quarta-feira, dezembro 31, 2014

2015 Anno Domini

UM FELIZ 2015 PARA TODOS!

quarta-feira, dezembro 10, 2014

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© AMCD

domingo, outubro 19, 2014

Safo

     Charles-Auguste Mengin, Safo, 1867, Manchester Art Gallery

Quando morreres,
hás-de jazer sem que haja no futuro
 memória de ti nem saudade. É que não tiveste parte
nas rosas de Piéria.
Invisível, andarás a esvoaçar
no Hades, entre os mortos impotentes.

Safo, Lesbos, Séc. VII-VI a.C.
(traduzido por Maria Helena da Roca Pereira, in Hélade)

***

Mais de dois mil e quinhentos anos nos separam, imortal Safo.
E poucas foram as vozes femininas desse tempo que chegaram até nós.
Contudo a tua ainda soa - tu, que participaste nas rosas de Piéria - entoando cânticos e declamando poemas às primeiras horas da Aurora.

Sei que ainda percorres descalça as praias de Lesbos com a tua harpa,
enquanto o teu olhar divaga no mar, 
insaciado, insatisfeito, invadido pela saudade.
Transporta um desejo obsessivo de reencontro impossível.
Daí a profunda dor que canta
Por um ardente amor ausente.

Distante. Sempre.

sábado, outubro 18, 2014

Para quem os impostos sobem

Lido hoje no Público:

Uma das tendências internacionais dos últimos anos (e décadas) foi a diminuição da carga fiscal sobre as empresas. Não só se reduziram as taxas de impostos sobre o rendimento das empresas como, por via de acordos internacionais e directivas europeias, se criaram mecanismos que permitiram a redução dos impostos.”

Ricardo Cabral, Público, 18 de Outubro, pág.51.

***

Há dias emiti um comentário n' O Insurgente a um post que punha em questão a ideia de estarmos a viver numa época de “[Neo]Liberalismo” - para estes “Testemunhas de Jeová” do liberalismo, fundamentalistas do laisser faire, laisser passer,  o termo “neoliberalismo” é impronunciável, é um “vai de retro Satanás”, daí escreverem o prefixo entre aspas, ou entre parêntesis, ou, neste caso, entre colchetes -, na medida em que os impostos cobrados eram maiores que nunca, ilustrando com um gráfico esse aumento.

Acontece porém que se esqueceram do facto de que existem impostos e impostos, e que, não obstante, no seu conjunto, os impostos tenham aumentado, os que recaem sobre os lucros das empresas, ao invés, têm diminuído, como salienta Ricardo Cabral.

As grandes fortunas, fugidias, foram contempladas por este governo com um perdão fiscal, é bom não esquecer. O IRC é o único imposto que tem diminuído, assim como a TSU. Os impostos sobre os lucros dos bancos e sobre as transacções financeiras (a que me referi como impostos sobre o capital) são irrisórios.

O colossal aumento dos impostos recai principalmente sobre os rendimentos do trabalho.

***

Entrar n’ O Insurgente para colocar uma objecção ou uma crítica às ideias daquela gente é como entrar numa congregação de Testemunhas de Jeová para os tentar convencer acerca do erro em que incorrem ao fazerem uma interpretação literal da Bíblia. Aquela gente está cega pela crença ideológica. Só vêem o que querem ver. É uma questão de Fé e não de Razão.

sábado, outubro 11, 2014

A fé do ateu

O agnóstico considera a existência de Deus uma possibilidade. É uma hipótese que não descarta. Para um ateu, Deus não existe. O ateu, por sua vez, crê na inexistência de Deus. É por isso um homem de fé, o ateu.

Quando o “Estado Islâmico” éramos nós

O nosso Estado foi construído contra o Castelhano e contra o Mouro, há quase 900 anos, na Idade Média. As práticas terroristas que hoje condenamos ao Estado Islâmico, e condenamos bem, também nós já as praticámos. Então, os bárbaros éramos nós. Pilhagens, cercos, razias, conquista de territórios à espadeirada, decapitações, eram o “pão nosso de cada dia”, a tal ponto que, perto delas, as atuais práticas terroristas do Estado Islâmico parecem ser coisa de crianças.

Fica um excerto do texto de Martin Page, A Primeira Aldeia Global, relativo ao cerco de cidade de Lisboa (1147), então cidade moura, pelos exércitos de D. Afonso Henriques, auxiliados por cruzados bretões, ingleses, normandos e alemães, entre outros:

«Escreveu no seu relato, o capelão dos cavaleiros normandos: “O ânimo dos nossos homens foi enormemente fortalecido para continuar a lutar contra o inimigo.” Um grupo de cavaleiros, que, entretanto, tinha ido fazer uma incursão a Sintra, acabava de regressar para junto dos seus companheiros de cerco, carregado com o produto das pilhagens.

Enquanto os bretões pescavam na margem sul do Tejo, um grupo de muçulmanos atacou, matando vários deles e fazendo cinco prisioneiros. Como represália, os ingleses organizaram um assalto à margem sul, à cidade de Almada, regressando nessa mesma tarde, com 200 prisioneiros muçulmanos e moçárabes e mais de 80 cabeças cortadas, o que, segundo então afirmaram, só lhes havia custado uma baixa. Empalaram as cabeças em lanças e agitaram-nas por cima das muralhas de Lisboa.

“Vieram ter com os nossos homens, suplicando-lhes que lhes dessem as cabeças que tinham sido cortadas”, acrescenta o capelão cronista. “Tendo-as recebido, voltaram para dentro das muralhas chorando a sua dor. Durante a noite, em quase todas as zonas da cidade, apenas se ouvia a voz da mágoa e o lamento da saudade. A audácia deste feito transformou-nos no pior terror para o inimigo.”»

Martin Page, A Primeira Aldeia Global, 6ª ed, Casa das Letras, 2010, pp. 87-88.

***

Em suma, naquela altura os terroristas éramos nós. (Não estamos com isto a querer desculpar os imperdoáveis crimes do Estado Islâmico, mas factos são factos)

Hoje, o Estado Islâmico está a aplicar tácticas medievais de terror que os ocidentais então usavam sem qualquer pudor. Mas estamos no século XXI.

