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domingo, setembro 01, 2019

A cultura do “foda-se”

Top de vendas de livros não ficção, segundo o Expresso, 31 de Agosto de 2019:

A Arte Subtil de Saber Dizer que se Foda
Está tudo Fodido

(…)

E, atenção atenção, vem aí o Des Foda-se, Saia da sua Cabeça, Entre na sua Vida, promessa de vendas e receitas chorudas, a caminho de um futuro top 10.

A compra por impulso vinga.

***

Primeiros versos da canção “Norman Fucking Rockwell”, do recém lançado álbum Norman Fucking Rockwell!! da seráfica melodramática Lana Del Rey:


Goddamn, man-child
You fucked me so good that I almost said, "I love you"


Profundo!

Até o amor (o que é isso?) se rende ao fuck.


***

O escândalo morreu (já ninguém se escandaliza) e no entanto o escândalo vende. As editoras e os autores sabem-no.

Miguel Esteves Cardoso (O Amor é Fodido, Como é Linda a Puta da Vida) sabia disso muito bem; José Saramago (O Evangelho segundo Jesus Cristo) sabia disso muito bem; Salman Rushdie (Versículos Satânicos) sabia disso muito bem.

Escandalizaram muita gente, venderam muito por isso, mas não só por isso.

sexta-feira, setembro 16, 2016

Colher nos campos do saber

Cícero inventou o conceito de «cultura», ainda hoje válido, ao comparar o cultivo da alma com o cultivo dos campos e, para ele, era óbvio que a literatura era a melhor maneira de cultivar o campo da alma.

Em ambos os campos, o cultivo faz-se porque há a perspectiva de crescimento. Por consequência, ler é como colher nos campos do saber.


Peter Sloterdijk, Morte Aparente no Pensamento, Relógio D’Água, 2014 , pág. 72.

***

Dos distantes campos romanos brotou a palavra “cultura”. Marcus Tullius Cícero (106 a.C. – 43 a.C.) foi quem lhe deu nome. O nome que ainda lhe damos.

domingo, setembro 02, 2012

Civilização e barbárie


George Steiner, mais do que uma vez, questiona-se e questiona-nos: como foi possível que as universidades, os museus, os teatros, as bibliotecas, os centros de investigação, as ciências e as humanidades, tenham prosperado na proximidade dos campos de concentração? Como foi possível que tal grau de civilização tenha convivido, lado a lado, com tal grau de barbárie?

Pois bem, quem se passeia pelo Palatino, pelos Fora Imperiais e pelo Coliseu, esse colosso inaugurado em 80 d.C. com pompa e circunstância - 100 dias de circo ininterrupto, com a chacina espectacular de todo o tipo de bichos e depois cristãos – não deixa de se colocar a mesma questão. Como foi possível que a mesma civilização que produziu um Virgílio, um Séneca, um Cícero, entre muito outros gigantes, tenha produzido aquilo? O Coliseu não era um campo de concentração, não era uma fábrica de morte, é certo, mas não deixava de ser um circo de morte, onde a chacina se convertia em espectáculo. De lembrar ainda que o Coliseu não era único - era o maior de muitos circos espalhados pelas cidades do Império.

Por baixo da fina película de civilização daquela época escondia-se uma civilização esclavagista e sanguinária que não permitia quaisquer veleidades aos escravos e muito menos aos escravos revoltosos – 6 000, comandados pelo revoltoso Spartacus, foram crucificados ao longo da via Ápia, só para dar o exemplo.

Analisando as histórias do mundo, assim como o mundo no presente, não nos deixamos de questionar: que estranha correlação é essa entre a civilização e a barbárie? Será que um elevado grau de civilização tem sempre de conviver com um elevado grau de barbárie? Tem de ser mesmo assim?

A decadência da cultura


Há muito que se ouvem lamentos oriundos de vários quadrantes, anunciando a decadência da cultura ou até o fim de um certo tipo de cultura. O primeiro que ouvimos foi o de Alexis de Tocqueville, esse aristocrata que percorreu a América nos tempos da jovem democracia e que, perspicazmente, observou: “A democracia não somente faz estender o gosto pelas letras às classes industriais; ela introduz o espírito industrial no seio da literatura.» Progressivamente, o espírito industrial e mais tarde, o comercial, invadiu todas as áreas da cultura, tendo contribuído para o seu ocaso. Hoje é o mercado que determina o que se constitui como um “valor” no campo cultural. Este facto resultou numa completa inversão de valores e numa cultura comercializada e massificada, nivelada por baixos padrões de qualidade.


