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domingo, agosto 28, 2011

A Ele que foi Crucificado


«Querido irmão, o meu espírito dirige-se ao teu,
Não te preocupes por muitos dos que pronunciam o teu nome não te compreenderem,
Eu não pronuncio o teu nome mas compreendo-te,
Menciono-te com alegria, camarada, saúdo-te e saúdo os que te acompanham desde então, e também os que virão amanhã,
Para que juntos transmitamos o mesmo encargo e legado,
Nós, um pequeno grupo de iguais, indiferentes às terras, indiferentes aos tempos,
Nós que reunimos todos os continentes, todas as castas, nós que aceitamos todas as teologias,
Compassivos, receptivos, narradores dos homens,
Caminhamos em silêncio entre as polémicas e as afirmações, sem rejeitar os polemistas nem nada do que afirmam,
Ouvimos os gritos e as vociferações, chegam-nos as disputas, os ciúmes, as recriminações
Que se atiram peremptoriamente sobre nós e nos rodeiam, camarada,
Mas continuamos desligados e livres a nossa viagem sobre a Terra, deixando a nossa marca indelével no tempo e nas eras,
Até saturar o tempo e as eras, para que os homens e as mulheres das futuras raças e gerações possam ser fraternais e amantes como nós.»
Walt Whitman, Folhas de Erva - Antologia, Assírio & Alvim, 2003, pp. 305
tradução de José Agostinho Baptista
***

To Him that was Crucified

My spirit to yours, dear brother;
Do not mind because many, sounding your name, do not understand you;
I do not sound your name, but I understand you, (there are others also;)
I specify you with joy, O my comrade, to salute you, and to salute those who are with you, before and since—and those to come also,
That we all labor together, transmitting the same charge and succession;
We few, equals, indifferent of lands, indifferent of times;
We, enclosers of all continents, all castes—allowers of all theologies,
Compassionaters, perceivers, rapport of men,
We walk silent among disputes and assertions, but reject not the disputers, nor any thing that is asserted;
We hear the bawling and din—we are reach’d at by divisions, jealousies, recriminations on every side,
They close peremptorily upon us, to surround us, my comrade,
Yet we walk unheld, free, the whole earth over, journeying up and down, till we make our ineffaceable mark upon time and the diverse eras,
Till we saturate time and eras, that the men and women of races, ages to come, may prove brethren and lovers, as we are.

Walt Whitman (1819 - 1892). Leaves of Grass. 1900.

sábado, julho 02, 2011

City of ships


«CITY of ships!
(O the black ships! O the fierce ships!
O the beautiful, sharp-bow’d steam-ships and sail-ships!)
City of the world! (for all races are here;
All the lands of the earth make contributions here;)
City of the sea! city of hurried and glittering tides!
City whose gleeful tides continually rush or recede, whirling in and out, with eddies and foam!
City of wharves and stores! city of tall façades of marble and iron!
Proud and passionate city! mettlesome, mad, extravagant city!
Spring up, O city! not for peace alone, but be indeed yourself, warlike!
Fear not! submit to no models but your own, O city!
Behold me! incarnate me, as I have incarnated you!
I have rejected nothing you offer’d me—whom you adopted, I have adopted;
Good or bad, I never question you—I love all—I do not condemn anything;
I chant and celebrate all that is yours—yet peace no more;
In peace I chanted peace, but now the drum of war is mine;
War, red war, is my song through your streets, O city!»
Walt Whitman, Leaves of Grass

***

Cidade de navios!

(Oh, navios negros! Oh, navios ferozes!

Oh, belos vapores e veleiros de afiadas proas!)

Cidade do mundo!, (pois todas as raças estão aqui,

Todas as terras do mundo deram o seu contributo);

Cidade do mar! Cidade de apressadas e resplandecentes marés!

Cidade cujas jubilosas marés avançam continuamente ou retrocedem para dentro e para fora em remoinhos de espuma!

Cidade de cais e armazéns - cidade de altas fachadas de mármore e ferro!

Altiva e apaixonada cidade - cidade revolta, louca, extravagante!

Ergue-te, ó cidade, não só pela paz, mas pelo que é realmente, pela guerra!

Não temas - não te submetas a modelos que não sejam os teus, ó cidade!

Contempla-me - encarna-me como eu te encarnei!

Não recusei nada do que me ofereceste - aquilo que adoptaste eu adoptei,

Bom ou mau, nunca te questionei -amo tudo - não condeno nada,

Canto e celebro tudo o que é teu - mas basta de paz,

Na paz cantei a paz, mas agora o tambor da guerra é meu,

A guerra, a guerra vermelha é o meu canto através das tuas ruas, ó cidade!


