domingo, janeiro 25, 2015

A vitória do Syriza (a quente)

Há muito entusiasmo no ar com a vitória de um partido político, o Syriza, na Grécia. Pois bem, os partidos podem vencer as eleições que quiserem e onde quiserem e os eleitores podem até bem rabiar, mas o poder está com os Bancos (e não me refiro a bancos nacionais*). Vivemos novos tempos.

Vamos ver como se confrontará este Syriza com o choque de realidade que em breve vai ter de enfrentar.

Vamos ver que opção tomará quando tiver de escolher entre a espada e a parede. Registe-se que os recuos em direcção à parede já começaram há algum tempo.

Sempre poderá escolher a espada. Admirar-me-ei.
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(*) - O termo "banco nacional" é já um oxímoro.

E agora “Baltazar”?

O nosso lusitano “Baltazar Garzon”, ante a fumarada, viu a possibilidade de brilhar. Afinal não há fumo sem fogo e concordemos, o fumo era e é muito. Foi por isso mais forte do que ele, era uma oportunidade para brilhar neste mundo mediático em que se tornou a nossa realidade social. Mandou prender o homem agora transformado em São Sócrates de Évora, para onde já convergem, em peregrinação, as multidões de crentes. E em verdade se diga, goste-se ou não do homem, temos hoje, em “plena” democracia, um prisioneiro político, e apenas porque a justiça, como é habitual neste país, tarda, e como tal, em injustiça se torna. Na verdade, fumo há muito, mas caramba, parece que, volvidos quase dois meses, não se vislumbra a mais fugaz chama. E agora? E agora “Baltazar”?

sábado, janeiro 24, 2015

O culto da eterna juventude

Todas as gerações do século XIX aspiraram a ser maduras o mais cedo possível e sentiam uma estranha vergonha da sua própria juventude. Compare-se com os jovens actuais – homens e mulheres – que tendem a prolongar ilimitadamente a sua puerícia e nela se instalam como que definitivamente.

Ortega y Gasset, “Juventud”, El Sol, 9 de Junho de 1927.

Por toda a parte, os mais velhos corriam desnorteados atrás da última moda; de repente, já só havia uma ambição: a de ser «jovem» e de inventar rapidamente, atrás de uma tendência que ontem ainda era actual, uma outra ainda mais actual, mais radical, nunca vista até então.

Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim, 2005, pág. 331

***

No início do século XX, os jovens tentavam parecer mais velhos e respeitáveis. Trajavam quase formalmente. Após a Primeira Grande Guerra instalou-se o culto da eterna juventude: procuramos parecer sempre jovens, independentemente da idade que atravessamos.

Proust, 1887
Quem vivia com lucidez nos anos que sucederam a Primeira Grande Guerra apercebeu-se com grande admiração que se instalara um novo espírito do tempo. Ao invés do que ocorria na Belle Époque, agora todos queriam parecer jovens, inclusivamente os jovens. Antes, tentavam parecer mais velhos e respeitáveis. Vede Proust na sua meninice, como no seu traje já estava presente a corrente que prende o relógio, não fosse o tempo escapar. Já estaria o menino, tão jovem, preocupado com o tempo que se poderia perder? Em que medida o tempo perdido é uma preocupação de um jovem? Não dizem que nessa fase da vida é como se fossemos imortais, exactamente porque a linha que nos serve de limite se encontra para além do horizonte? Não! Proust já trajava assim porque queriam que parecesse respeitável e mais velho do que realmente era, como defendiam os padrões da época.


O culto da juventude que apareceu  a seguir à Primeira Grande Guerra, como foi assinalado pelos espíritos lúcidos de Ortega y Gasset e Stefan Zweig, instalou-se para ficar. A nossa preocupação, volvidos todos estes anos, continua a ser a de parecermos jovens, por muito velhos que sejamos. Richard Branson, 64 anos, com o seu sorriso pepsodent, a sua informalidade e o seu cabelo sempre louro, é disso uma ilustração, assim como Harrison Ford, 72 anos, com o seu brinco jovial, o seu cabelo desgrenhado e a ganga que habitualmente o cobre. E já nem falamos de Madonna, uma menina de 56 anos.

sexta-feira, janeiro 23, 2015

Liberdade

LIBERDADE

                (Falta uma citação de Séneca)

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

segunda-feira, janeiro 19, 2015

Reformas e pistolas

Sempre que os nossos governantes, ou os da Comissão Europeia, ou do FMI, vêm falar da necessidade de reformas estruturais, saco logo da pistola.

domingo, janeiro 18, 2015

Do céu ameaçador ao inimigo interior

Vendo bem as coisas, e em perspectiva, as ruas do Ocidente são hoje um lugar bem mais seguro do que eram entre 1945 e 1989. Naquele período o céu pesava como chumbo. A qualquer momento podia cair-nos em cima da cabeça uma chuva atómica. Ainda que não esteja afastado o regresso desses tempos, o que temos hoje de mais perigoso são energúmenos à solta com bombas artesanais e armas automáticas que esporadicamente espalham o terror e a morte entre as populações, em acções circunscritas no tempo e no espaço. Não obstante tal adversidade, as sociedades prosseguem funcionando - os cães ladram e a caravana passa. No entanto, agora é a nossa liberdade que periga, porque a cada medida securitária que se impõe para os travar, sacrifica-se um pouco mais da nossa liberdade. Ao extremo, por causa dos terroristas, arriscamo-nos um dia a viver sem liberdade, sem privacidade e sem democracia.

