformista à Queirós, ao qual parece faltar “um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc.” Os que nos governam submetem toda a sua política a um único fim: “Economias!”

Economias e mercados!

quinta-feira, outubro 13, 2011

De buraco em buraco até ao buraco final

Por que razão não estamos surpreendidos com estas políticas austeras, esta noite anunciadas pelo primeiro-ministro? Eles, os que agora nos governam, precisam sempre de arranjar mais buracos, buracos aos pinguinhos, para ir justificando o assalto persistente ao bolso de quem trabalha, mês após mês, ano após ano. Precisam criar uma situação de excepção para fazer leis de excepção, leis que vão contra as leis que, quotidianamente, têm enquadrado o funcionamento da nossa sociedade até aqui: suprimem o subsídio de férias e de Natal por dois anos, aumentam por decreto o horário de trabalho e baixam salários, tudo sem atender à concertação social, por exemplo. Uma paródia.

A situação de crise, que não foi criada por quem trabalha honestamente, mas sim por aqueles que especulam nos mercados bolsistas, serve agora para justificar tudo. E assim, escudados nos buracos que eles mesmos (governantes) criaram, através da gestão ruinosa da coisa pública, e nos ditames da troika, vão sendo mais troiquistas que a troika, e vão fazendo valer a sua agenda neoliberal, que nos vai conduzindo numa espiral de empobrecimento até ao horror económico e social.

Mas então, é agora, acreditam eles cegamente, agora é que a economia vai (qualquer caloiro de economia sabe aonde estas medidas governamentais nos irão conduzir). Mas enfim, preparemo-nos para o pior, aguardando que aconteça…o pior, porque é o pior que aí vem.

Esperem, oiço risos: parece que é Sócrates a rir, lá de Paris.

sexta-feira, outubro 07, 2011

As sugestões do economista Campos e Cunha

Estou farto de economistas, em particular, de economistas como o senhor Doutor Campos e Cunha. Esses economistas que teimam em considerar o trabalho como um fim e não como um meio. Propõe o dito economista que se abulam alguns feriados, que se reduzam as férias e que se trabalhe mais umas horas semanais. Mas já não propõe que, nesse caso, se deva remunerar o trabalho na devida proporção. Propõe então o Sr. Doutor Campos e Cunha que se desvalorize o trabalho porque, de acordo com a sua sugestão, se passará a trabalhar mais tempo, recebendo o mesmo vencimento. Ora não me parece que o trabalho de hoje valha menos que o trabalho de ontem, mas o que o Sr. Doutor Campos e Cunha sugere é que se pague menos pelo mesmo trabalho (ou dito de outra forma, que se trabalhe mais, pela mesma remuneração). Ora para onde vai então o valor das horas adicionais de trabalho, se não for pago ao trabalhador na devida proporção no seu vencimento? Parece que aquilo que o Sr. economista, Doutor Campos e Cunha propõe, tem um nome: exploração!

Sugestões dessas, não muito obrigado.

Estará ele nessa disposição? Estará disposto a vender o seu trabalho por menos dinheiro? Porque não segue então as suas próprias sugestões, e se priva dos feriados, das férias e trabalha mais umas horas, pela mesma remuneração?

quinta-feira, abril 07, 2011

Ai, ai, ai, o FMI

Ora como aí vem o FMI mais o FEEF e etc. e os portugueses estão deveras preocupados, como se pode atestar pela debandada pascal para os hotéis do Algarve, repõe-se aqui, mais uma vez, o postal alusivo ao estado de espírito dos portugueses, sempre marcado pela extrema apreensão face ao futuro próximo. Cá vai:

Pieter Bruegel "o Velho", A Dança do Casamento (c. 1566)

terça-feira, março 08, 2011

A “deolindalização” de uma geração ou Da dificuldade dos recém-licenciados em arranjarem emprego

Há uns anos atrás, o então Ministro da Educação, David Justino, avisou que as portas do Ensino iriam fechar-se. Avisou que haviam demasiados professores e que era preciso reduzir o número de entradas nessa profissão. Posteriormente, Sócrates prossegue nessa via, tentando limitar ao máximo o acesso à profissão por novos candidatos, chegando a introduzir mecanismos de barragem à entrada da carreira de professor, como a prestação de provas escritas selectivas, e desincentivos, como a retirada da remuneração aos grupos de estágio profissionalizante nas escolas. Simultaneamente, promovia-se a política baseada no princípio de “por cada duas saídas da função pública, apenas uma entrada”. Os sinais estavam portanto aí para quem os quisesse ver.

