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domingo, abril 02, 2017

Um mundo novo é inevitável

Todos sabemos que a lagarta se metamorfoseará numa borboleta. Mas a lagarta saberá isso? Esta é a pergunta que temos de fazer aos profetas da catástrofe. São como as lagartas no casulo da mundivisão da sua existência de lagarta, inconscientes da sua metamorfose iminente. São incapazes de distinguir entre a decadência e a mudança para uma coisa diferente. Veem a destruição do mundo e dos seus valores, embora não seja o mundo que está a perecer, mas a imagem que têm do mundo.

Ulrich Beck, A Metamorfose do Mundo, Edições 70, 2017, pág. 30

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Um novo mundo é possível?! Que interessa isso agora? Agora é tarde. Os portões saíram dos seus gonzos. Um novo mundo é já inevitável! Quer queiramos quer não. A metamorfose do mundo está em curso. O que daí virá? Um admirável mundo novo? Talvez. Um mundo distópico? Não sabemos. Não será por certo um mundo em que os amanhãs cantam. Por certo será um mundo que não esperamos e do qual nem suspeitamos. Um mundo distante, muito distante desse mundo desejável pelos que proclamavam a possibilidade de um novo mundo, diferente do que nos impunha a globalização capitalista.

Ulrich Beck morreu. Só o soube, para grande surpresa minha, quando adquiri este seu novo livro póstumo: A Metamorfose do Mundo. Julgava-o vivo. Outro mestre que partiu, já há dois anos. Vive no entanto na sua obra e no pensamento que dela ecoa.

Até sempre Ulrich Beck.

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Novas costas delinear-se-ão. Ilhas e porções de terra hoje emersas ficarão submersas, assim como as áreas baixas das cidades e as baixas das cidades. Populações procurarão refúgio noutros lugares, espécies perecerão com o desaparecimento dos seus habitats e tempestades cada vez mais violentas varrerão os céus, a terra e os mares. Vinhedos, oliveiras e palmeiras surgirão noutros horizontes, mais para o norte e mais para o sul e certos insectos transmissores de doenças alastrarão também, assim como os desertos que já cobrem um terço da superfície da área continental planetária. Oceanos nunca antes navegados por veleiros serão atravessados por esses barcos de lés a lés. Os corais branqueiam-se e morrem, como já se anuncia, e muitas espécies perecerão numa já anunciada sexta extinção em curso. Não obstante não é do Apocalipse segundo São João de que falamos. É de outra coisa. A metamorfose do mundo é também a nossa metamorfose, assim como a da nossa visão do mundo. Virá um Homem novo. Um cyborg (já há quem por aí ande, merecidamente feliz, com um novo coração artificial). Também isto é já parte do mundo novo.

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Estou a gostar de ler...


E de o cruzar com este aqui:


Dois pequenos grandes livros que nos ajudam a compreender a crise da Europa dos nossos dias. Tony Judt escreveu em 1996. O ensaio de Ulrich Beck é mais actual (2012). Entre os dois livros existem áreas de intersecção que apontam no mesmo sentido: o domínio da Europa pela Alemanha.

E a Europa que se prepare:

"A Europa e a sua juventude estão unidas na raiva por causa de uma política que salva bancos com quantidades de dinheiro inimagináveis, mas desperdiça o futuro da geração jovem."

Ulrich Beck (2012), A Europa Alemã, Edições 70. pp. 20 

"A crise, diz Gramsci, é o momento em que a velha ordem mundial morre e em que é necessário lutar por um mundo novo, contra resistências e contradições."

Ulrich Beck (2012), A Europa Alemã, Edições 70. pp. 26

A leitura continua.

Os velhos partidos prosseguem alheios à mudança que se adivinha e ao meio em rápida mutação que os envolve. Ainda jogam no tabuleiro da velha ordem. Continuam a actuar como se a sociedade que os enquadra tivesse os mesmos problemas, interesses e contradições de há dois ou mais anos atrás. Talvez quando acordarem, seja tarde demais*. 

Os velhos partidos já não dão resposta às aspirações da juventude, vítima das políticas que a conduziram até aqui. E "aqui" é o desemprego. A democracia representativa carece de democracia, está ferida, e não se dá conta. Os partidos do "arco da desgovernação" estão a cavar a sua própria sepultura e a da democracia também.

Entretanto, os políticos governantes, tudo fazem para que se "regresse aos mercados", não querendo reparar que dessa forma prosseguem a mesma lógica que nos lançou na dependência dos especuladores. E cada vez que "vão ao mercado", asseguram aos jovens um futuro ainda mais sombrio, de austeridade e dependência, um futuro sem futuro, um futuro colonizado, porque serão eles os convocados a pagar a dívida e os juros contraídos pela actual geração governante.

É por isso que é cada vez mais "necessário lutar por um mundo novo, contra resistências e contradições".
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(*) Como encarar, por exemplo, o ensimesmamento do PS, os seus conflitozinhos internos, enquanto o país se afunda na crise? Parecem actuar com a inconsciência daqueles que discutem a cor do bote salva-vidas a lançar ao mar, enquanto o navio se vai afundando.