Lamentos pela decadência da cultura (entradas por ordem cronologica):

Ortega y Gasset, José (1934), El Tema de Nuestro Tiempo

Theodore Adorno, Max Horkheimer (1944), “The culture industry: Enlightenment as mass
deception” in Gunzelin Schmid Noerr (ed.), Dialectic of Enlightenment: Philosophical Fragments, pp. 94–136

T. S. Eliot (1948), Notes Towards the Definition of Culture [Notas para uma Definição de Cultura. Edições Século XXI, 1996]

Guy Debord (1967), La Société du Spectacle [A Sociedade do Espectáculo. Antígona, 2012]

George Steiner (1971), In Bluebeard’s Castle. Some Notes Towards the Redefinition of Culture. [No Castelo do Barba Azul. Algumas notas para a redefinição de cultura, Relógio D’Água, 1988]

Allan Bloom (1987), The Close of the American Mind [A Cultura Inculta: Ensaio sobre o declínio da Cultura Geral, Publicações Europa-América, 1987]

Jacques Barzun (2000), From Dawn to Decadence: 500 Years of Cultural Triumph and Defeat. 1500 to Present [Da Alvorada à Decadência. De 1500 à Actualidade. 500 Anos de Vida Cultural do Ocidente, Gradiva, 2003]

Mário Vargas Llosa (2012), La Civilizatión del Espectáculo


[A lista irá sendo acrescentada, à medida que novas leituras sobre o assunto o justifiquem. No prelo: Ortega y Gasset (1925), La  deshumanizacion del arte]

sexta-feira, agosto 31, 2012

Llosa, sobre o sexo e o erotismo


«No domínio do sexo a nossa época experimentou transformações notáveis, graças a uma progressiva liberalização dos antigos preconceitos e tabus de carácter religioso que mantinham a vida sexual dentro de um cerco de proibições. Neste campo, sem dúvida, o mundo ocidental tem sofrido progressos com a aceitação das uniões livres, a redução da discriminação machista contra as mulheres, os gays e outras minorias sexuais que pouco a pouco vão sendo integradas numa sociedade que, por vezes a contragosto, começa a reconhecer o direito à liberdade sexual entre os adultos. Ora bem, a contrapartida desta emancipação sexual tem sido, também, a banalização do acto sexual, que para muitos, sobretudo nas novas gerações, se converteu num desporto ou passatempo, uma tarefa compartilhada que perdeu importância, e por acaso menos que a ginástica, a dança e o futebol. Talvez seja saudável, em matéria de equilíbrio psicológico e emocional esta frivolização do sexo, ainda que nos deveria levar a reflectir no facto de que, numa época como a nossa, de notável liberdade sexual, inclusive nas sociedades mais abertas, não tenham diminuído os crimes sexuais, e por acaso até, tenham aumentado. O sexo light é o sexo sem amor e sem imaginação, o sexo puramente instintivo e animal. Desafoga uma necessidade biológica, mas não enriquece a vida sensível nem emocional, nem estreita a relação do par mais do que a “mistura” carnal; em vez de libertar o homem e a mulher da solidão, passado o acto peremptório e fugaz do amor físico, devolve-os a ela com uma sensação de fracasso e frustração.
O erotismo desapareceu, ao mesmo tempo que a crítica e a alta cultura. Porquê? Porque o erotismo, que converte o acto sexual em obra de arte, é um ritual que a literatura, as artes plásticas, a música e uma refinada sensibilidade impregnam de imagens de elevado virtuosismo estético, é a negação de esse sexo fácil, expeditivo e promíscuo no qual paradoxalmente desembocou a liberdade conquistada pelas novas gerações.»

Mario Vargas Llosa, La Civilizatión del Espectáculo, 3ª ed., Alfaguara, 2012, pág. 52-53
(traduzido por AMCD)

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