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segunda-feira, outubro 24, 2022

Partidas

 

Adriano Moreira (1922-2022)


Sem dúvida, é um dos nossos melhores que parte. Um venerando sábio.

terça-feira, julho 29, 2014

Neoliberalismo e impostos

Vivemos numa espécie de neoliberalismo que começou a ganhar o Ocidente e que se tornou extremamente agudo depois da queda do muro de Berlim – e que é muito confundível com o neo-riquismo -, e que, atacado pela crise em que estamos, se transformou num neoliberalismo repressivo, com a multiplicação de impostos, de restrições, etc. Sou contra o neoliberalismo repressivo.”

Adriano Moreia, entrevista ao Jornal “i”, 26 de Julho de 2014

O neoliberalismo é para muitos fundamentalistas de mercado uma palavra proibida. Isso não existe, dizem eles, confundindo liberalismo com neoliberalismo. Que estamos a ver gigantes onde só existem moinhos de vento. Que tal dogma, tal como o consideramos, é incompatível com os aumentos de impostos.

As palavras do Professor Adriano Moreira devem ter feito muita gente arrancar os cabelos do cocuruto, ou rasgado as vestes, vindas de quem vieram.

Os fundamentalistas de mercado fingem não saber que a política fiscal, se for conduzida de acordo com o dogma neoliberal, contribui não para uma justa redistribuição da riqueza, mas sim, para uma injusta concentração da riqueza, amplificando ainda mais as imperfeições do funcionamento do capitalismo, em vez de o regular, aumentado as desigualdades sociais em vez de as estreitar. É o que está a ocorrer actualmente, com o neoliberalismo repressivo “que começou a ganhar o Ocidente”. Alarga-se a base tributária, e, como num funil invertido, concentra-se a riqueza, através da condução dos rendimentos colectados aos contribuintes, fiscalmente assaltados, para os bolsos de uma minoria de credores usurários da alta finança internacional. Se não, como explicar o facto de ao enorme aumento de impostos corresponder uma degradação generalizada dos serviços públicos e a desactivação de muitos outros? Se pagamos mais impostos, então deveríamos ser melhor servidos, ou não é assim?

A actual política fiscal é injusta, pois tira a muitos para dar a poucos. Estamos colocados perante uma injustiça fiscal, para não lhe chamar um assalto.

segunda-feira, julho 28, 2014

Tolerância e respeito

A questão da Rússia está a mostrar que o diálogo entre culturas não deve ser baseado na tolerância, mas sim no respeito. A tolerância só é precisa para aquilo de que não gostamos.”

Adriano Moreia, entrevista ao Jornal “i”, 26 de Julho de 2014

Grande Adriano! Daqui lhe tiro o meu chapéu.

Assim é, até nas relações pessoais. Pergunte-se o leitor: se prefere ser tolerado ou respeitado, não podendo escolher as duas?

Aqui preferimos ser respeitados, acima de tudo, ainda que não nos tolerem. E para sermos respeitados é preciso darmo-nos ao respeito. E como é essa história de nos darmos ao respeito? É simples. Miguel Esteves Cardoso, coloca esta questão muito claramente numa obra sua:

Para haver respeito, temos de nos fazer respeitar. Tem de ficar tudo dito e exprimido…

Miguel Esteves Cardoso, Como é Linda a Puta da Vida, Porto Editora, 2013, pag. 34

Tem de ficar tudo dito e exprimido.

O respeito é um valor mais elevado que a simples tolerância, e portando deve ser ele a reger o diálogo, entre culturas e entre pessoas. E nesse diálogo, tudo tem de ficar dito e exprimido.

A entrevista de Adriano é rica e pedagógica. Votaremos a falar dela.

sábado, janeiro 12, 2013

Sob protectorado. Estaremos preparados para o imprevisto na Era da incerteza?