Walt Whitman, Folhas de Erva - Antologia, Assírio & Alvim, 2003, pp. 263
tradução de José Agostinho Baptista

terça-feira, junho 28, 2011

Walt Whitman, o poeta das transfigurações

Walt Whitman é o poeta das transfigurações. É o poeta sem medo. O poeta da Natureza. Transfigura-se no mundo visível e invisível. Não desafia a morte porque a aceita sem temer. O seu espírito deambula, desde os lugares mais luminosos aos mais sombrios. Nas estradas e ruas das cidades. No meio dos regimentos em batalha. Entre as árvores. Sobre a relva. Voando como um falcão. Sentindo o pulsar do coração dos veados. Whitman torna-se o grande sentido do mundo. É panteísta. Sente Deus em todo o lado e em si. E não aceita que lhe venham dizer quem Deus é e onde está.

Sobre o XVIII de Songs of myself (Walt Whitman)

Eis um hino à própria música. A vitória da derrota e a derrota da vitória. “Também te digo que é bom perder, as batalhas perdem-se com o mesmo espírito com que se vencem”. Tudo se torna mais sereno. Cessou o medo da derrota. Os vencidos fazem parte da festa. Todos são saudados. O conjunto de vitoriosos e vencidos é o mais importante. Sem uma parte a outra perderia significado. A evolução é um jogo de vida e de morte. Que soe a música da vida! Bem sonora! Honras aos vencedores e vencidos (ergamos as nossas taças). Ambos são a face de uma mesma moeda.

Song of Myself

18

«With music strong I come, with my cornets and my drums,
I play not marches for accepted victors only, I play marches for
conquer'd and slain persons.

Have you heard that it was good to gain the day?
I also say it is good to fall, battles are lost in the same spirit
in which they are won.

I beat and pound for the dead,
I blow through my embouchures my loudest and gayest for them.

Vivas to those who have fail'd!
And to those whose war-vessels sank in the sea!
And to those themselves who sank in the sea!
And to all generals that lost engagements, and all overcome heroes!
And the numberless unknown heroes equal to the greatest heroes
known!
»

Walt Whitman, Leaves of Grass, Song of Myself, XVIII

***

Tradução:

«Com estrondosa música venho, com as minhas corneta e os meus tambores,
Não só toco marchas para os vencedores aclamados, também as toco para os conquistadores e abatidos.

Ouviste dizer que foi bom vencer?
Também te digo que é bom perder, as batalhas perdem-se com o mesmo espírito com que se ganham.

Toco e volto a tocar pelos mortos.
Sopro por eles a minha mais alta e alegre melodia.

Vivas pelos vencidos!
E por aqueles cujos vasos de guerra se afundaram no mar!
E por aqueles que também se afundaram no mar!

E por todos os generais que perderam e por todos os vencidos heróis!
E pelos inumeráveis heróis desconhecidos iguais aos maiores heróis conhecidos!
»

Walt Whitman, Folhas de Erva - Antologia, Assírio & Alvim, 2003, pág. 61-62
tradução de José Agostinho Baptista, excepto o ante-penúltimo verso

sábado, outubro 13, 2007

Manadas de bisontes empurradas pelo vento.

ODE A WALT WHITMAN (de Garcia Lorca)

Pelo East River e pelo Bronx
os rapazes cantavam mostrando as cinturas.
Com a roda, o óleo, o coiro e o martelo
noventa mil mineiros arrancavam a prata das rochas
e os garotos desenhavam escadas e perspectivas.

Porém nenhum adormecia,
nenhum queria ser rio,
nenhum amava as grandes folhas,
nenhum, a língua azul da praia.

Pelo East River e pelo Queensborough
os rapazes lutavam com a indústria,
os judeus vendiam ao fauno do rio
a rosa da circuncisão
e o céu desembocava por pontes e telhados
manadas de bisontes empurradas pelo vento.

Porém nenhum se detinha,
nenhum queria ser nuvem,
nenhum procurava os fetos
nem a roda do tamboril.

Quando a lua nascer,
as polés rodarão para turvar o céu;
um limite de agulhas cercará a memória
e ataúdes serão levados aos que não trabalham.

Nova Iorque de lama,
Nova Iorque de arame e de morte:
Que anjo levas oculto na tua face?
Que voz perfeita dirá as verdades do trigo,
o sonho terrível das tuas anémonas manchadas?