O Ensino nas escolas básicas e secundárias deixou de funcionar como válvula de escape para as “fornadas” de licenciados que todos os anos saíam das universidades e politécnicos. Simultaneamente, o Tratado Bolonha reduziu o período de formação de licenciados de 4 anos para 3, ou seja, num curto período o número habitual de licenciados à saída das universidades aumentou consideravelmente, quando se reduziam as oportunidades de trabalho no sector Estado.

O resultado está à vista agora em 2011: a “deolindalização” de uma geração.

sábado, maio 08, 2010

A boa sociedade

«Numa boa sociedade um homem deve (1) ser útil, (2) estar o mais protegido possível contra o infortúnio não merecido, (3) ter oportunidade de livre iniciativa por todos os meios não prejudiciais aos outros.»

Bertrand Russel, O Impacto da Ciência na Sociedade, 1967

quarta-feira, novembro 18, 2009

O autoritarismo democrático


«It would be a serious mistake to underestimate the degree to which the modern state has been weakened with respect to its material room for manoeuvre and its democratic qualities, but at the same time has been newly empowered with respect to authoritarian possibilities of action. The potential for achieving consensus in a democratic manner is diminishing. However, the state’s capacity to enforce decisions – the combined operation of force, law and information technological control internally – is being modernized and increased. In other words, it has become possible to compensate for the loss of democratic power by authoritarian means – while preserving the democratic facade. That is what is meant by democratic authoritarianism.»

BECK, Ulrich (2002), “The Cosmopolitan Society and its Enemies”, Theory, Culture & Society, Vol. 19 (1-2), SAGE, p. 40-41.

Séculos de Santa Inquisição e décadas de Estado Novo persecutório e pidesco, deixaram marcas na nossa sociedade. No código genético de muitos indivíduos e instituições está inscrita a propensão para a delação. Alguns de nós comprazem-se por isso em observar e escutar o próximo, com um prazer quase voyeurista.

Quando esses indivíduos se instalam em instituições públicas que devem zelar pela segurança dos cidadãos, passam a dispor de uma parafernália tecnológica moderna, orientada para a vigilância e controlo e são tentados, muitas vezes, a transgredir as suas competências utilizando esses meios para obterem informação privilegiada e poder. Qualquer cidadão, desde o homem da rua ao Presidente, pode ser alvo de escuta e vigilância por esses indivíduos, ao abrigo das instituições que é suposto servirem, a coberto de muito boas intenções. Compreende-se as desconfianças do Presidente e do Procurador acerca das possíveis escutas e espionagens nos seus gabinetes, dos seus telefones e computadores. Afinal, quem controla quem?

Segundo Beck (2002), tornou-se possível compensar a perda de poder democrático do Estado, através da utilização de meios autoritários ao seu dispor, mantendo-se a fachada democrática. Parece que já estamos a viver essa realidade neste país.

segunda-feira, outubro 13, 2008

A quem servem os que nos governam?

Em primeiro lugar, servem-se a eles mesmos: servem depois os seus partidos, o que significa que servem os financiadores da sua política e das suas campanhas eleitorais, grupos que detêm o poder económico e financeiro, grupos de interesses que, não estando no poder político, o querem condicionar, de forma a que se mantenha o status quo que assegura a sua dominância na sociedade.

O Estado e a intervenção pública nunca se opuseram à especulação financeira. Raramente o Estado protegeu o interesse da maioria dos cidadãos, sempre que este se confrontou com os interesses de poderosos grupos financeiros, dos especuladores e das multinacionais.

Após as eleições, rapidamente são esquecidas as promessas eleitorais e quem governa passa a decidir de acordo com os interesses dos poderosos que os apoiaram ou financiaram o seu partido na campanha eleitoral.

Os governos exigiram durante anos consecutivos, sacrifícios aos eleitores, aos contribuintes, preocupados, diziam, com a contenção do deficit orçamental. As suas políticas, diziam, eram principalmente determinadas pela preocupação em conter a despesa pública. Os serviços públicos deterioraram-se, alguns encerraram, outros perderam qualidade. Os serviços privados aproveitaram essa perda de qualidade para conquistarem novos mercados. E eis que, ao primeiro tropeção do sistema financeiro, à primeira aflição dos lucrativos bancos, chovem milhões de euros em seu apoio. O Estado português garante-lhes agora milhões, mais concretamente, 11,7% do PIB nacional! Aparecem milhões, como quem tira magicamente coelhos de uma cartola!