Mas alguém pode esperar alguma coisa desta gente? Afinal não estão eles também entre os que nos conduziram até aqui? A esperança, se é que ainda há esperança, reside noutro lado. Tem de residir noutro lado.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Calamidades naturais e desigualdades sociais


«In particular, there is no natural equality when it comes to ‘natural’ risks but, instead, social inequality in intensified form, the privileged and the non-privileged. Whereas some countries or groups are able to some degree to absorb the consequences of tornadoes or floods, others, the non-privileged on the scale of social vulnerability, experience the collapse of societal order and the escalation of violence.»
Beck, Ulrich (2010), “Remapping social inequalities in an age of climate change”, Global Networks 10, 2, p. 175
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Em curtas palavras, as catástrofes ambientais ampliam as desigualdades sociais entre os países e entre grupos privilegiados e não privilegiados, e embora todos sejam susceptíveis aos mesmos riscos naturais, é o seu maior ou menor grau de vulnerabilidade social que determina a intensidade do impacto sofrido pelos membros de uma determinada sociedade.

sexta-feira, julho 23, 2010

O nosso presente sobressaltado

«Só quem podia olhar para o futuro sem sobressaltos gozava o presente de consciência tranquila

Stefa Zweig, O Mundo de Ontem, Assírio & Alvim, Pág. 15.

A este tiro o meu chapéu e curvo-me em sinal de respeito.

Suicidou-se com a sua companheira em 1942. Não suportou observar, mais uma vez, a derrocada do seu mundo. Perdeu a força para recomeçar outra vez e pensou que estava tudo acabado, que a Europa e o mundo jamais se reergueriam da tragédia que estavam a viver. Felizmente enganou-se.

Mas hoje vivemos sobressaltados com o futuro que se avizinha.

Como diz o sociólogo Ulrich Beck, vivemos numa sociedade de risco e pressentem-se as ameaças para lá do nosso horizonte imediato.

terça-feira, março 30, 2010

A taça de champanhe

É uma ironia brutal que a desigualdade entre pobres e ricos assuma a forma de uma taça de champanhe (Held, 2007). Os 900 milhões de privilegiados pela graça de terem nascido no Ocidente, são responsáveis por 86% do consumo mundial; usam 58% do fornecimento de energia e têm 79% do rendimento mundial à sua disposição, bem como 74% de todas as ligações telefónicas. Os mais pobres, 1, 2 biliões de pessoas, um quinto da população mundial, são responsáveis por 1,3% do consumo mundial, usam 4% do fornecimento de energia e realizam 1,5% de todas as chamadas telefónicas. É fácil de perceber a abundante fortuna dos ricos, mas por que razão os subordinados pobres a têm de suportar?

Ulrich Beck (2010), “Remapping social inequalities in an age of climate change”, Global Networks 10, 2, page. 167.

quarta-feira, novembro 18, 2009

O autoritarismo democrático


«It would be a serious mistake to underestimate the degree to which the modern state has been weakened with respect to its material room for manoeuvre and its democratic qualities, but at the same time has been newly empowered with respect to authoritarian possibilities of action. The potential for achieving consensus in a democratic manner is diminishing. However, the state’s capacity to enforce decisions – the combined operation of force, law and information technological control internally – is being modernized and increased. In other words, it has become possible to compensate for the loss of democratic power by authoritarian means – while preserving the democratic facade. That is what is meant by democratic authoritarianism.»

BECK, Ulrich (2002), “The Cosmopolitan Society and its Enemies”, Theory, Culture & Society, Vol. 19 (1-2), SAGE, p. 40-41.

Séculos de Santa Inquisição e décadas de Estado Novo persecutório e pidesco, deixaram marcas na nossa sociedade. No código genético de muitos indivíduos e instituições está inscrita a propensão para a delação. Alguns de nós comprazem-se por isso em observar e escutar o próximo, com um prazer quase voyeurista.

Quando esses indivíduos se instalam em instituições públicas que devem zelar pela segurança dos cidadãos, passam a dispor de uma parafernália tecnológica moderna, orientada para a vigilância e controlo e são tentados, muitas vezes, a transgredir as suas competências utilizando esses meios para obterem informação privilegiada e poder. Qualquer cidadão, desde o homem da rua ao Presidente, pode ser alvo de escuta e vigilância por esses indivíduos, ao abrigo das instituições que é suposto servirem, a coberto de muito boas intenções. Compreende-se as desconfianças do Presidente e do Procurador acerca das possíveis escutas e espionagens nos seus gabinetes, dos seus telefones e computadores. Afinal, quem controla quem?

Segundo Beck (2002), tornou-se possível compensar a perda de poder democrático do Estado, através da utilização de meios autoritários ao seu dispor, mantendo-se a fachada democrática. Parece que já estamos a viver essa realidade neste país.

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