O Professor Adriano Moreira à Antena 1, AQUI e AQUI:

«Neste momento eu julgo que a confusão ideológica é muito grande, porque o futuro é muito incerto, em relação ao mundo Ocidental, sobretudo, e adivinhar o que é que vai ser o futuro é absolutamente impossível. Ninguém pode fazer juízos de probabilidade. Fazer juízos de possibilidade é uma audácia, portanto, temos sempre de estar preparados para que aconteça a outra coisa. E, a impressão que eu tenho, neste momento, é que nós estamos, sobretudo em relação a esse partido [PSD], num momento em que, tendo ele tido sempre uma pluralidade de orientações, porque foi um partido sempre bastante plural… a impressão que me dá, é que neste momento é que, o acento tónico é neoliberal. É um neoliberalismo que é implacável, nas circunstâncias em que nós estamos, e que por isso mesmo está a acontecer-nos que essa ideologia liberal, que me parece evidente, é acompanhada de uma atitude repressiva que como que redefine o liberalismo que está a ser aplicado. [Repressiva] no sentido em que muitas concessões de autoridade não são propriamente aquelas que são previstas na racionalidade constitucional, designadamente na área fiscal, que está a acontecer, e também o facto da proeminência das sanções económicas para corresponder a uma questão que parece ser a questão estratégica mais evidente do governo, que é o orçamento.

Bom, e isto ainda não é seguro que corresponda a uma tendência que se torna dominante. Noutros partidos também é assim: o CDS também tinha tendências que variaram no tempo, estou só a responder à pergunta, não estou a dizer que é específico. Mas é numa circunstância em que eu julgo que o país está em regime de protectorado. E quando o país está em regime de protectorado as orientações estão muito subordinadas a orientações que não domina, que são, mesmo que sejam compromissos – antigamente dizia-se, foi forçado mas quis - e realmente há um condicionamento por a chamada troika que tem reflexos que a meu ver são preocupantes, designadamente a tendência que há, nalguns lugares, intervenções para tratar a Constituição como se fosse uma lei ordinária. Isso acontece nos protectorados porque quem dá a orientação é quem tem o poder da protecção, não é a Constituição do país. Nós tivemos uma grande experiência de protectorados, não estou a dizer que o modelo é o mesmo, do passado, mas temos que usar palavras que sejam inteligíveis e a palavra inteligível para mim neste momento é esta, e essa orientação que vem desta dependência internacional é evidentemente neoliberal acompanhada de uma atitude repressiva nesse sentido que lhe estou a dizer.

(…)

A fome não é um dever constitucional.

(…)

Nós arriscamo-nos a passar o limite da paciência, sobretudo da devoção, porque todo esse sacrifício da população é devoção cívica ao seu país, e há limites para tudo.»

***

O Professor Adriano Moreira, muito mais que um homem esclarecido é um homem esclarecedor. Uma voz sempre a escutar com atenção.

Venham agora dizer-nos que vivemos numa Era onde a ideologia se encontra ausente, ou que o neoliberalismo é um unicórnio. Nada mais falso. Se a nossa vida está hoje lançada na incerteza e na insegurança, a responsabilidade é em grande parte desses que se guiam por essa doutrina neoliberal e que nos governam guiados por ela. Os ordoliberais que dominam a Zona Euro, por seu lado, mais não fazem do que impor as suas políticas aos que se puseram a jeito, aos que imploraram, aos países que se tornaram seus protectorados pela acção de políticos governantes incompetentes e desprovidos de inteligência e visão.

sábado, dezembro 15, 2012

As fronteiras oscilantes da pobreza

         © AMCD

«Há, e sempre houve uma Europa rica e uma pobre, mas a fronteira que as divide tem mudado ao longo dos séculos. Ainda não há muito tempo, o litoral mediterrânico e o seu interior urbano, de Marselha até Istambul, contavam-se entre as regiões mais prósperas da Europa. Em contraste, as terras escandinavas foram pobres durante uma grande parte da sua história. Com algumas excepções notáveis, hoje é o contrário.»