Naquele distante ano do século XII, a cidade sob cerco era Lisboa, hoje é Kobani.

quarta-feira, outubro 08, 2014

O menino é o alvo

Jean Fouquet. Madona e Menino, painel direito do Díptico de Melun. ca. 1450

***

Caramba! Um seio prestes a rebentar, e logo no século XV!
Já o menino, tem um ar estranho o menino.
Insuflado de uma alma adulta, perscruta ao colo, carrancudo.
Guarda o alvo seio o menino.
E aponta sub-repticiamente o menino.
E o alvo seio aponta o menino.
O menino é o alvo.

domingo, outubro 05, 2014

Homens que odeiam as viagens

Odeio as viagens e os exploradores. E aqui estou eu disposto a relatar as minhas expedições. Mas quanto tempo para me decidir! Quinze anos passaram desde a data em que deixei o Brasil pela última vez e, durante todos esses anos, muitas vezes acalentei o projecto de começar este livro: a cada vez, era detido por uma espécie de vergonha e de repulsa, pois será mesmo necessário contar minuciosamente tantos pormenores insípidos, tantos acontecimentos insignificantes?  

Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos, Edições 70, 1993,p. 11

A ideia de viajar nauseia-me.
Já vi tudo que nunca tinha visto.
Já vi tudo que ainda não vi.

O tédio do constantemente novo, o tédio de descobrir, sob a falsa diferença das coisas e das ideias, a perene identidade de tudo, a semelhança absoluta entre a mesquita, o templo e a igreja, a igualdade da cabana e do castelo, o mesmo corpo estrutural a ser rei vestido e selvagem nu, a eterna concordância da vida consigo mesma, a estagnação de tudo que vive só de mexer-se.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 6ª ed. 2013, 130.

Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. «Qualquer estrada», disse Carlyle, «até esta estrada para Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo». Mas a estrada de Entepfuhl, se for seguida toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estávamos, é aquele mesmo fim do mundo que íamos a buscar.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 6ª ed. 2013, 140.

***

Claude Lévi-Strauss e Fernando Pessoa eram dois homens que odiavam as viagens. O primeiro sabia, ou pressentia, que ao fazer das culturas indígenas o objecto da sua dissecação análise, já estaria dessa forma a contaminá-las. O seu olhar inquisidor era também o do explorador científico. Claude Lévi-Strauss sabia muito bem o que se seguiria e para que servia essa actividade científica e exploradora a que se dedicava com minúcia. O Homem lança-se ao conhecimento do Mundo para melhor dominar o Mundo. Primeiro vem a exploração, depois a dominação.


Já para Fernando Pessoa, o universo interior era mais apelativo e encantador do que o universo exterior. Esse apelo soava mais alto, a ponto de ele desvalorizar completamente as deslocações no espaço físico. Para ele as grandes viagens eram as que realizava interiormente, quiçá, embalado pelos copos de aguardente. 

sábado, outubro 04, 2014

O mural apagado


Soube hoje que apagaram este mural do Banksy. Houve quem não percebesse a ironia e se queixasse às autoridades.

Os instalados pombos, racistas, sedentários, ridículos, manifestam-se contra a andorinha errante.

Pois o mural fica também aqui.

Aqui ninguém o apagará.

A paisagem bucólica e o carro

      Banksy, A Paisagem Bucólica e o Carro

domingo, setembro 28, 2014

Duas de Harold Bloom


“Um tal leitor [o leitor comum] não lê por prazer fácil ou para expiar culpas sociais, mas para dilatar uma existência solitária.”

Harold Bloom, O Cânone Ocidental, Círculo de Leitores, 5ª ed., 2013, pág. 504.



“O nosso destino comum é a idade, a doença, a morte e o esquecimento. A nossa esperança comum, ténue mas persistente, encontra-se numa qualquer versão da sobrevivência.”

Harold Bloom, O Cânone Ocidental, Círculo de Leitores, 5ª ed., 2013, pág. 509.

sábado, setembro 27, 2014

Bobi e Tareco alistam-se no Estado Islâmico

Notícia de primeira página do Correio da Manhã: "De colégio de freiras para radical na Síria".

Já só falta noticiar que o Bobi e o Tareco, fartos do dono, partiram para a Síria para se alistarem no Estado Islâmico.

Não há pachorra!

Patético!

Os homens e as mulheres da nossa oposição comprazem-se na intriga e no fogo-de-artifício, parecendo não dispor de outros argumentos para derrotar politicamente o primeiro-ministro.

Se querem derrotá-lo, pois que o derrotem na arena da política e não na arena da intriga. Dá mostras de fraqueza a oposição que parece nada mais encontrar no seu argumentário do que os possíveis tostões ou milhões que então um mero deputado eventualmente possa ter ganho, legalmente ou ilegalmente, há cerca de treze anos atrás, quando o presente que importa se encontra repleto de problemas que os portugueses anseiam ver resolvidos. Questões judiciais e criminais são para a polícia e para os tribunais. Os políticos deviam ocupar-se com o cerne da política.

Não-lugares

“Os não-lugares são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e dos bens (vias rápidas, nós de acesso, aeroportos) como os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são arrebanhados os refugiados do planeta. Porque vivemos uma época, também sob este aspecto, paradoxal: no próprio momento em que a unidade do espaço terrestre se torna pensável e em que se reforçam as grandes redes multinacionais, aumenta de volume o clamor dos particularismos; dos que querem ficar só eles na sua terra ou dos que querem voltar a encontrar uma pátria, como se o conservadorismo de uns e o messianismo dos outros estivessem condenados a falar a mesma linguagem: a da terra e a das raízes.”

Marc Augé, Não-lugares, Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, 90º, 2007

***

A leitura dos Não-lugares tem sido penosa. O texto é quase intragável. De vez em quando lá aparece um trecho mais inteligível, como o que se cita acima, em que o autor define o conceito de não-lugar. Ao que parece, os não-lugares são sobretudo espaços de trânsito, espaços de circulação e os próprios meios que possibilitam essa circulação. Espaços que rapidamente consumimos e rapidamente descartamos. Espaços de fluxos, de rápida passagem. 

Mas pensando bem, a uma escala mais vasta, a própria Terra - a "nave Terra" que nos transporta - é também um não-lugar! Não está ela, e nós com ela, em trânsito?

Augé refere-se contudo, a um espaço antropológico e não a um espaço astronómico.

domingo, setembro 21, 2014

Ciência e interesses

Não há uma ciência independente, que procure desinteressadamente a verdade. Também a ciência e o cientista precisam de ganhar o seu pão. Também o cientista tem os seus patrões.

