sexta-feira, novembro 02, 2012

O mercado e a Constituição

O mercado e o contrato funcionam exactamente ao contrário um do outro e, de facto são duas estruturas reciprocamente heterogéneas.”

Michel Foucault, Nascimento da Biopolítica, Edições 70, 2010, pág. 342



Sempre que vemos aflorar o desassossego dos neoliberais – esses que querem pôr as leis do mercado a reger as relações sociais - com a Constituição, vem-nos à memória as palavras supra-citadas de Foucault sobre o antagonismo entre o mercado e o contrato. O mercado sempre foi avesso ao contrato e ao plano, e vice-versa. O mercado, ou os mercados, são volúveis, instáveis. Uns dias animam-se para logo de seguida, desanimarem. As cotações bolsistas oscilam, ora subindo, ora descendo, conforme os dias e os ventos que sopram. Nos mercados o lucro é perseguido a curto prazo, pois a longo prazo, dizem, estaremos todos mortos. E na verdade, os que tanto perseguem o lucro querem-no o mais rapidamente possível, pois sabem que mais tarde poderão já cá não estar.

As sociedades são mais lentas na mudança, as instituições apresentam um elevado grau de inércia e as suas próprias regras contratuais ou tácitas, as suas constituições, a Constituição, as tradições, etc. são por sua vez avessas ao funcionamento do mercado auto-regulado (que é o mesmo que dizer desregulado, porque a coisa não se regula a si mesma e por si só, e parece que assim será até ao fim dos tempos, quer queiramos, quer não). Assim, esses que tudo querem ver regido pelas leis do mercado, têm pela frente a inércia das instituições – sejam elas as religiões com os seus feriados religiosos, seja a Constituição, sejam as famílias ou até uma instituição tão simples como a da siesta, aqui na próxima mas não próspera Andaluzia. A Igreja, por exemplo, parece ter só agora percebido que errou ao permitir inscrever na Lei secular a palavra “supressão” dos feriados. Suplica agora, arrependida, ao ver o erro que cometeu - e talvez tarde demais - para que se substitua a palavra “supressão” por “suspensão”. Mas, ainda assim, parece não ter percebido que para os mercados o ideal seria que não existissem quaisquer feriados, santos ou não, e que se suprimissem ainda os sábados e os domingos rituais, e as igrejas, e a Igreja. E podíamos ainda acrescentar a sinagoga e a mesquita e as religiões respectivas e outras, das mais antigas instituições do planeta. A fábrica, a máquina, o mercado, não se compadecem, por exemplo, com suspensões ou paragens, cinco vezes por dia, para que os trabalhadores islâmicos mais devotos possam sair temporariamente para orar a Alá.

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E isto tudo para dizer que a Constituição é uma espécie de contrato que põe em causa o livre funcionamento dos mercados, em rédea solta, como querem os teólogos do mercado.

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