Os milhões de euros que vão ser injectados no mercado moribundo, para agrado dos especuladores, poderiam ter melhor aplicação: por exemplo, na construção de escolas, hospitais, estradas, formação e qualificação profissional, melhoria dos serviços públicos em geral, apoio aos desempregados, idosos e deficientes, no combate à pobreza, na melhoria do ambiente, na investigação científica, na redução da dependência energética, etc.

Em vez disso, apoiam-se os bancos e os especuladores financeiros.
Afinal, a quem servem os que nos governam?!

segunda-feira, outubro 06, 2008

No money, no trust!

Afadigam-se os políticos em manter ou elevar a confiança dos consumidores. São agora cautelosos nas palavras, não vá a confiança resvalar. Estão a esquecer-se do essencial: a confiança dos consumidores é directamente proporcional ao volume das suas carteiras. Palavras, leva-as o vento.

Não existem consumidores confiantes, sem dinheiro. Não existem consumidores confiantes, com o desemprego no horizonte. Não existem consumidores confiantes, com trabalho precário. A confiança atinge-se com estabilidade e segurança, seja no trabalho, seja na vida.

As políticas prosseguidas até aqui minaram os fundamentos da confiança e conduziram-nos à actual crise. Grassa a desconfiança na economia, nos políticos e nos partidos. Tenhamos esperança em que a desconfiança não se instale em relação à democracia e à liberdade.

domingo, março 09, 2008

Manifestação

Pelas reacções dos governantes parece que uma manifestação da magnitude da dos professores já não basta. Perderam o respeito à rua.

Pelos vistos é preciso uma manifestação a lembrar as de Maio de 68, onde aos professores se juntariam os estudantes, os enfermeiros, os funcionários públicos, os operários, os descontentes com a política da saúde, os descontentes com a situação da justiça, os pobres e os sem abrigo, os desempregados e os endividados, os idosos e os marginalizados, enfim, uma manifestação com todos os descontentes deste mundo, e em particular, os descontentes com este neoliberalismo que nos sufoca.

Uma manifestação de fazer tremer a terra inteira, para que eles, os políticos que nos governam, tremam também. Uma Manifestação.

Por favor, não nos façam vir para a rua gritar.

segunda-feira, dezembro 31, 2007

Sobre 2008

O silêncio e a incerteza assolam os nossos dias. Fica em branco a página das previsões para 2008. Atravessamos uma era de crises a nível mundial e nacional, logo, uma era de mudança e de incertezas. O mundo atravessa várias crises: crise social, crise ecológica, crise e reestruturação dos Estados, crise do Welfare State, riscos associados à globalização, crise das democracias…Crise da Civilização Ocidental e da Humanidade…

Em Portugal temos crise na economia, na educação, na saúde, na segurança, e de forma estrutural, na justiça, o que significa que é a democracia que está em crise. O momento é portanto, de desencanto. Não sabemos onde vai desaguar este rio. Há quem lhe augure um triste fim. A decadência é propalada por velhos intelectuais, e opinion makers. Neles esse potente narcótico da esperança, já não produz qualquer efeito. Onde reside a esperança?

Uma sombra vai cobrindo o nosso país, lenta e inexoravelmente.

Os recursos financeiros ao dispor do Estado, cada vez mais mal geridos, tornam-se por essa via, cada vez mais escassos. São como um cobertor que se torna pequeno demais para tapar todas as necessidades do país. Assim os recursos são empregues prioritariamente na endividada capital, em particular no seu centro, onde residem o poder político e o poder económico, mas onde vivem cada vez menos pessoas. O resto do país é cada vez mais preterido, e o Interior, deixado ao abandono e aos velhos sem esperança.

Fala-se no crescimento económico enquanto desígnio, mas omite-se que pode haver crescimento económico com aumento do desemprego. Fala-se na criação de emprego enquanto desígnio, mas esquece-se a qualidade do emprego. Pode ser criado emprego, precário, ou seja, desemprego a prazo. Fala-se na qualificação dos portugueses, mas a preocupação é estatística. Qualifica-se sem preocupação com a qualidade. É preciso qualificar depressa…É preciso mostrar resultados. Foram exigidos resultados! Que resultados? Onde está o Desenvolvimento?

Como pretendemos reduzir o número de pobres que se avoluma? Como tencionamos reduzir o número de desempregados? Como vamos reduzir as desigualdades na distribuição da riqueza e as disparidades regionais?

O silêncio e a incerteza assolam os nossos dias. Fica em branco a página das previsões para 2008.

Etiquetas