Assim, enquanto determinados campos da ciência são desbravados de forma mais célere, para dar resposta às encomendas dos interesses e dos poderes instalados, ao serviço dos quais os cientistas laboram, outros existem que continuam por desbravar, ainda ocultos pelos matagais misteriosos do desconhecido.

sábado, setembro 20, 2014

"Quem está na educação por outra razão que não seja a educação, não pode ser consentido na educação."


Gostei de ler o texto de Helena Damião no blogue Rerum Natura.

A educação não deve ser um negócio ou estar dependente de um negócio. Mas a educação também não deve estar ideológica e unicamente dependente das orientações doutrinárias de um Estado, de uma política partidária ou de uma religião.

Não há filosofia, ciência, cultura ou arte, e até desporto, totalmente independentes de correntes ideológicas ou de outros poderosos interesses, mas é aí, na independência da educação, que reside o ideal educativo. Uma educação unicamente do Estado e para o Estado deseduca (basta que nos lembremos da educação que os nazis "ministravam" nas escolas e universidades - eram muito educados os senhores nazis, não?!). Temos também universidades religiosas que educam à revelia da verdade científica. Na verdade não educam: deseducam! Na verdade nem deviam chamar-se universidades.

A Revolução Industrial e a guerra contra a Terra

Desde a revolução industrial nascida das minas de ferro britânicas, a metalização da sociedade adquiriu ainda uma nova dimensão. Simultaneamente, a exploração do interior da terra dá um salto. Nascem então minas gigantescas que descem até às profundidades mais negras das entranhas da terra. Os mineiros tornam-se o exército-fantasma da civilização industrial – exploradores explorados; os operários da siderurgia tornam-se a tropa de elite do ataque capitalista contra a crosta «avara» da terra. Finalmente, a economia moderna capitaliza todas as riquezas naturais do subsolo e, por milhões de penetrações, de perfurações e de extracções, faz avançar a guerra mineralógica contra a crosta da terra para queimar as riquezas extraídas ou para as transformar em utensílios e em sistemas de armamento. Quotidianamente, as civilizações industriais condenam à morte milhões e milhões de seres vivos e milhões de toneladas de substâncias. Nelas se consuma a relação mantida com a terra pelos senhores saqueadores das civilizações ocidentais.

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, p. 444.

 ***

A difusão planetária da industrialização generalizou a guerra contra a Terra. Já não é apenas uma questão entre as civilizações ocidentais e a Terra. Os saqueadores estão por todo o lado e o saque realiza-se já em todos os espaços civilizacionais, incluindo os das civilizações não ocidentais, emuladoras do Ocidente. Com a Revolução Industrial, o saque, que já antes se iniciara, agudizou-se, tornou-se virulento e pandémico. 

domingo, setembro 07, 2014

"...e robots heróicos assim como máquinas infernais «capazes de pensar» saltarão uns sobre os outros..."



Com informação técnica: aqui. ("The big dog future looks bright!")
Progressos recentes: aqui

sexta-feira, setembro 05, 2014

E aí, onde aparece, começa a noite escura

No «projéctil capaz de pensar», chegámos ao ponto extremo da moderna dissimulação do sujeito, pois o que se chama sujeito na época moderna é na verdade esse eu da autoconservação que se está a retirar passo a passo da vida até ao auge paranóico.
(…)
A próxima grande guerra já só verá como combatentes pessoas esquizofrénicas e máquinas. Homunculi, representantes do Estado, gerentes-lémures desdobrados das forças destrutivas, premirão, quando «for preciso», os botões decisivos, e robots heróicos assim como máquinas infernais «capazes de pensar» saltarão uns sobre os outros – o experimentum mundum estará terminado: o ser humano era um falhanço. O Iluminismo só pode extrair a seguinte conclusão: não se pode iluminar, esclarecer [al. aufklären] o ser humano, pois este era já em si a falsa premissa do Iluminismo. O ser humano não basta. Encerra em si o princípio obscurecente da dissimulação, e aí onde aparece o seu eu não pode luzir o que foi prometido por todos os Iluminismos: a luz da Razão.

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, pp. 446-447.

***

Estamos perante outra versão do dito heideggeriano segundo o qual só um deus poderá salvar-nos. Para Sloterdijk, nem a Ciência nem a Razão podem salvar-nos. Para ele o Homem é uma experiência falhada: “o ser humano era um falhanço”. O ser humano é a “falsa premissa do Iluminismo”. “O ser humano não basta”, diz ele, nem se basta a si mesmo, para se salvar: só um deus, caso exista, o poderá salvar.

Até lá a loucura prossegue, enredada no mais profundo desespero.

A coisa-para-ti.

Aquilo que destinámos ao inimigo – a sua aniquilação numa grande superfície por consumpção, contaminação, atomização -, temos de começar por o fazer sofrer à própria arma. No fundo, mais não é do que a nossa mensagem para o nosso adversário, transmite as nossas intenções a seu respeito. Por esta razão, as armas são os representantes do inimigo no nosso próprio arsenal. Quem forja uma arma dá a perceber ao seu inimigo que será tão impiedoso a seu respeito como a respeito da moca, do bloco de ferro, do obus e da ogiva. A arma é já o adversário maltratado; ela é a coisa-para-ti. Quem se arma está sempre já em guerra. De facto, esta opera continuamente segundo alternâncias de quente e de frio e chamamos abusivamente paz à fase fria. Na óptica do ciclo polémico, a paz significa tempo do armamento, quer dizer, transferência das hostilidades para os metais; a guerra é, por conseguinte, a utilização e consumo dos produtos de armamento; a actualização das armas contra o adversário. 

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, p. 445.
(escrito em 1983, destaques nossos)

*** 

A paz é mais do que um estado em que se ganha fôlego e músculo para a guerra seguinte. A paz é já a fase fria da guerra incessante. De acordo com esta acepção vivemos sempre num estado de guerra. Guerra contra a Natureza, guerra contra os outros, guerra contra nós próprios.

sábado, agosto 23, 2014

A Criação e a Expulsão do Paraíso

Giovanni di Paolo, A Criação e a Expulsão do Paraíso (detalhe), c. 1445
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

quinta-feira, agosto 21, 2014

Notícias da queda

De George Steiner, sobre o pensamento de Claude Levy-Strauss:

A queda do homem não apagou de uma penada todos os vestígios do Jardim do Éden. Os viajantes do século XVIII sucumbiram a uma espécie de ilusão premeditada quando pensaram ter encontrado raças humanas inocentes no paraíso dos Mares do Sul ou nas florestas do Novo Mundo. Mas as suas idealizações tinham uma certa validade. Os homens primitivos, que existiam, por assim dizer, fora da história, seguindo usos sociais e mentais dos primórdios e possuindo uma certa intimidade com as plantas e os animais, encarnavam efectivamente uma condição mais natural. O seu divórcio cultural com a natureza ocorrera evidentemente centenas, milhares de anos atrás, mas fora menos drástico que o do homem branco: em termos mais precisos, os seus usos culturais, os seus rituais, mitos, tabus, técnicas de recolha de alimentos eram calculados para aplacar a natureza, para confortá-la, para viver com ela, para tornar a divisão entre natureza e cultura em algo menos violento, menos dominante.

