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terça-feira, dezembro 27, 2022

Nietchevo?!

 

Hubert Reeves em Moscovo, 1964:

 

Dia livre em Moscovo. A minha partida para Erevan (pronunciar «Iérévanne») é no dia seguinte. A multidão moscovita fascina-me. Erro muito tempo no meio dessas pessoas todas. A variedade de indumentárias e de rostos lembra-me a imensidão do território da URSS, que vai da Ucrânia ao Kamchatka, do mar de Barents ao Cáspio.

Estamos em Março. Neva com abundância, caem flocos espessos na cidade. Os passeios largos da avenida estão repletos de gente. Sigo a multidão molhada, que progride cada vez mais devagar. Durante longos minutos permanecemos parados. Estou preso num engarrafamento de peões! O que se passa?

Tento imaginar o que bloqueia a este ponto o nosso avanço. Em seguida tudo se explica: vejo subitamente três matronas que varrem vigorosamente a neve suja e molhada do passeio para a sargeta, sem a mínima consideração pelos transeuntes. Tentando não ser salpicados, eles esperam o momento propício para atravessar a correr o sítio perigoso, formando assim um engarrafamento de peões!

O que mais me desorienta é a total ausência de protestos. Em Paris ou Montréal ter-se-ia chegado a um motim. A resignação é muda. Compreendo então o sentido profundo da palavra Nietchevo tantas vezes associada à população russa: «Não faz mal».

Hubert Reeves (1)

 


 
Hubert Reeves, Já Não Terei Tempo – Memórias, Gradiva, 2010

TTTT

O povo russo ainda não realizou o seu 25 de Abril. Tal como o nosso, é um povo resignado. Falta-lhe o ímpeto. Talvez lhe falte, como nos faltava, o impulso militar de alguns capitães e o apoio de alguns generais.

 

O que mais me desorienta é a total ausência de liberdade.

 

Não há outra forma de derrubar o regime totalitário e extorsionário que os priva da paz, em todas as acepções da palavra: apenas a revolução.

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(1) Hubert Reeves, Já Não Terei Tempo – Memórias, Gradiva, 2010, pág. 191.

domingo, maio 15, 2022

O fogo ateado na Europa Oriental

Atearam um grande fogo na Europa Oriental, pensando que não se queimariam, longe que estavam, do outro lado do oceano (EUA), ou fora da Europa continental (Reino Unido). Os que estavam mais próximos ficariam com incumbência de o apagar, com prejuízo seu e ganho deles. E ateado o fogo, foram lançando mais lenha e mais gasolina. A Europa Ocidental e continental, iria provavelmente sentir algum calor. Talvez se queimasse, quem sabe? A Europa Oriental, arderia. E que conveniente seria para eles uma guerra na Europa e uma Europa a arder.

Findo o mercado do Afeganistão onde permaneceram 20 anos a usar quantidades massivas de armas e equipamento militar, a indústria do armamento tinha de arranjar outro mercado para escoar a sua imensa produção. Além disso, havia ainda que vender excedentes de gás natural. 

Globalização, como é sabido, é acima de tudo interdependência entre países e espaços económicos. Como não poderiam estar os países do centro e leste europeus numa relação de interdependência com a Rússia? Construíram gasodutos e oleodutos, pois então. Interdependência que, se continuasse a aprofundar-se, poderia ser um risco para outros espaços económicos rivais (e os EUA comportam-se como um espaço rival da U.E. no campo económico). Agora vendem quantidades massivas de armas a uma Europa que se rearma e, na verdade, que tem de se rearmar e faz bem em rearmar-se já. Uma Alemanha que se rearma, (compra F-35 aos EUA, e já pensa em encomendar o Domo de Ferro aos israelitas) e que porá a sua indústria e engenharia a produzir e a inventar mais armas. Rapidamente terá armas nucleares, se quiser. Rapidamente se converterá numa grande potência militar. Rezam as Crónicas da Segunda Guerra Mundial* que a Alemanha ao entrar na guerra tinha 57 submarinos, durante a guerra pôs ao serviço 1 111 e no final ainda lhe sobravam 785.

A Europa tem de rearmar-se porque nunca se sabe que tipo de putin se sentará no Kremlin, ou que tipo de trump ou de biden se sentará na Casa Branca. Porque se hoje é Putin, amanhã a ameaça, poderá vir de outro lado. Ou até, de vários lados.

