O mais lúcido e experiente perscrutador português da realidade mundial no campo das relações internacionais, da geopolítica e da situação portuguesa no mundo, entre outras realidades, publicou agora um pequeno livro cuja leitura deveria ser incontornável para todos aqueles que se iniciam no estudo destas coisas e também para os que gostam de dar opiniões fundamentadas na blogosfera e nos media. Podemos não trilhar os mesmos caminhos ideológicos ou políticos, contudo há que reconhecer que Adriano Moreira, agora com a provecta idade de 89 anos, e tendo atravessado vários regimes (ditatorial, democrático) e vários contextos – guerra mundial e colonial, guerra fria, queda do bloco comunista a Leste, ascensão unilateral da hiperpotência americana, decadência da Europa, com os países ditos periféricos do sul a serem agora abrangidos pelo limite abarcador da pobreza do mundo, emergência de novas e velhas potências na primeira década do século XXI – possui um capital de experiência e saber que não se compadece com as leituras ligeiras e superficiais que alguns jovens realizam actualmente sobre Portugal, a Europa e o Mundo. Adriano não é um menino. O livro em causa, sendo uma colecção das mais recentes palestras (à excepção de um artigo de 1973), sintetiza de forma brilhante os conceitos e ideias dos quais o autor se serve para ler o mundo. E que bem ele o lê! Uma voz a ouvir com atenção portanto.
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Um excerto:
“O mundo habitual voltou a desaparecer, e ainda que os rituais do costume permaneçam, as balanças de poder – poder económico, poder financeiro, poder científico, poder militar – individualizam-se de maneira que dificilmente qualquer Estado os poderá ter todos à sua disposição.
(…)
Lembremos que a ciência deu as maiores contribuições para a mudança, a começar, infelizmente, pelo domínio do poder nuclear, mas essa mudança final tem corolários extremamente inquietantes: a população mundial cresce; a distância entre pobres e ricos aumenta; a fome e a má nutrição inquietam; a educação é uma fronteira entre o sul e o norte do mundo; as megapoles caminham para 25 com 7 a 25 milhões de habitantes; poucos países têm acesso aos resultados da investigação científica; a chamada «life industry» apodera-se do património genético da humanidade; mais de cinquenta milhões de refugiados vivem penosamente em refúgios sem condições; o poder da chamada cultura mundial afecta o singular e o universal, de tal modo que a queda do antigo domínio do mundo alimentou neste campo a tese do choque de civilizações; os ocidentais dividem-se sobre o tipo de ordem no mundo (europeísmo versus americanismo); a disseminação de armamentos, potenciada pela privatização da segurança e da guerra, cresce; as finanças e a economia, livres de poderes reguladores, conduziram ao desastre económico e financeiro que todo o globo enfrenta, sem responsáveis assumidos, invocando uma ciência que culpa o sistema, mas não a falta de ética, por esta espécie de caos mundial.
A natureza manifesta a inquietante ira dos Deuses que parecem vingar-se das agressões que o abuso da tecnologia, sem valores, produziu no globo; o nacionalismo defensivo cresce contra a sonhada democracia mundializada; a informação mundial produz opiniões públicas frequentemente sem relação com os factos, e provocando conflitos; as igrejas institucionalizadas vêem diminuir os que afirmaram pertencer-lhes, aumenta todavia um apelo descontrolado às transcendências; a confiança entre governantes e governados é atingida em número excessivo de países, e também atingida gravemente nas sociedades civis ocidentais.”
Adriano Moreira (2011), Da Utopia à Fronteira da Esperança, INCM, 2011. Pág. 75-76.
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Não esquecemos aqui o facto de Adriano em tempos idos, salvo erro, nos anos 60 do século passado, se ter deslocado ao Brasil para condecorar Agostinho da Silva, que então ensinava na Universidade de Brasília, pela obra feita em terras de Vera Cruz. É que Agostinho da Silva andava, na altura, de candeias às avessas com o Regime, e Adriano era um homem do Regime e, no entanto, foi lá. Fica aqui a minha homenagem, portanto, a homenagem de um simples mortal, mas também com os olhos postos no mundo, a um dos maiores intelectuais vivos do nosso país.
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