Ao encontrar estas sombras de vestígio do Éden, o homem ocidental dispôs-se a destruí-las. Massacrou inúmeros povos inocentes. Derrubou as florestas e queimou as savanas. Então, a sua fúria de destruição virou-se para as espécies animais. Uma após outra, foram perseguidas até à extinção ou à sobrevivência factícia dos jardins zoológicos. Esta devastação foi muitas vezes deliberada: era o resultado directo da conquista militar, da exploração económica, da imposição de tecnologias uniformes aos modos de vida autóctones. Milhões pereceram ou perderam a sua identidade e património étnicos. Alguns observadores calculam que, só no Congo, tenham morrido vinte milhões de vítimas desde o início da colonização belga. Linguagens, cada uma das quais codificava uma única visão do mundo, foram cilindradas e lançadas no esquecimento. A garça-real e a baleia foram caçadas quase até à extinção. Muitas vezes, a destruição era acidental ou mesmo devido a benevolência. As dádivas trazidas pelo homem branco – dádivas médicas, materiais, institucionais – mostraram-se fatais para os seus receptores. Como conquistador, explorador ou médico, o homem ocidental trazia sempre a destruição. Aparentemente possuídos por alguma ira arquetípica pela nossa exclusão do Jardim do Paraíso, por alguma recordação torturante dessa desgraça, revirámos a Terra em busca de vestígios do Éden e arrasámo-los sempre que os encontrámos.

George Steiner, Nostalgia do Absoluto, Relógio D’Água, 2003, pp 45-47

***

Post scriptum:

O texto supracitado, da autoria de George Steiner, faz parte de um conjunto de palestras que ele proferiu na rádio em 1974. Então não se falava de países emergentes. Hoje, o homem ocidental, o branco de que ele fala, está longe de ser o único a causar a devastação planetária (*). Chineses, hindus, malaios, africanos, enfim, brancos, pretos, amarelos, homens de todas as cores, muito para além do homem branco, caucasiano, devastam alegremente os últimos vestígios edénicos do planeta.

Deixemo-nos de lirismos.

Virámo-nos contra esses vestígios do Éden primordial e contra nós mesmos. No fim, não irá restar pedra sobre pedra.

Nesta visão apocalíptica compreendemos Heidegger que disse um dia numa entrevista que só um deus poderia salvar-nos. O ser humano entregue a si mesmo está perdido, é a ilação que se tira de tudo isto. Trata-se de um voto de desconfiança cruel no ser humano.

Não subscrevemos essa ideia porque não a queremos subscrever. Só a Ciência pode salvar-nos, só o Homem pode salvar-se. É preciso acreditar ainda na Ciência e no Homem. Contra todas as evidências.

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(*) Hoje, o homem ocidental já não é apenas o homem branco caucasiano. Entre as sociedades dos países ocidentais convivem homens de todas as cores.

quarta-feira, agosto 20, 2014

Novo mundo

Na segunda metade do século XX foi criado um novo universo, um novo mundo que se amplia, para além do universo exterior e do universo interior: o universo cibernético.


Os autistas, perdidos ou aprisionados no universo interior, aparentemente, estabelecem ténues relações com o universo exterior e nenhuma com o universo cibernético. Por outro lado, certos seres humanos, vivem sem saber conscientemente que vivem, e estabelecem ténues relações com o universo interior. Aparentemente fazem pouco uso da consciência, como certos animais não humanos. Agem instintiva e irreflectidamente. Como rezava a canção do Zeca Afonso: “Há quem viva sem dar por nada. Há quem morra sem tal saber”. Tal não significa que estejam doentes. São mais seres de acção do que de reflexão. Mas hoje, o universo cibernético em expansão pode levar-nos cada vez mais à alienação do mundo exterior e do mundo interior. Ao extremo, um indivíduo pode encontrar-se de tal forma alienado pela “vida” nesse mundo cibernético, que não repara na existência desse outro mundo, lá fora. Ao extremo, pode até o edifício que o abriga ruir, que ele não repara.  

terça-feira, agosto 12, 2014

Memórias e danças

O Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy, é uma obra-prima do género western. E a tradução, de Paulo Faria, se não enriquece a obra, está à altura dela. (*)

Ficam duas citações do juiz Holden e as respectivas reflexões sobre as mesmas.

Sonho ou realidade?

As memórias dos homens são incertas e o que aconteceu no passado pouco difere do passado que não aconteceu.

Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado, 2008, pág. 273

***

Por vezes as recordações misturam-se com os sonhos e, em certas circunstâncias, quando recordamos o passado, ficamos na dúvida se aquilo que sentimos como tendo sido um acontecimento vivido não se trata afinal de um sonho tido sobre esse mesmo acontecimento.

Dança ritual da guerra

Uma coisa te digo. À medida que a guerra vai sendo aviltada e a sua nobreza posta em causa, os homens honrados que reconhecem a santidade do sangue vêem-se excluídos da dança, que é um direito dos guerreiros, e deste modo a dança converte-se numa falsa dança e os dançarinos em falsos dançarinos. E todavia, haverá sempre um dançarino que fará jus a esse título, e consegues adivinhar quem será?

Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado, 2008, pág. 273

***

É caso para dizer, que quem dança por último dança melhor.

Desconfiamos que as danças primevas começaram por ser danças rituais. A dança é uma forma de expressão universal e desenvolveu-se em todas as civilizações e culturas do planeta, civilizações e culturas que evoluíram até certo momento, em total desconhecimento da existência das demais. A universalidade da dança não parece por isso ter resultado de uma difusão por contágio, mas o seu aparecimento parece relacionado com um determinado estádio da evolução humana. Não se conhecem sociedades não humanas que dancem, muito menos ritualmente, embora alguns pássaros pareçam dançar em rituais de acasalamento.

Ainda hoje se dança nos casamentos, na nossa sociedade. Em certas culturas, a passagem à idade adulta é marcada por danças rituais e celebratórias. E existem ainda as belicosas danças da vitória. Danças guerreiras.

