Uma civilização representa a mais ampla entidade cultural. Aldeias,
regiões, grupos étnicos, nacionalidades, grupos religiosos, todos têm culturas
distintas em diferentes níveis de heterogeneidade cultural. A cultura de uma
aldeia na Itália meridional pode ser diferente da de uma aldeia no Norte, mas ambas
partilham uma cultura italiana comum que as distingue das aldeias alemãs. As
comunidades europeias, por seu lado, partilharão traços culturais que as
distinguem das comunidades chinesas ou hindus. Chineses, Hindus e Ocidentais,
no entanto, não são parte de qualquer entidade mais ampla. Constituem civilizações. A
civilização é, assim, o mais elevado agrupamento cultural de pessoas e o nível
mais amplo de identidade cultural que as pessoas possuem e que as distingue das
outras espécies. Ela define-se quer por elementos objectivos comuns, como a
língua, a história, a religião, costumes e instituições, quer pela
auto-identificação subjectiva das pessoas. As pessoas têm níveis diferentes de
identidade: um residente de Roma pode definir-se, em vários graus de
intensidade, como romano, italiano, católico, cristão, europeu, ocidental. A civilização
a que pertence é o nível mais amplo de identificação a que se sente ligado. As civilizações são os maiores de «nós»
dentro dos quais, culturalmente, nos sentimos «em casa» de uma forma diferente
de todos os outros «eles».
Samuel Huntington, O Choque de Civilizações e a Mudança na
Ordem Mundial, Gradiva, pág.47. (os destaques são nossos)
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O conceito de civilização é
incómodo. Causa comichão a muita gente. Contudo factos são factos. As ciências
sociais e naturais nem sempre nos dão, ou darão, as respostas que gostaríamos
de ouvir. Temos de estar preparados para isso. Da mesma forma que muitos
idealistas querem erradicar a pobreza no mundo, outros também desejam apagar
todas as linhas divisórias que levam à existência de um “nós” e um “eles”. Será tal coisa possível?
Fez-me pensar este post do Ma-shamba – “Je suis Baga”.
Afinal por que nos indignamos tanto com a morte de 20 pessoas em Paris, ao
ponto de sairmos à rua, em manifestação, enquanto quase nos passam
despercebidas as cerca de 2 000 mortes causadas pelo Boko Haram, em Baga, na Nigéria, na quarta-feira passada? Não se observou qualquer veemente manifestação
nas avenidas das cidades ocidentais. Porquê?