sábado, janeiro 17, 2015

A Sexta Extinção, de Elizabeth Kolbert

O livro A Sexta Extinção, de Elizabeth Kolbert, foi considerado pelo New York Times um dos dez livros do ano de 2014. Editado pela Vogais, li-o em tempo record e com grande prazer, mas a edição portuguesa - 1ª edição, Junho de 2014 -  está cheia de gralhas. Gralhas de palmatória. Um tão bom livro de divulgação científica não merecia gralhas assim. Ou tratou-se de uma tradução apressada, ou de uma revisão descuidada. Por exemplo, optou-se pela expressão abrasileirada “Antropoceno” em vez do aportuguesado “Antropocénico”. Mas não é por aí que o gato vai às filhoses, até porque neste caso, o livro revela uma certa coerência, tratando por exemplo, o Cretácico por Cretáceo e por aí fora.

Segue-se uma breve lista de gralhas detectadas na primeira edição de 2014:

Na página 38, há uma referência à História Natural de Pliny (?), quando o autor dessa obra, na verdade, é Plínio. Aqui o nome não foi traduzido, coisa que já acontece na página 114, embora nessa página o nome da obra de Plínio, o Velho (23 d.C – 79-d.C.), apareça em inglês.

Na página 51, onde se lê “continuou isso mesmo” deve ler-se “não passou disso mesmo”.

Na página 81, onde se lê “uma análise genérica”, deve ler-se “uma análise genética”.

Na página 97, onde se lê “consistem de tiras”, deve ler-se, “consistem em tiras”.

Na página 101, onde se lê “tendem a estarem” deve ler-se “tendem a estar”.

Até aqui, pequenas gralhas, mas na página 118, surge uma de fazer saltar a peruca - diz-se lá, relativamente ao asteróide que terá colidido com a Terra e posto fim à era dos dinossauros, que, “Ao bater contra a península do Iucatão, movia-se a qualquer coisa como 73 quilómetros por hora…” (?). Setenta e três quilómetros por hora? Só?! Na verdade, a velocidade calculada é cerca de 73 000 km por hora.

Na página 121, onde se lê “densamente populado” deverá ler-se “densamente povoado”.

Na página 142, onde se lê “o interesse de Zalasiewicz por ratos gigantes representa uma extinção lógica”, deverá ler-se “o interesse de Zalasiewicz por ratos gigantes representa uma extensão lógica”. (Aqui trata-se claramente de um erro de simpatia).

Na página 145 refere-se que Charles Lyell, nos anos de 1930 (?), “cunhou as palavras Eoceno, Mioceno e Plioceno”. Ora acontece que o homem faleceu em 1875.

Na página 147, onde se lê “Geology of Making”, deve ler-se “Geology of Mankind”.

Na página 151, falta a expressão “que é” a seguir a “fecho de correr”.

Na página 160, onde se lê “Ulf Riebsell é um oceanógrafo e biológico”, deve ler-se “Ulf Riebsell é um oceanógrafo e biólogo”.

Na página 202, onde se lê “afídeos”, deve ler-se “afídios”.

Na página 235, onde se lê “biomos”, deve ler-se “biomas”.

Na página 257, diz-se que “a temperatura corporal de um morcego em hibernação baixa 50 ou 60 graus, muitas vezes até quase congelarem” (!). Suspeito que são graus fahrenheit e não graus celsius.

E agora o erro que considero mais crasso:

Na página 280 lê-se que “data de há 12 mil anos ou perto disso, quando os humanos modernos primeiramente migraram de África”. Deveria ler-se “120 mil anos”. É uma gralha recorrente no livro, e até flagrante.

Na página 328 lê-se “Esta teoria [“Fora de África”] defende que todos os humanos são descendentes de uma pequena população que vivia em África há sensivelmente 20 mil anos [?]. Há cerca de 120 mil anos [?], um subgrupo dessa população migrou para o Médio Oriente…”. Ora, onde se lê “20 mil anos”, deveria ler-se “200 mil anos”. Só assim tem sentido a consideração de que foi há cerca de 120 mil anos que se registou uma migração para Médio Oriente.

Afinal no próprio livro se lê, logo na segunda frase do prólogo que “esta história começa com a emergência de uma nova espécie, talvez há 200 mil anos.”

Concluindo, não devolvi o livro. O prazer que a sua leitura me deu superou a quantidade de gralhas encontradas. No entanto o leitor mais incauto pode acabar por ficar desinformado se não atentar nos erros que a tradução/revisão deixou passar.

Curiosamente, já tinha acontecido o mesmo com outro excelente livro desta editora – Breve História da Humidade, 1ª edição, Novembro de 2013, de Yuval Harari. Também nesse livro foram várias as gralhas detectadas, nomeadamente em quadros e esquemas.