E até os demónios mais belicosos dançam uma estranha dança, como Hitler, em 1940, ao saber da queda de Paris. Mas por último não foi ele quem dançou.

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(*) - George Steiner diz que certas traduções chegam até a ser enriquecedoras. É o caso, a nosso ver.

sábado, agosto 09, 2014

Dmitry Shostakovich

Lembramos hoje, 39 anos após a sua morte, o compositor Dmitry Shostakovich.

Dmitry Shostakovich (1906 - 1975)

E Nagasaki é lá tão longe…

É longe, mas transportamo-la no coração. Quando a bomba caiu tudo caiu, mas as paredes dos velhos edifícios construídos pelos nossos antepassados ficaram de pé ao contrário das construções de madeira japonesas, que arderam facilmente. Consta que num qualquer ano da Graça, lá para meados do século XVI, os mercadores e padres portugueses desembarcaram nas praias do Japão e fundaram a cidade. Levaram as armas de fogo, a Fé e a tempura, para além de tudo o resto que levaram. Levaram Portugal.

Hoje lembramos esse dia de 1945 em que se cometeu um dos mais horrendos e hediondos crimes de guerra contra os japoneses e, de certa forma, contra nós. Os americanos podiam ter-se limitado a mostrar os dentes, ou a realizar uma manifestação de força no mar, ao largo da costa do Japão, ou apenas a esperar, pois já tinham lançado uma bomba atómica a 6 de Agosto em Hiroxima. Mas não. Preferiram morder outra vez. No dia 9 de Agosto de 1945 foram assassinadas, a sangue frio, entre 60 000 a 80 000 pessoas – não é conhecido o número exacto - na cidade portuária de Nagasaki. A nossa cidade portuária de Nagasaki.

quarta-feira, agosto 06, 2014

Crimes de guerra e colheitas futuras

Os crimes de guerra podem ser definidos como violações das convenções de Genebra e de Haia relativamente às práticas proibidas em situação de guerra. As referidas convenções cobrem um vasto leque de categorias, incluindo os maus tratos infligidos a prisioneiros de guerra, refugiados e não combatentes, o uso da força excessiva e de armas proibidas (tais como gás venenoso); a violação de hospitais e equipas médicas, a tomada de reféns, o bombardeamento de alvos civis; episódios recorrentes de saque, violação, espancamento e assassínio praticados por militares indisciplinados.

Norman Davies, A Europa em Guerra, 1939-1945, Edições 70, 2008, pág. 83.
(realces nossos)

***

Quando um pirralho dá uma canelada num adulto este tem o dever moral de não lhe responder da mesma forma, ou de forma pior, dando-lhe um murro ou um pontapé, por exemplo. O adulto tem a razão e a força que o pirralho não tem e o uso da força numa situação destas, pela sua parte, redunda no uso de força excessiva e na perda da razão.

O governo de Israel porta-se como o adulto irresponsável e o Hamas como o pirralho malcriado. Ambos têm cometido crimes de guerra e os seus líderes deviam ser severamente punidos pela justiça internacional.

Neste conflito não há bons de um lado e maus do outro. Ambos os lados são maus e cada bomba ou rocket lançado por cada uma das partes, cada tiro disparado, é uma semente de ódio e violência que no futuro irá despontar. Tristes colheitas se adivinham.

***

Sobre este assunto, é interessante a entrevista de Zygmunt Bauman, divulgada pelo Diário do Centro do Mundo. Aqui.

terça-feira, agosto 05, 2014

No mundo disfuncional onde nos é dado viver

Ele [o mundo disfuncional onde nos é dado viver] é caracterizado por um processo, iniciado de modo mais sistemático no dealbar os anos de 1980, e que se traduz numa enorme expansão do capital financeiro (suplantando em muito a produção de bens e serviços da chamada «economia real»). Por outro lado, regista-se um enorme aumento da concentração de riqueza, a nível global, facilitado pela quase irresponsabilização da circulação de capitais, com a correspondente perda de peso da componente de rendimentos do trabalho nas economias nacionais. A globalização permitiu a criação de uma elite mundial, transnacional, capaz de influenciar ou mesmo determinar as agendas políticas nacionais e internacionais. 

(…)

O «sistema bancário sombra» (que efectua operações bancárias sem ser submetido à disciplina do bancos oficiais) movimentou 67 biliões de dólares norte-americanos em 2011 (111% do PIB mundial).

Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, Temas & Debates/Círculo de Leitores, pág. 109

***

O crescimento exponencial da componente dos rendimentos do capital financeiro no rendimento global planetário ditou uma desvalorização relativa dos rendimentos do trabalho.

Paradoxalmente, no “mundo disfuncional onde nos é dado viver”, a acumulação de riqueza é, cada vez mais, independente do trabalho, daí que se assista hoje, mais do que nunca, à destruição inescrupulosa de estruturas económicas nacionais e à precarização do trabalho, com as inevitáveis consequências na vida do trabalhador, que, ironicamente, já empobrece a trabalhar. O trabalhador, no “mundo disfuncional onde nos é dado viver”, é cada vez mais prescindível. Neste mundo, o especulador vence em toda a linha. O capitalismo financeiro é mais sedutor do que o capitalismo industrial e industrioso. O dinheiro enquanto mercadoria é já a principal variável da equação. Dinheiro gera dinheiro, riqueza gera riqueza. O trabalho é deixado para trás, enquanto prossegue o processo de concentração do rendimento e da riqueza.

segunda-feira, agosto 04, 2014

Ainda no Meridiano

Cormac McCarthy
A violência gratuita e explícita, afinal, não está apenas reservada aos filmes mais brutais e hediondos de Hollywood. Surpreendentemente vim encontrá-la num livro - o Meridiano de Sangue - escrito por Cormac McCarthy, onde ainda me encontro, esperando concluir a leitura em breve. Pensava eu que não seria possível plasmar tal violência numa obra literária. Ou que a literatura estaria sempre aquém do cinema quando se trata de impressionar pela exposição brutal da violência. É impressionante. É certo que na Ilíada, a obra fundadora da literatura europeia, a violência já nos era mostrada de forma explícita, mas estava longe de ser gratuita. Tratava-se de uma violência enquadrada e, de certo modo, justificada. Já os personagens de McCarthy no Meridiano, matam por matar, esfolam por esfolar e deambulam em atribulado e aleatório percurso, ora a aterrorizar os aldeões e os índios do norte do México, ora perdidos pelo deserto de Sonora, mas ainda assim, sempre ávidos por escalpes. Um bando de patifes onde se integra um enigmático personagem, sábio e cientista, mas que também é um implacável assassino: o juiz Holden.