Nem um só momento, velho e formoso Walt Whitman,
deixei de olhar a tua barba cheia de borboletas,
os teus ombros de bombazina gastos pela lua,
as tuas coxas de Apolo virginal,
a tua voz como coluna de cinza;
ancião formoso como a bruma,
que gemias como um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha.
Inimigo do sátiro.
Inimigo da vide
e amante dos corpos ocultos por tecidos grosseiros.

Nem um só momento, formosura viril,
que em montes de carvão, vias-férreas e anúncios,
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria no teu peito
uma pequena dor de ignorante leopardo.

Nem um só momento, Adão de sangue, Macho,
homem sozinho no mar, velho e formoso Walt Whitman,
porque nas esplanadas,
agrupados nos bares,
saindo em cachos das sargetas,
tremendo entre as pernas dos chauffeurs
ou girando nas plataformas do absinto,
os maricas, Walt Whitman, apontam-te.

Também esse! Também! E despenham-se
na tua barba luminosa e casta,
loiros do Norte, negros das areias,
multidões de gritos e ademanes,
como os gatos e as serpentes,
os maricas, Walt Whitman, os maricas
turvos de lágrimas, carne para chicote,
bota ou mordedura de domadores.

Também esse! Também! Dedos pintados
apontam a margem do teu sonho,
quando o amigo come a tua maçã
com um leve sabor a gasolina,
e o sol canta nos umbigos
dos rapazes que brincam sob as pontes.

Mas tu não procuravas olhos arranhados
nem o pântano sombrio onde afogam os garotos,
nem a saliva gelada,
nem as curvas feridas como panças de sapos
que levam os maricas em carros às esplanadas
enquanto os fustiga a lua pelas esquinas do terror.

Tu procuravas um nu que fosse como um rio.
Toiro e sonho que junte a roda à alga,
pai de tua agonia, camélia da rua morte
e gemesse nas chamas do teu Equador oculto.

Porque é justo que o homem não procure o prazer
na selva de sangue da manhã mais próxima.
O céu tem praias onde evitar a vida
e há corpos que não devem repetir-se na Aurora.

Agonia, agonia, sonho, fermento e sonho.
Assim é o mundo, amigo, agonia, agonia.
Apodrecem os mortos sob o relógio das cidades,
passa a guerra chorando com um milhão de ratas cinzentas,
os ricos dão às suas amantes
pequenos moribundos iluminados,
e a Vida não é nobre, nem boa, nem sagrada.

Pode o homem, se quiser, conduzir o desejo
por veia de coral ou nu celeste;
amanhã todo o amor será rocha, e o Tempo
uma brisa que chega adormecida pelos ramos.

Por isso não ergo a minha voz, velho Walt Whitman,
contra o garoto que escreve
um nome de menina na sua almofada,
nem contra o jovem que se veste de noiva
na penumbra da sua alcova,
nem contra os solitários dos casinos
que bebem com nojo a água da prostituição,
nem contra os homens de olhar verde
que amam outro homem queimando os lábios em silêncio.
Mas sim contra vós, maricas das cidades,
de carne apodrecida e pensamento imundo.
Mães de lodo. Harpias. Inimigos sem o sonho
do Amor que reparte grinaldas de alegria.

Contra vós sempre, que aos rapazes dais
gotas de suja morte com veneno amargo.

Sempre contra vós,
Faeries da América,
Pájaros de Havana,
Jotos do México,
Sarasas de Cádis,
Apios de Sevilha,
Cancos de Madrid,
Floras de Alicante,
Adelaides de Portugal.

Maricas de todo o mundo, assassinos de pombas!
Escravos da mulher, cadelas de seus toucadores,
abertos nas praças com febre de leque
ou emboscados em hirtas paisagens de cicuta.

Não haja trégua! A morte
irrompe dos vossos olhos
e junta flores de cinza na margem do lodo.
Não haja tréguas! Alerta!
Que os confundidos, os puros,
os clássicos, os predestinados, os suplicantes
vos fechem as portas da bacanal.

E tu, belo Walt Whitman, dorme nas margens do Hudson
com a barba virada ao pólo e as mãos abertas.
Argila branca ou neve, a tua língua chama
Camaradas que velem tua gazela sem corpo.

Dorme, não fica nada.
Uma dança de muros agita as pradarias
e a América afoga-se em máquinas e pranto.
Quero que o ar forte da noite mais profunda
tire flores e letras do arco onde dormes
e um garoto negro anuncie aos brancos do oiro
a chegada do reino das espigas.



Por Garcia Lorca

Traduzido por Eugénio de Andrade

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