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domingo, janeiro 06, 2013

Um Estado a construir a sua própria destruição: um Estado paradoxal.

O Professor José Gil, em entrevista à Antena 1,  (AQUI):

Este Governo tem de ser mudado, tem de sair!” (aos 17’55’’)

Durante o salazarismo, nós vivíamos abaixo das nossas possibilidades, depois do 25 de Abril, vivemos acima das nossas possibilidades, agora o que o Estado [o Governo] quer é que nós vivamos de acordo com as nossas possibilidades. Mas como? Reduzindo ao máximo as possibilidades. Não é? Portanto, isto vai ser uma sociedade esquisitíssima, porque nós não vamos ter os meios para querer mais. Abaixam-nos as possibilidades e reduzem o Estado, adaptam o Estado, às possibilidades que são mínimas. Vamos ter um Estado minimal, realmente. Não é o que nós estamos a ter. Nós estamos a ter um Estado que é paradoxal, contraditório, porque ele invade tudo e ao mesmo tempo está a construir a sua própria… está a desmantelar a sua própria estrutura estadual.” (aos 24’55’’)

(os destaques são nossos)

***

Ora bem, parece que o Governo está, face ao Estado, a aplicar o velho conceito schumpeteriano de “destruição criativa”. Já tínhamos percebido: arrasa o Estado para construir um novo à sua medida, um estado neoliberal. Chamam-lhe reestruturação do Estado ou reforma, quando na verdade o destroem e desmantelam. Das suas cinzas nascerão novos amanhãs que cantam, julgarão eles, para usarmos um lugar-comum. São os amanhãs deles. Estamos perante um governo de revolucionários portanto. Pois bem, contra esta revolução, só uma rebelião. Uma rebelião pacífica e democrática. Seremos capazes disso, ou voltaremos a votar nos mesmos de sempre? Esses, os do "arco da governação".(*)

sexta-feira, novembro 02, 2012

O mercado e a Constituição

O mercado e o contrato funcionam exactamente ao contrário um do outro e, de facto são duas estruturas reciprocamente heterogéneas.”

Michel Foucault, Nascimento da Biopolítica, Edições 70, 2010, pág. 342



Sempre que vemos aflorar o desassossego dos neoliberais – esses que querem pôr as leis do mercado a reger as relações sociais - com a Constituição, vem-nos à memória as palavras supra-citadas de Foucault sobre o antagonismo entre o mercado e o contrato. O mercado sempre foi avesso ao contrato e ao plano, e vice-versa. O mercado, ou os mercados, são volúveis, instáveis. Uns dias animam-se para logo de seguida, desanimarem. As cotações bolsistas oscilam, ora subindo, ora descendo, conforme os dias e os ventos que sopram. Nos mercados o lucro é perseguido a curto prazo, pois a longo prazo, dizem, estaremos todos mortos. E na verdade, os que tanto perseguem o lucro querem-no o mais rapidamente possível, pois sabem que mais tarde poderão já cá não estar.

As sociedades são mais lentas na mudança, as instituições apresentam um elevado grau de inércia e as suas próprias regras contratuais ou tácitas, as suas constituições, a Constituição, as tradições, etc. são por sua vez avessas ao funcionamento do mercado auto-regulado (que é o mesmo que dizer desregulado, porque a coisa não se regula a si mesma e por si só, e parece que assim será até ao fim dos tempos, quer queiramos, quer não). Assim, esses que tudo querem ver regido pelas leis do mercado, têm pela frente a inércia das instituições – sejam elas as religiões com os seus feriados religiosos, seja a Constituição, sejam as famílias ou até uma instituição tão simples como a da siesta, aqui na próxima mas não próspera Andaluzia. A Igreja, por exemplo, parece ter só agora percebido que errou ao permitir inscrever na Lei secular a palavra “supressão” dos feriados. Suplica agora, arrependida, ao ver o erro que cometeu - e talvez tarde demais - para que se substitua a palavra “supressão” por “suspensão”. Mas, ainda assim, parece não ter percebido que para os mercados o ideal seria que não existissem quaisquer feriados, santos ou não, e que se suprimissem ainda os sábados e os domingos rituais, e as igrejas, e a Igreja. E podíamos ainda acrescentar a sinagoga e a mesquita e as religiões respectivas e outras, das mais antigas instituições do planeta. A fábrica, a máquina, o mercado, não se compadecem, por exemplo, com suspensões ou paragens, cinco vezes por dia, para que os trabalhadores islâmicos mais devotos possam sair temporariamente para orar a Alá.

***

E isto tudo para dizer que a Constituição é uma espécie de contrato que põe em causa o livre funcionamento dos mercados, em rédea solta, como querem os teólogos do mercado.

segunda-feira, maio 14, 2012

Sobre as declarações de Passos Coelho acerca do desemprego


Qual é a admiração? Ficaram indignados? Chocaram-se com o que ele disse?! Então ainda não sabiam? Passos é um neoliberal e para um neoliberal, um desempregado é apenas um trabalhador em trânsito entre dois empregos? É assim que ele o vê. É assim que eles o consideram. Reduzem o homem a uma dimensão apenas - o homo oeconomicus - quando um homem é muito mais do que isso. Enfim, tudo reduzem à árida economia e às suas leis do mercado.