Hoje li estas palavras proferidas por esse estranho personagem:

O universo não é uma coisa limitada e a ordem que o rege não tem peias que, tolhendo-lhe os desígnios, a forcem a repetir noutro lugar qualquer o que já existe num dado lugar. Mesmo neste mundo, existem mais coisas que escapam ao nosso conhecimento do que aquelas que conhecemos e a ordem que os nossos olhos vêem na criação é a ordem que nós lá pusemos, qual fio num labirinto, para não nos perdermos.

Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado, 2008, pág. 204

Ora, curiosamente, já tinha lido qualquer coisa parecida, do filósofo Karl Popper:

Seria desejável que por vezes nos lembrássemos que é precisamente no pouco que sabemos que somos diferentes, já que somos todos iguais na nossa ilimitada ignorância.

Karl Popper, Em Busca de um Mundo Melhor, Editorial Fragmentos, 1989, pág. 59

Um pouco mais adiante, pela boca do mesmo personagem, surgem-me Nietzsche e o niilismo. Diz o juiz Holden, na página 208:

As leis da moral são uma invenção da humanidade para privar dos seus direitos os mais poderosos em favor dos fracos. As leis da história subvertem as leis da moral a cada passo. A validade de uma perspectiva moral nunca pode ser confirmada ou infirmada por um qualquer exame definitivo.

Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado, 2008, pág. 208

sábado, agosto 02, 2014

Como é que a entidade reguladora não percebeu a existência do “buracão” no BES?

Perguntava hoje a pivot da SIC, Maria João Ruela, ao comentador Marques Mendes: como é que ninguém percebeu que a dívida do banco tenha chegado a este valor? E acrescentamos nós: como é que os auditores não deram por ela? Como é que as entidades reguladoras não viram? Como é que o líder do suposto principal partido da oposição confiou e não desconfiou? Não sabiam eles já de uma prática comum por parte das empresas de auditoria aos bancos auditados?

Ainda que se trate de um livro cheio de hinos laudatórios ao credo mercantil, tendo a verdade sido deixada para notas de rodapé, O Declínio do Ocidente, de Niall Ferguson, lá explica, na transição da página 84 para a 85, fazendo uso parcial de uma metáfora:

Espera-se da regulação que reduza o número e grandeza de incêndios florestais. E, no entanto, ela pode, como já vimos, ter exactamente o efeito contrário. Acontece assim porque o próprio processo político é, em si, também bastante complexo. As entidades reguladoras podem ficar reféns daqueles que deveriam regular, não menos pela expectativa de empregos bem pagos, no caso de o guarda-florestal decidir transformar-se num caçador furtivo. Há outras formas de se tornarem reféns. Por exemplo, quando dependem das organizações que tutelam para obter os próprios dados de que necessitam para o seu trabalho.
Niall Ferguson, O Declínio do Ocidente, Como as Instituições se Degradam e a Economia Morre, D. Quixote. 2014, pp. 84-85 (ênfase nossa).

Seremos todos anjinhos?

A “linha da troika

Recorrer à “linha da troika” para recapitalizar um banco é recorrer ao dinheiro do Estado Português. Dinheiro que foi emprestado ao Estado português e cujos juros têm de ser pagos pelo Estado português. Pelos contribuintes. Na verdade, os contribuintes já estão a pagar pelos empréstimos contraídos e que constituem um fundo para salvar bancos em aflição devido à gestão danosa dos seus gestores, que, esses sim, quiseram dar passos maiores do que as suas próprias pernas – por outras palavras, quiseram viver acima das suas possibilidades.

Os contribuintes serão no futuro chamados à pedra? A ver vamos. Já se apronta o argumentário do risco sistémico. E o “buraco” está aí para justificar futuros cortes no rendimento disponível dos contribuintes portugueses.

quinta-feira, julho 31, 2014

Onde se travam as batalhas

A doutrina contra-revolucionária militar actual frisa a importância da conquista do coração e da mente da população.”

Joseph S. Nye, Jr., O Futuro do Poder, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2012, pág. 47


Nos nossos tempos as principais batalhas não são pelos territórios físicos. Ao invés, travam-se pelos territórios psíquicos, pela conquista da nossa consciência. O objectivo é conquistar a nossa mente e o nosso coração. É preciso colocar muitos filtros de permeio quando se observam as imagens na TV. Filtros críticos. Não podemos aceitar acriticamente tudo o que nos mostram, sob pena de nos tornarmos um joguete na mão dos manipuladores da opinião pública.

quarta-feira, julho 30, 2014

O BES não é o GES

Repitamos todos, em voz alta e uníssono, para que não sobre uma réstia de dúvida:

O BES NÃO É O GES!



Muito bom.

Multidões

 STR/AFP

No dia 24 de Julho, no parque aquático de Suining, no sudoeste da China, a multidão procura refrescar-se. A região está a ser atravessada por uma vaga de calor e os serviços meteorológicos locais emitiram um alerta laranja para a província de Sichuan.

Munir Uz Zaman/AFP

No dia 28 de Julho, em Dhaka, no Bangladesh, as multidões, à falta de lugares, ocuparam o tejadilho dos vagões. Vão celebrar o fim do Ramadão.

***

O Sudoeste da China e o Bangladesh encontram-se entre as regiões mais densamente povoadas do mundo – na Ásia Oriental e na Ásia Meridional. Nestas regiões a paisagem é marcada pelo movimento de seres humanos, ao contrário de outras onde a quietude domina e o movimento é a excepção.

terça-feira, julho 29, 2014

Neoliberalismo e impostos

Vivemos numa espécie de neoliberalismo que começou a ganhar o Ocidente e que se tornou extremamente agudo depois da queda do muro de Berlim – e que é muito confundível com o neo-riquismo -, e que, atacado pela crise em que estamos, se transformou num neoliberalismo repressivo, com a multiplicação de impostos, de restrições, etc. Sou contra o neoliberalismo repressivo.”

Adriano Moreia, entrevista ao Jornal “i”, 26 de Julho de 2014

O neoliberalismo é para muitos fundamentalistas de mercado uma palavra proibida. Isso não existe, dizem eles, confundindo liberalismo com neoliberalismo. Que estamos a ver gigantes onde só existem moinhos de vento. Que tal dogma, tal como o consideramos, é incompatível com os aumentos de impostos.

