Hubert Reeves em Moscovo, 1964:
Dia livre em Moscovo. A minha partida para Erevan
(pronunciar «Iérévanne») é no dia seguinte. A multidão moscovita fascina-me.
Erro muito tempo no meio dessas pessoas todas. A variedade de indumentárias e
de rostos lembra-me a imensidão do território da URSS, que vai da Ucrânia ao Kamchatka,
do mar de Barents ao Cáspio.
Estamos em Março. Neva com abundância, caem flocos
espessos na cidade. Os passeios largos da avenida estão repletos de gente. Sigo
a multidão molhada, que progride cada vez mais devagar. Durante longos minutos
permanecemos parados. Estou preso num engarrafamento de peões! O que se passa?
Tento imaginar o que bloqueia a este ponto o nosso
avanço. Em seguida tudo se explica: vejo subitamente três matronas que varrem
vigorosamente a neve suja e molhada do passeio para a sargeta, sem a mínima
consideração pelos transeuntes. Tentando não ser salpicados, eles esperam o
momento propício para atravessar a correr o sítio perigoso, formando assim um
engarrafamento de peões!
O que mais me desorienta é a total ausência de protestos.
Em Paris ou Montréal ter-se-ia chegado a um motim. A resignação é muda.
Compreendo então o sentido profundo da palavra Nietchevo tantas vezes
associada à população russa: «Não faz mal».
Hubert Reeves (1)
Hubert Reeves, Já Não Terei Tempo – Memórias, Gradiva, 2010
TTTT
O povo russo ainda não realizou o seu 25 de Abril. Tal como
o nosso, é um povo resignado. Falta-lhe o ímpeto. Talvez lhe falte, como nos
faltava, o impulso militar de alguns capitães e o apoio de alguns generais.
O que mais me desorienta é a total ausência de liberdade.
Não há outra forma de derrubar o regime totalitário e
extorsionário que os priva da paz, em todas as acepções da palavra: apenas
a revolução.
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(1) Hubert Reeves, Já Não Terei Tempo – Memórias, Gradiva, 2010, pág. 191.
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