Tony Judt, Uma Grande Ilusão? Um ensaio sobre a Europa. Edições 70. 2011. P. 62

***

Sempre estivemos no limite oscilante entre a pobreza e a riqueza. Mas, quase sempre, do lado da pobreza. Seja à escala europeia, aquela a que Tony Judt se refere, seja à escala mundial, a que Adriano Moreira se refere, na sua obra, Da Utopia à Fronteira da Pobreza. Já fomos os cafres da Europa, quando da Europa não éramos. Na verdade, estávamos no mundo ocupados, fora da Europa, e nos oceanos. Nela desembarcámos em 1986, após uma descolonização apressada (*). Por isso, muitas vezes dizemos que entrámos na Europa. E ao nela desembarcarmos, embarcámos numa utopia da qual vamos agora acordando. Afinal foi tudo um sonho.

Nós, os primeiros dos ocidentais a assomar às exóticas costas de África e aos distantes mares de Timor, retornámos acossados. Rapidamente voltámos à nossa prévia condição de cafres da Europa, mas agora pior, porque nela estamos, tendo perdido já essa liberdade de ser cafres livres onde bem quisermos. Mas nessa viagem, como em todas as viagens, também aprendemos algo. Talvez possamos ainda ensinar alguma coisa aos habitantes desta península da Ásia, que é a Europa, em particular, aos que por cá ficaram, ensimesmados, frios e calados como teutões.



(*) Afinal sempre estivemos numa espécie de jangada de pedra.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Ficar ou partir?


Ninguém pode escolher a terra onde nasce e o povo a que pertence. Ninguém pode aceitar o passado do seu país a benefício de inventário, rejeitando os erros e apropriando os êxitos. Mas escolher ficar é um acto de amor.
Adriano Moreira, Da Utopia à Fronteira da Pobreza. INCM. 2011. Página 82

“Que fazer? Marginalizar-se ou cooperar? «Fugir ou aguentar?»
(…)
Mas importa ver os momentos de verdade nas expressões desta alternativa. A marginalização justifica-se, porque quem tem olhos para ver não quer implicar-se nos cinismos insuportáveis de uma sociedade que perde a distinção entre produzir e destruir. Cooperar justifica-se porque o indivíduo tem o direito de se orientar para a autopreservação a médio prazo. Fugir justifica-se, porque com isso se recusa uma coragem estúpida e só loucos se esgotam em batalhas perdidas se houver espaços de refúgio mais favoráveis à existência. Aguentar justifica-se porque a experiência nos diz que todo o conflito meramente evitado acaba por nos apanhar em qualquer ponto de fuga.”

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica. Relógio D’Água. 2011. Página 168.

(Os negritos em ambas as citações são nossos.)

***

Adriano Moreira repete até à exaustão essa ideia de que ficar é um acto de amor. Di-lo expressamente nas páginas 46, 67, 82, 95 e 173 da obra supra citada. Neste país, que desaproveita os seus recursos físicos e, em particular, humanos, ficar é não só um acto de amor, como um acto de coragem. Mas partir, principalmente nas circunstâncias em que partiu a grande maioria dos emigrantes portugueses, nos anos 60 e no início dos anos 70 do século XX, e também naquelas em que hoje muitos partem, é um acto de coragem que está muito muito longe de ser um acto de desamor. Alguém põe em causa o amor que os cinco milhões dos nossos conterrâneos que vivem lá fora nutrem pelo país natal? Partir, faz parte da nossa condição, aliás, sempre fez (por isso a Saudade cresceu entre nós). “Para nascer, Portugal, para morrer, o mundo”, já dizia o Padre António Vieira.

Salazar, a dada altura, tentou estancar a hemorragia humana que abandonava o país porque precisava da gente que estava a escapar-lhe para a enviar para a Guerra Colonial ou para o Tarrafal. Hoje, estamos perante um Governo igualmente cínico, senão o mais cínico de todos (o cinismo parece ser o traço mais vincado deste Governo), que se aproveita desta nossa condição para oportunamente nos apontar a porta de saída. Só falta dizer-nos expressamente: quem está mal que se mude! E fá-lo-á, depois de nos ter esvaziado os bolsos e o futuro.