As palavras do Professor Adriano Moreira devem ter feito muita gente arrancar os cabelos do cocuruto, ou rasgado as vestes, vindas de quem vieram.

Os fundamentalistas de mercado fingem não saber que a política fiscal, se for conduzida de acordo com o dogma neoliberal, contribui não para uma justa redistribuição da riqueza, mas sim, para uma injusta concentração da riqueza, amplificando ainda mais as imperfeições do funcionamento do capitalismo, em vez de o regular, aumentado as desigualdades sociais em vez de as estreitar. É o que está a ocorrer actualmente, com o neoliberalismo repressivo “que começou a ganhar o Ocidente”. Alarga-se a base tributária, e, como num funil invertido, concentra-se a riqueza, através da condução dos rendimentos colectados aos contribuintes, fiscalmente assaltados, para os bolsos de uma minoria de credores usurários da alta finança internacional. Se não, como explicar o facto de ao enorme aumento de impostos corresponder uma degradação generalizada dos serviços públicos e a desactivação de muitos outros? Se pagamos mais impostos, então deveríamos ser melhor servidos, ou não é assim?

A actual política fiscal é injusta, pois tira a muitos para dar a poucos. Estamos colocados perante uma injustiça fiscal, para não lhe chamar um assalto.

segunda-feira, julho 28, 2014

Tolerância e respeito

A questão da Rússia está a mostrar que o diálogo entre culturas não deve ser baseado na tolerância, mas sim no respeito. A tolerância só é precisa para aquilo de que não gostamos.”

Adriano Moreia, entrevista ao Jornal “i”, 26 de Julho de 2014

Grande Adriano! Daqui lhe tiro o meu chapéu.

Assim é, até nas relações pessoais. Pergunte-se o leitor: se prefere ser tolerado ou respeitado, não podendo escolher as duas?

Aqui preferimos ser respeitados, acima de tudo, ainda que não nos tolerem. E para sermos respeitados é preciso darmo-nos ao respeito. E como é essa história de nos darmos ao respeito? É simples. Miguel Esteves Cardoso, coloca esta questão muito claramente numa obra sua:

Para haver respeito, temos de nos fazer respeitar. Tem de ficar tudo dito e exprimido…

Miguel Esteves Cardoso, Como é Linda a Puta da Vida, Porto Editora, 2013, pag. 34

Tem de ficar tudo dito e exprimido.

O respeito é um valor mais elevado que a simples tolerância, e portando deve ser ele a reger o diálogo, entre culturas e entre pessoas. E nesse diálogo, tudo tem de ficar dito e exprimido.

A entrevista de Adriano é rica e pedagógica. Votaremos a falar dela.

domingo, julho 27, 2014

Alcochete




E há deliciosas sardinhas assadas na brasa.

sábado, julho 26, 2014

Velha política e nova geopolítica não combinam

António José Seguro ao computador.(*)
Os políticos, com destaque para os candidatos dos partidos maioritários na assembleia, continuam a fazer política à moda antiga. Parece que ainda não se aperceberam que os tempos são outros.

Prometem, como sempre prometeram, promessas aquilo que sabem que não irão cumprir, ou que poderão não cumprir, ou então, que não sabem que não irão cumprir (neste caso serão ingénuos? Quem quiser que acredite.).

Quem quer ouvir promessas da boca de quem nunca as cumpriu e sempre enganou, e se enganou, uma vez no governo? Quem quer ouvir promessas de quem pensa, ou quer fazer-nos pensar, que o poder ainda reside no governo, quando o verdadeiro poder já não mora ali? Quem quer ouvir promessas de quem diz que não faz promessas, apontando infantilmente o dedo ao outro menino, que ele é que fez promessas e depois não cumpriu? Ofendem-nos, as promessas e as palavras doces e melífluas, quando os tempos são difíceis.

Os tempos são outros. Claramente, os que fazem promessas, não estão a ser realistas nem verdadeiros para com os eleitores. Seriam mais realistas se dissessem que devemos esperar sangue, suor e lágrimas, como uma vez fez esse grande estadista que foi Churchill.

Neste momento, Portugal é como se fosse um país sob ocupação, ainda que não tenha sido invadido por exércitos ou marinhas. Nem foi preciso. A velha geopolítica, que se baseava exclusivamente na contagem de soldados e canhoneiras para aferir o poder das potências em contenda, passou à história. Hoje a nova geopolítica baseia-se também noutros poderes tão ou mais eficazes do que o antigo poder da força das armas. A incapacidade da U.E. ou dos E.U.A. em realizar um verdadeiro boicote à Rússia é um exemplo do funcionamento desta nova geopolítica. Estamos já a ser dominados por poderes de origem difusa, difíceis de identificar com precisão, na sua proveniência.

Paulo Portas e Xi Jinping, na ilha Terceira
Enquanto isso, o governo português age como se fosse uma comissão liquidatária. Portugal está à venda e vende-se, e os nossos governantes acocoram-se frente aos poderes económicos e financeiros do mundo. A recente deslocação de Paulo Portas aos Açores para se encontrar com o presidente chinês é mais um sintoma desta situação: no nosso território, foi o vice-primeiro-ministro português ao encontro do chinês – um verdadeiro beija-mão - que por acaso lá fez uma escala nos Açores, a caminho do seu destino, e não foi o chinês a ir ao encontro do vice-primeiro-ministro português.


E até na CPLP Portugal se rendeu, na posição que assumiu, aos interesses económicos e financeiros (petróleo, gás natural e bancos…). A CPLP é pois, cada vez mais, uma CP (Comunidade de Países) e cada vez menos uma CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Uma vergonha.

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(*) - "As pessoas estão desiludidas com a forma como se faz política, uma parte dessa desilusão e desse desencanto reside no facto de os políticos, prometerem uma coisa antes das eleições e depois fazerem outra quando chegam ao poder, como é o caso deste primeiro-ministro." (António José Seguro)

Embora o constate, continua, também ele, a fazer promessas.

terça-feira, julho 08, 2014

Portugal ruma ao desenvolvimento

Hoje fomos tomados pelo entusiasmo ao ouvir o Sr. Primeiro-ministro anunciar, baseando-se num estudo encomendado pelo seu governo à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que afinal as desigualdades na distribuição do rendimento assim como os índices de pobreza relativa, estavam a diminuir. Boas notícias! Se considerarmos ainda a notícia menos recente da diminuição na taxa de desemprego, tudo indicia então que o desenvolvimento chegou ao País. Caramba! Afinal o neoliberalismo é coisa boa e contribui para o desenvolvimento. E julgávamos nós que estávamos a empobrecer, a ficar socialmente cada vez mais desiguais e que a diminuição da taxa de desemprego se devia há recente hemorragia emigratória de desempregados, que superou a dos anos 60.

