De George Steiner, sobre o pensamento de Claude Levy-Strauss:

Ao encontrar estas sombras de vestígio do Éden, o homem ocidental
dispôs-se a destruí-las. Massacrou inúmeros povos inocentes. Derrubou as
florestas e queimou as savanas. Então, a sua fúria de destruição virou-se para
as espécies animais. Uma após outra, foram perseguidas até à extinção ou à
sobrevivência factícia dos jardins zoológicos. Esta devastação foi muitas vezes
deliberada: era o resultado directo da conquista militar, da exploração
económica, da imposição de tecnologias uniformes aos modos de vida autóctones.
Milhões pereceram ou perderam a sua identidade e património étnicos. Alguns
observadores calculam que, só no Congo, tenham morrido vinte milhões de vítimas
desde o início da colonização belga. Linguagens, cada uma das quais codificava
uma única visão do mundo, foram cilindradas e lançadas no esquecimento. A
garça-real e a baleia foram caçadas quase até à extinção. Muitas vezes, a
destruição era acidental ou mesmo devido a benevolência. As dádivas trazidas
pelo homem branco – dádivas médicas, materiais, institucionais – mostraram-se
fatais para os seus receptores. Como conquistador, explorador ou médico, o
homem ocidental trazia sempre a destruição. Aparentemente possuídos por alguma
ira arquetípica pela nossa exclusão do Jardim do Paraíso, por alguma recordação
torturante dessa desgraça, revirámos a Terra em busca de vestígios do Éden e
arrasámo-los sempre que os encontrámos.
George Steiner, Nostalgia do Absoluto, Relógio D’Água,
2003, pp 45-47
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Post scriptum:
O texto supracitado, da autoria de George
Steiner, faz parte de um conjunto de palestras que ele proferiu na rádio em
1974. Então não se falava de países emergentes. Hoje, o homem ocidental, o
branco de que ele fala, está longe de ser o único a causar a devastação
planetária (*). Chineses, hindus, malaios, africanos, enfim, brancos, pretos,
amarelos, homens de todas as cores, muito para além do homem branco, caucasiano,
devastam alegremente os últimos vestígios edénicos do planeta.
Deixemo-nos de lirismos.
Virámo-nos contra esses vestígios
do Éden primordial e contra nós mesmos. No fim, não irá restar pedra sobre pedra.
Nesta visão apocalíptica compreendemos
Heidegger que disse um dia numa entrevista que só um deus poderia salvar-nos. O
ser humano entregue a si mesmo está perdido, é a ilação que se tira de tudo
isto. Trata-se de um voto de desconfiança cruel no ser humano.
Não subscrevemos essa ideia
porque não a queremos subscrever. Só a Ciência pode salvar-nos, só o Homem pode salvar-se. É preciso acreditar ainda na Ciência e no Homem.
Contra todas as evidências.
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(*) Hoje, o homem ocidental já
não é apenas o homem branco caucasiano. Entre as sociedades dos países
ocidentais convivem homens de todas as cores.