E, além disso, continuamos todos muito "interdependentes" da mui democrática China, respeitadora zelosa dos Direitos Humanos. E que dizer da nossa interdependência com a mui democrática Turquia, um paraíso dos Direitos Humanos, que ocupa o Norte de um país da U.E. e pertence à NATO. Quando Portugal integrou a NATO, no início, estava longe de ser uma democracia. Não nos venham falar agora de um conflito pela liberdade e pela democracia. A Ucrânia tem de lutar pela sua autodeterminação e liberdade contra o opressor russo. Agora tem. Mas este conflito podia ter sido evitado, se tivesse havido mais astúcia, inteligência e vontade. Ainda recordamos uma entrevista de Zelensky, antes do início da invasão russa. Como ziguezagueou o líder ucraniano.

Dizem os brasileiros que as onças se cutucam com varas longas. Neste caso não houve esse cuidado com a onça russa.

Este conflito foi atiçado. Podia não ter sido. As cidades podiam estar de pé e os que morreram podiam estar vivos. A Ucrânia podia ter jogado com o tempo, mas foi colocada ante uma emergência. É uma tragédia, porque, por definição “uma tragédia é um desastre que podia ter sido evitado”**.

A U.E. não pode andar ao sabor dos interesses das grandes potências ou tornar-se um joguete dos Estados Unidos da América. A U.E. não pode ser uma extensão do Império Americano, que nos domina com o seu soft power, nem de nenhum outro. Macron já percebeu isso e os alemães também. E De Gaulle tinha uma certa razão. A França foi passada para trás pelos americanos e ingleses na venda de submarinos à Austrália antes desta guerra ter começado, tal o desespero da indústria de armamento americana, e o chanceler alemão foi humilhado por Biden, quando este, a seu lado, numa conferência de imprensa, respondeu por ele, que fecharia o gasoduto Nord Stream 2 alemão, como se fosse ele o Imperador e o chanceler um procônsul. O chanceler permaneceu sempre calado, mesmo quando antes lhe colocaram a questão.

É disto que a Europa tem de livrar-se: dos ditames dos Putins e dos Bidens (e dos Trumps) deste mundo. Chegou a hora da Europa, e ela sozinha, seguir e determinar o seu próprio rumo.

Aos americanos estaremos sempre gratos pelo sangue que derramaram no passado, nos solos da Europa Ocidental, para a libertarem do imperialismo e do fascismo. Mas os tempos agora são outros, os americanos são outros e a Europa é outra.

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(*) AAVV, Grande Crónica da Segunda Guerra Mundial, Vol. 3. Selecções do Readers's Digest, 1978, pág. 458.


(**) Eliot Ackerman, James Stavridis, 2034, 2.ª ed., Penguin Random House, 2022, pág. 251.

sábado, dezembro 24, 2016

A triste grandeza

Trump e Putin falam de novas corridas ao armamento. Um atreve-se a dizer que o mundo precisa da hegemonia das duas nações porque entregue a si mesmo é a loucura que se vê. Uma piada com certeza. Nenhum fala da necessária corrida ao desarmamento do mundo.

EUA e Rússia querem ser os patronos do mundo. Os novos moralizadores. Adivinham-se novos tratados das Tordesilhas. Dividir para reinar. Parece que irão reavivar este velho lema nos próximos tempos. Mas não é de estranhar que os líderes das velhas superpotências sonhem com os tempos áureos após 1945, quando o mundo as olhava com temerosa veneração. Na verdade sentem que o tapete lhes está a ser puxado debaixo dos pés. Estão a fugir para a frente.

É preciso tornar os EUA grandes novamente, disse Trump. A Rússia já persegue esse desígnio há algum tempo, em relação a si própria - é o sonho de Putin. Infelizmente, Putin e Trump, parecem não ter outros argumentos para defender a sua grandeza para além dos que assentam na ponta das suas armas. É uma triste grandeza.

Imagens dos tempos da grandeza americana.
(Não se colocaram aqui imagens dos tempos da grandeza russa, mas são do mesmo jaez)

sexta-feira, agosto 29, 2008

Quanto à Rússia, afinal o Ocidente pode estar tranquilo

Enquanto a Rússia for governada por oligarcas neoliberais e cleptocratas, o Ocidente pode estar tranquilo. Por um lado, é possível comprar a paz receptando os recursos resultantes do saque que estão a realizar em solo russo; por outro lado, os oligarcas russos têm como último interesse o seu próprio poder e riqueza, e estes dependem em grande parte da manutenção dos seus clientes ocidentais: não vão, por isso, matar a “galinha dos ovos de ouro”. Os americanos já o perceberam e ameaçam tudo fazer para retirar a Rússia do G7 e da Organização Mundial de Comércio, caso os russos mantenham a ocupação da Geórgia. Os dirigentes russos já vieram dizer que não temem o isolamento mundial, mas estão completamente desarmados face aos seus reais interesses. Estão a fazer “bluff”.

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