domingo, outubro 09, 2011

Um livro: Da Utopia à Fronteira da Pobreza

O mais lúcido e experiente perscrutador português da realidade mundial no campo das relações internacionais, da geopolítica e da situação portuguesa no mundo, entre outras realidades, publicou agora um pequeno livro cuja leitura deveria ser incontornável para todos aqueles que se iniciam no estudo destas coisas e também para os que gostam de dar opiniões fundamentadas na blogosfera e nos media. Podemos não trilhar os mesmos caminhos ideológicos ou políticos, contudo há que reconhecer que Adriano Moreira, agora com a provecta idade de 89 anos, e tendo atravessado vários regimes (ditatorial, democrático) e vários contextos – guerra mundial e colonial, guerra fria, queda do bloco comunista a Leste, ascensão unilateral da hiperpotência americana, decadência da Europa, com os países ditos periféricos do sul a serem agora abrangidos pelo limite abarcador da pobreza do mundo, emergência de novas e velhas potências na primeira década do século XXI – possui um capital de experiência e saber que não se compadece com as leituras ligeiras e superficiais que alguns jovens realizam actualmente sobre Portugal, a Europa e o Mundo. Adriano não é um menino. O livro em causa, sendo uma colecção das mais recentes palestras (à excepção de um artigo de 1973), sintetiza de forma brilhante os conceitos e ideias dos quais o autor se serve para ler o mundo. E que bem ele o lê! Uma voz a ouvir com atenção portanto.

***

Um excerto:


O mundo habitual voltou a desaparecer, e ainda que os rituais do costume permaneçam, as balanças de poder – poder económico, poder financeiro, poder científico, poder militar – individualizam-se de maneira que dificilmente qualquer Estado os poderá ter todos à sua disposição.

(…)

Lembremos que a ciência deu as maiores contribuições para a mudança, a começar, infelizmente, pelo domínio do poder nuclear, mas essa mudança final tem corolários extremamente inquietantes: a população mundial cresce; a distância entre pobres e ricos aumenta; a fome e a má nutrição inquietam; a educação é uma fronteira entre o sul e o norte do mundo; as megapoles caminham para 25 com 7 a 25 milhões de habitantes; poucos países têm acesso aos resultados da investigação científica; a chamada «life industry» apodera-se do património genético da humanidade; mais de cinquenta milhões de refugiados vivem penosamente em refúgios sem condições; o poder da chamada cultura mundial afecta o singular e o universal, de tal modo que a queda do antigo domínio do mundo alimentou neste campo a tese do choque de civilizações; os ocidentais dividem-se sobre o tipo de ordem no mundo (europeísmo versus americanismo); a disseminação de armamentos, potenciada pela privatização da segurança e da guerra, cresce; as finanças e a economia, livres de poderes reguladores, conduziram ao desastre económico e financeiro que todo o globo enfrenta, sem responsáveis assumidos, invocando uma ciência que culpa o sistema, mas não a falta de ética, por esta espécie de caos mundial.

A natureza manifesta a inquietante ira dos Deuses que parecem vingar-se das agressões que o abuso da tecnologia, sem valores, produziu no globo; o nacionalismo defensivo cresce contra a sonhada democracia mundializada; a informação mundial produz opiniões públicas frequentemente sem relação com os factos, e provocando conflitos; as igrejas institucionalizadas vêem diminuir os que afirmaram pertencer-lhes, aumenta todavia um apelo descontrolado às transcendências; a confiança entre governantes e governados é atingida em número excessivo de países, e também atingida gravemente nas sociedades civis ocidentais.”

Adriano Moreira (2011), Da Utopia à Fronteira da Esperança, INCM, 2011. Pág. 75-76.

***

Não esquecemos aqui o facto de Adriano em tempos idos, salvo erro, nos anos 60 do século passado, se ter deslocado ao Brasil para condecorar Agostinho da Silva, que então ensinava na Universidade de Brasília, pela obra feita em terras de Vera Cruz. É que Agostinho da Silva andava, na altura, de candeias às avessas com o Regime, e Adriano era um homem do Regime e, no entanto, foi lá. Fica aqui a minha homenagem, portanto, a homenagem de um simples mortal, mas também com os olhos postos no mundo, a um dos maiores intelectuais vivos do nosso país.

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