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terça-feira, agosto 18, 2020

Território


Os homens têm olhado para o deserto como uma terra estéril, terreno livre para quem o quiser atravessar; mas, efectivamente, cada colina, cada vale do deserto tinham alguém que era o seu dono reconhecido e que seria capaz de defender imediatamente o direito da sua família, do seu clã a esse deserto, contra as transgressões. Até mesmo os poços e as árvores tinham os seus donos, que permitiam às pessoas que usassem as segundas como madeira e bebessem livremente dos primeiros, tanto quanto necessitassem, mas que imediatamente reprimiriam quem tentasse tomar conta da sua propriedade e explorá-la a ela ou aos seus produtos com outros, para benefício particular.  

T.E.Lawrence, Os Sete Pilares da Sabedoria
Publicações Europa-América, 1989, pp. 85-86

Refugio-me no deserto, neste momento particular, mas nem o deserto, descubro, é um espaço de liberdade. A liberdade colide sempre com a propriedade. O território é um espaço apropriado pelo ser, humano ou não humano. O território, na verdade, faz parte do ser. É a nossa circunstância, um prolongamento do corpo ou um espaço sem o qual o corpo definha. Eu sou eu e a minha circunstância (Ortega y Gasset). O território faz parte dessa circunstância que me define.

segunda-feira, agosto 17, 2020

O futuro


O futuro é um caixão. Lamento informá-lo, mas será isso que o aguarda no fim da jornada. Entretanto goze o caminho. E não vale apena chorar ou clamar injustiça. É pessimismo? Os espanhóis dizem que um pessimista é um optimista esclarecido. Mas não há qualquer optimismo aqui. Os dias têm sido negros. Primavera negra, Verão cinzento. "There must be some kind of way out of here", Said the joker to the thief (*). Aguardemos o Outono e o Inverno, com a esperança no horizonte.
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(*) Bob Dylan, All Along the Watchtower, 1967.

terça-feira, agosto 11, 2020

A idolatria da grandeza


O muçulmano deslumbra-se com a grandeza. A frase mais dita e repetida por si reflecte essa idolatria da grandeza: “Alá é grande”. O cristão, por seu lado, deslumbra-se com o amor e com a vida: “Deus é amor”, “Deus é vida”.


Perante Deus, o cristão ajoelha-se, o muçulmano prostra-se.

Omnipotência, omnipresença e omnisciência, traduzem-se numa só palavra para o muçulmano: “grande”. Alá é grande.

terça-feira, julho 28, 2020

Escritos na parede, em Almada


Frases enigmáticas, escritas provavelmente por algum anarquista, de fugida, numa noite muito escura. Frases que nos desafiam de propósito, e, portanto, frases que gostamos de desafiar.

Eis uma das frases:

O futuro é passado no presente

Este “passado” é importante pois pode referir-se ao decorrer, e nesse caso a frase diz-nos que o futuro decorre no presente. Ou pode referir-se tão só ao que já ocorreu, ao tempo antes do presente. E aqui surge um paradoxo: como é que o futuro se pode considerar tempo antes do presente? A frase presta-se a diferentes interpretações e conduz-nos ao paradoxo.

Na verdade, o presente é o futuro do passado. Esta ideia está expressa no excelente livro de Ivan Krastev (2020), O Futuro por Contar, Objectiva, na página 18. Diz ele:

A diferença entre o passado e o presente é que nunca podemos conhecer o futuro do presente, mas já vivemos o futuro do passado.

Eis outra frase que lemos nas paredes, provavelmente escritas pela mesma pessoa, pois a letra era a mesma:

O dinheiro que salva também mata

Por que não o contrário? Ou seja: o dinheiro que mata também salva.

O “também” é de extrema importância na frase, assim como a palavra que surge no fim. Na frase inscrita na parede, o dinheiro é um malvado, pois no fim acaba por matar. Na frase que proponho o dinheiro no fim também salva. Acaba por ser uma visão mais positiva de um meio que é o dinheiro. O dinheiro não tem culpa. O uso que dele se faz é que pode ser questionável. Atirar no dinheiro é atirar ao lado.

Mas ainda assim, as referidas frases inscritas na parede são frases-pontapé. Frases que nos fazem pensar, nos interpelam e desafiam.

Mas como dizia Nanni Moretti: le parole sono importanti!

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