No entanto descanse o leitor, pois a editora, nas páginas do copyright das obras referidas, dá-lhe uma garantia incondicional de satisfação e qualidade, referindo que o reembolsará, se não ficar satisfeito com a qualidade destes livros.

quarta-feira, janeiro 14, 2015

A Verdade

Ao nível mais importante, somos um mamífero razoavelmente cruel, feito para avançar, ultrapassar e destruir obstáculos. Na realidade, o obstáculo atrai-nos magneticamente. Há algo de central em nós que prefere a dificuldade, que procura os problemas enredados. Em última instância, isso deve-se ao facto de os mais dotados e enérgicos entre nós saberem há muito – sem, talvez, enunciarem este conhecimento – que a verdade é mais complexa do que as necessidades humanas, podendo até ser completamente alheia, ou mesmo oposta a essas necessidades.
(…)
Tenho uma certa imagem mental da verdade emboscada ao virar da esquina, à espera de que o homem se aproxime – e a preparar-se para lhe dar uma cacetada na cabeça.

George Steiner, Nostalgia do Absoluto, Relógio D’Água, 2003. Pág. 80 e 81

***

Habitamos num “universo, de forma alguma feito para o nosso conforto e sobrevivência, e muito menos para o nosso progresso económico e social nesta minúscula Terra.”(Steiner) E, segundo Steiner, essa é uma imagem assustadora.

A verdade, que tanto procuramos movidos pela curiosidade científica, pode revelar-se adversa aos interesses humanos. A verdade pode ser um asteróide enorme, indetectado, imparável, em rota de colisão com a Terra. A verdade pode ser outra. A sua revelação pode no entanto, ser-nos desconfortável.

Se assim for, o que iremos fazer quanto a isso? Deveremos negá-la?

domingo, janeiro 11, 2015

E você? Sente-se Ocidental?

Uma civilização representa a mais ampla entidade cultural. Aldeias, regiões, grupos étnicos, nacionalidades, grupos religiosos, todos têm culturas distintas em diferentes níveis de heterogeneidade cultural. A cultura de uma aldeia na Itália meridional pode ser diferente da de uma aldeia no Norte, mas ambas partilham uma cultura italiana comum que as distingue das aldeias alemãs. As comunidades europeias, por seu lado, partilharão traços culturais que as distinguem das comunidades chinesas ou hindus. Chineses, Hindus e Ocidentais, no entanto, não são parte de qualquer entidade mais ampla. Constituem civilizações. A civilização é, assim, o mais elevado agrupamento cultural de pessoas e o nível mais amplo de identidade cultural que as pessoas possuem e que as distingue das outras espécies. Ela define-se quer por elementos objectivos comuns, como a língua, a história, a religião, costumes e instituições, quer pela auto-identificação subjectiva das pessoas. As pessoas têm níveis diferentes de identidade: um residente de Roma pode definir-se, em vários graus de intensidade, como romano, italiano, católico, cristão, europeu, ocidental. A civilização a que pertence é o nível mais amplo de identificação a que se sente ligado. As civilizações são os maiores de «nós» dentro dos quais, culturalmente, nos sentimos «em casa» de uma forma diferente de todos os outros «eles».

Samuel Huntington, O Choque de Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, Gradiva, pág.47. (os destaques são nossos)

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O conceito de civilização é incómodo. Causa comichão a muita gente. Contudo factos são factos. As ciências sociais e naturais nem sempre nos dão, ou darão, as respostas que gostaríamos de ouvir. Temos de estar preparados para isso. Da mesma forma que muitos idealistas querem erradicar a pobreza no mundo, outros também desejam apagar todas as linhas divisórias que levam à existência de um “nós” e um “eles”. Será tal coisa possível?


Fez-me pensar este post do Ma-shamba – “Je suis Baga”. Afinal por que nos indignamos tanto com a morte de 20 pessoas em Paris, ao ponto de sairmos à rua, em manifestação, enquanto quase nos passam despercebidas as cerca de 2 000 mortes causadas pelo Boko Haram, em Baga, na Nigéria, na quarta-feira passada? Não se observou qualquer veemente manifestação nas avenidas das cidades ocidentais. Porquê?

sábado, janeiro 10, 2015

Nem todos somos Charlie!


Este também não é. Vide aqui.

Confesso que também não gosto lá muito de unanimismos, que me fazem uma certa confusão.  E já começa por aí muito boa gente, e muito má gente, a dizer que eles não, que eles não são Charlie. No que me toca, solidarizo-mo com as vítimas que teimavam em ser livres e em dar azo à sua liberdade de expressão. A Liberdade é talvez o maior valor da nossa civilização e aqui não pode haver qualquer concessão ao medo. Ser Charlie é ser pela Liberdade e pela coragem de a defender, com prejuízo, se necessário, da nossa própria vida. É que a Liberdade é um valor que está acima da própria Vida, pelo menos na minha escala de valores. É isso que significa preferir "morrer de pé, a viver de joelhos". 

Não me surpreende lá muito que o senhor Jean-Marie Le Pen não seja Charlie. 

sexta-feira, janeiro 09, 2015


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