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sábado, setembro 27, 2014

Não-lugares

“Os não-lugares são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e dos bens (vias rápidas, nós de acesso, aeroportos) como os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são arrebanhados os refugiados do planeta. Porque vivemos uma época, também sob este aspecto, paradoxal: no próprio momento em que a unidade do espaço terrestre se torna pensável e em que se reforçam as grandes redes multinacionais, aumenta de volume o clamor dos particularismos; dos que querem ficar só eles na sua terra ou dos que querem voltar a encontrar uma pátria, como se o conservadorismo de uns e o messianismo dos outros estivessem condenados a falar a mesma linguagem: a da terra e a das raízes.”

Marc Augé, Não-lugares, Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, 90º, 2007

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A leitura dos Não-lugares tem sido penosa. O texto é quase intragável. De vez em quando lá aparece um trecho mais inteligível, como o que se cita acima, em que o autor define o conceito de não-lugar. Ao que parece, os não-lugares são sobretudo espaços de trânsito, espaços de circulação e os próprios meios que possibilitam essa circulação. Espaços que rapidamente consumimos e rapidamente descartamos. Espaços de fluxos, de rápida passagem. 

Mas pensando bem, a uma escala mais vasta, a própria Terra - a "nave Terra" que nos transporta - é também um não-lugar! Não está ela, e nós com ela, em trânsito?

Augé refere-se contudo, a um espaço antropológico e não a um espaço astronómico.

quinta-feira, agosto 21, 2014

Notícias da queda

De George Steiner, sobre o pensamento de Claude Levy-Strauss:

A queda do homem não apagou de uma penada todos os vestígios do Jardim do Éden. Os viajantes do século XVIII sucumbiram a uma espécie de ilusão premeditada quando pensaram ter encontrado raças humanas inocentes no paraíso dos Mares do Sul ou nas florestas do Novo Mundo. Mas as suas idealizações tinham uma certa validade. Os homens primitivos, que existiam, por assim dizer, fora da história, seguindo usos sociais e mentais dos primórdios e possuindo uma certa intimidade com as plantas e os animais, encarnavam efectivamente uma condição mais natural. O seu divórcio cultural com a natureza ocorrera evidentemente centenas, milhares de anos atrás, mas fora menos drástico que o do homem branco: em termos mais precisos, os seus usos culturais, os seus rituais, mitos, tabus, técnicas de recolha de alimentos eram calculados para aplacar a natureza, para confortá-la, para viver com ela, para tornar a divisão entre natureza e cultura em algo menos violento, menos dominante.

Ao encontrar estas sombras de vestígio do Éden, o homem ocidental dispôs-se a destruí-las. Massacrou inúmeros povos inocentes. Derrubou as florestas e queimou as savanas. Então, a sua fúria de destruição virou-se para as espécies animais. Uma após outra, foram perseguidas até à extinção ou à sobrevivência factícia dos jardins zoológicos. Esta devastação foi muitas vezes deliberada: era o resultado directo da conquista militar, da exploração económica, da imposição de tecnologias uniformes aos modos de vida autóctones. Milhões pereceram ou perderam a sua identidade e património étnicos. Alguns observadores calculam que, só no Congo, tenham morrido vinte milhões de vítimas desde o início da colonização belga. Linguagens, cada uma das quais codificava uma única visão do mundo, foram cilindradas e lançadas no esquecimento. A garça-real e a baleia foram caçadas quase até à extinção. Muitas vezes, a destruição era acidental ou mesmo devido a benevolência. As dádivas trazidas pelo homem branco – dádivas médicas, materiais, institucionais – mostraram-se fatais para os seus receptores. Como conquistador, explorador ou médico, o homem ocidental trazia sempre a destruição. Aparentemente possuídos por alguma ira arquetípica pela nossa exclusão do Jardim do Paraíso, por alguma recordação torturante dessa desgraça, revirámos a Terra em busca de vestígios do Éden e arrasámo-los sempre que os encontrámos.

George Steiner, Nostalgia do Absoluto, Relógio D’Água, 2003, pp 45-47

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Post scriptum:

O texto supracitado, da autoria de George Steiner, faz parte de um conjunto de palestras que ele proferiu na rádio em 1974. Então não se falava de países emergentes. Hoje, o homem ocidental, o branco de que ele fala, está longe de ser o único a causar a devastação planetária (*). Chineses, hindus, malaios, africanos, enfim, brancos, pretos, amarelos, homens de todas as cores, muito para além do homem branco, caucasiano, devastam alegremente os últimos vestígios edénicos do planeta.

Deixemo-nos de lirismos.

Virámo-nos contra esses vestígios do Éden primordial e contra nós mesmos. No fim, não irá restar pedra sobre pedra.

Nesta visão apocalíptica compreendemos Heidegger que disse um dia numa entrevista que só um deus poderia salvar-nos. O ser humano entregue a si mesmo está perdido, é a ilação que se tira de tudo isto. Trata-se de um voto de desconfiança cruel no ser humano.

Não subscrevemos essa ideia porque não a queremos subscrever. Só a Ciência pode salvar-nos, só o Homem pode salvar-se. É preciso acreditar ainda na Ciência e no Homem. Contra todas as evidências.

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(*) Hoje, o homem ocidental já não é apenas o homem branco caucasiano. Entre as sociedades dos países ocidentais convivem homens de todas as cores.

terça-feira, novembro 03, 2009

Tristes Trópicos


De Claude Lévi-Strauss (1908-2009) retenho a leitura dos Tristes Trópicos no início dos anos 90, no âmbito de um trabalho que tive de realizar para a "cadeira" de Transformações Socioculturais do curso que estava a frequentar. Foi assim que o descobri. Nessa obra narra a viagem que realizou pelo Atlântico para a América do Sul, nos anos 30, e fala dos encontros com os índios e com os borracheiros do Mato Grosso e do regresso à Europa pelo Paquistão. O que observou em Carachi, uma cidade fervilhante de vida, prestes a explodir em agitação, já fazia adivinhar os problemas que afectam o actual Paquistão.

Mais um Mestre que parte. Fica a obra e a nossa homenagem.


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