Mas não somos nós que o dizemos. É Foucault:

«Em particular, a política neoliberal a respeito do desemprego é perfeitamente clara. Numa situação de desemprego, seja qual for a taxa de desemprego, não se deve nele intervir directamente, como se o pleno emprego tivesse de ser um ideal político e um princípio económico a salvar de qualquer maneira. O que se deve salvar, e salvar antes de tudo o mais, é a estabilidade dos preços. (…) Como diz, penso eu, Röpke, o que é o desempregado? Não é um deficiente económico. O desempregado não é uma vítima social. O desempregado é um trabalhador em trânsito. É um trabalhador em trânsito entre uma actividade não rentável e uma actividade mais rentável. E é tudo sobre acções reguladoras.»

Michel Foucault, Nascimento da Biopolítica, Edições 70. Página 183.
(os destaques são nossos)

E é tudo. (É claro que quando Michel Foucault proferiu esta aula no Collège de France, no dia 14 de Fevereiro de 1979, Passos ainda era um mocinho.)

sábado, abril 07, 2012

À espera dos mercados e do crescimento económico


Depois de analisar o ordoliberalismo (o neoliberalismo alemão, o mesmo, dizemos nós, que preside ainda hoje às políticas da U.E. e que está ser imposto aos Estados endividados da Zona Euro) quanto às suas políticas económicas e políticas sociais, Michel Focault conclui o seguinte:


“[Nesta doutrina neoliberal] só existe uma política social verdadeira e fundamental, que é o crescimento económico. A forma fundamental da política social não deve ser uma coisa que contrarie a política económica e que a compense; a política social não deveria ser tanto mais generosa quanto maior é o crescimento económico. O crescimento económico por si só, é que deveria fazer com que todos os indivíduos acedessem a um nível de rendimento que lhes permitisse essas seguranças individuais, o acesso à propriedade privada, a capitalização individual ou familiar, com os quais poderiam proteger-se dos riscos.” (Foucault, 2010: 188)[1]

Ou seja, no neoliberalismo, toda a política social se submete à política económica. Mais: se a política social se situa na dependência do crescimento económico, não devendo ser mais generosa quanto maior for aquele, então, em situações em que não se regista crescimento económico, em situações de recessão, como a que atravessamos, deixa de haver política social ou esta passa a ser muito residual, ou ainda, retrair-se-á. E é o que está a acontecer. Acresce a isto que a política económica, também ela se resume ao crescimento económico e este por sua vez encontra-se na dependência dos caprichos dos mercados nos quais os governos não devem, nem podem interferir, de acordo com a doutrina que defendem. Tudo se resume então ao crescimento económico, ou melhor, aos mercados[2].

Compreende-se agora por que razão se concebeu um Ministério da Economia atomizado em mil e uma secretarias, facilmente bloqueável, assim como, a razão da paralisia que o afecta. Pretende-se que não interfira muito na economia, que não atrapalhe e até que desactive anteriores intervenções (TGV, túneis, ponte sobre o Tejo, aeroporto, escolas, etc.) uma vez que, de acordo com a doutrina dos que nos governam, toda a política económica é (deve ser) ditada pelos mercados e pelas leis da concorrência e não pelos governos. Dos mercados financeiros, por sua vez, depende o crescimento económico. Em suma, como os nossos governantes acreditam que o crescimento económico está longe de depender do Governo, dispensaram a política económica. Ou dito doutra forma: a sua política económica é a ausência de uma política. Estão à espera dos mercados e do crescimento económico. Mais ou menos como a tripulação de um barco na latitude dos cavalos, aguardando desesperadamente que a brisa enfune as velas.


[1] Michel Foucault; Nascimento da Biopolítica. Edições 70. Lisboa. 2010.
[2] Para o ministro Gaspar o crescimento económico surge como a primeira prioridade, quando prioriza os objectivos da sua política, contudo, paradoxalmente, os efeitos das políticas tomadas apontam no sentido contrário, no sentido da recessão.

domingo, janeiro 29, 2012

O que é o neoliberalismo?


«Quando se fala do neoliberalismo, alemão ou outro, ou seja do liberalismo contemporâneo, obtém-se geralmente três tipos de resposta.
Em primeiro lugar, esta: do ponto de vista económico, o que é o neoliberalismo? Nada mais do que a reactivação de velhas teorias económicas já gastas.
Em segundo: do ponto de vista sociológico, o neoliberalismo mais não é do que aquilo através do qual passa a instauração, na sociedade, de relações estritamente mercantis.
Por último: do ponto de vista político, o neoliberalismo mais não é do que uma cobertura para a intervenção generalizada e administrativa do Estado, intervenção tão pesada porquanto insidiosa e por se disfarçar sob os aspectos de um neoliberalismo.»

Michael Foucault (1979), Nascimento da Biopolítica, Edições 70. Lisboa. 2004. Páginas 173-174.

***

Vivemos numa época moribunda, esta do capitalismo tardio e do neoliberalismo que apodrece. Uma época infértil, incapaz de parir um futuro esperançoso. Uma época que se arrasta e nos arrasta, incapaz de prometer o que quer que seja a não ser o sacrifício do presente e a ausência do futuro. É preciso pôr termo a isto. 

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