Fomos ver, e... pasmo!

O tal relatório da OCDE intitulado, Portugal, Consolidação da Reforma Estrutural para o Apoio ao Crescimento e Competitividade, Julho de 2014, refere logo no prefácio do Sr. Angel Gurría (3ª frase) que “Portugal conseguiu reduzir a desigualdade na distribuição do rendimento e conter o aumento da pobreza, apesar de passar por uma grave crise, com níveis recorde de desemprego.”

Depois de esfregarmos os olhos, fomos ver melhor à página 9 do dito relatório e lá diz:

De acordo com o coeficiente de Gini entre 2007 e 2012, Portugal sofreu, de forma efetiva, o segundo maior decréscimo ao nível da desigualdade na distribuição dos rendimentos da União Europeia, (Figura 6). Contudo, a melhoria na distribuição do rendimento concentrou-se no período de 2007 a 2009. Desde então, a desigualdade pouco variou, mantendo-se estagnada num nível elevado (o sexto mais elevado da OCDE). A taxa de pobreza relativa também desceu de forma acentuada neste período, uma conquista que o País conseguiu manter durante a crise apesar do difícil ambiente económico (Figura 7).” (os destaques e sublinhados são nossos)

Fomos ver os gráficos: referem-se no título, a alterações no coeficiente de Gini e da taxa de pobreza relativa, no período 2007-2011. Além disso saliente-se que segundo o relatório: “a melhoria na distribuição do rendimento concentrou-se no período de 2007 a 2009.

Que desilusão! O presente governo assumiu funções em meados de 2011. O período a que se refere o relatório, no que respeita à variação do coeficiente de Gini e à variação do índice de pobreza relativa, abrange, quanto muito, os primeiros 6 meses da sua actuação, contudo, a informação foi apresentada nos órgãos de comunicação social, de tal forma, que esses “êxitos” parecem ser da sua lavra. É no que dá um relatório feito de encomenda.

Nos discursos do primeiro-ministro e do Sr. Angel Gurría omitiu-se oportunamente o facto de a melhoria na distribuição do rendimento se ter concentrado no período de 2007 a 2009 e que o nível de desigualdade de rendimentos é ainda “o sexto mais elevado da OCDE”.

O cinismo desta gente é de bradar aos céus.

O referido relatório pode ser consultado AQUI.

segunda-feira, julho 07, 2014

Portugal, A Flor e a Foice, de J. Rentes de Carvalho

O livro de J. Rentes de Carvalho, Portugal, A Flor e a Foice, projecta uma luz de holofote sobre um período histórico, que agora alguns querem branquear em novas historiografias. Ao lê-lo tudo fica mais claro. Escrito em cima dos acontecimentos, mas em dois espaços diferentes, Portugal e Holanda, o que lhe confere quase simultaneamente a proximidade e a distância necessárias a uma visão clara, livre de contaminações revisionistas, não se coíbe de chamar os bois pelos nomes. Ao contrário de uma certa História de Portugal que por aí foi contada em fascículos – refiro-me àquela que foi coordenada por Rui Ramos e companhia -, em que não se ousa chamar ao Estado Novo de Salazar, aquilo que ele realmente foi, um regime fascista, Rentes coloca-os – a Salazar e ao estado Novo - no seu devido lugar, entre os regimes fascistas europeus. Finda a leitura, o sentimento é de gratidão para com o homem, pela leitura prazerosa e por clarificar em momento oportuno o que muitos por aí nos querem ocultar ou confundir, trocando as voltas à história.

***


O general António de Spínola, primeiro presidente da IIIª República, lutou na Guerra Civil de Espanha ao lado dos franquistas, como voluntário, e esteve ao lado dos nazis, com as tropas alemãs do general Von Paulus, em Estalinegrado. É caso para dizer “Herr von Spínola”, como lhe chama Rentes, num capítulo que lhe é dedicado. Não deixa de ser uma ironia que o primeiro presidente após o 25 de Abril de 1974 tenha estado com os nazis e com os franquistas, num dos períodos mais negros na história da Europa e do mundo.

sábado, julho 05, 2014

A Fortuna protege os boches

Nem Neymar nem Thiago Silva, dois elementos fundamentais da equipa de futebol brasileira, vão defrontar os alemães nas meias-finais do Campeonato do Mundo de Futebol, na próxima terça-feira. O primeiro abandona o Mundial com uma vértebra fracturada, o segundo foi suspenso por acumulação de cartões amarelos.

É caso para dizer: a sorte protege os alemães.

Neymar contorcendo-se de dores após ter sido atropelado por um bruto  jogador chamado camião.

Sposalizio

Rafael, Sposalizio, 1504

Sposalizio (detalhe)

Rafael, Sposalizio (detalhe), 1504

sexta-feira, julho 04, 2014

O povo

«Olhando para trás, ao longo de oitocentos anos há aqui e ali um estadista íntegro, outro que é sábio e avisado, um jurista capaz e justo. Houve políticos de valor, homens de vistas largas e generosas. Alguns vice-reis voltaram da Índia mais pobres do que para lá tinham ido. Raras excepções. Mas nenhuns dos seus actos justificam a profusão de estátuas, nem as comemorações, nem os discursos bombásticos de ontem, de hoje ou amanhã. Nos oitocentos anos, mais que as virtudes isoladas ou as benfeitorias de um ou outro governante, avultam os crimes contra o povo

J. Rentes de Carvalho, Portugal, a Flor e a Foice, Quetzal, 2014, pág. 35. (o destaque é nosso)

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«O povo (conjunto organizado de cidadãos), que não se confunde com a multidão (conjunto caótico de indivíduos), é a instituição genética de toda a ordem política. É nele que se concentram as forças demiúrgicas da construção, reconstrução e reforma dos regimes políticos.» 

Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, Temas e Debates, 2014, pág. 283. (o destaque é nosso)


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Dois excelentes livros, o de Rentes, em leitura, e o de Viriato, já lido. Rentes, dispara em todas as direcções, excepto na direcção do povo (pelo menos até à página 54, onde vou). Não me divertia tanto desde a leitura do livro de Martin Page, A Primeira Aldeia Global

Viriato, clarifica no trecho seleccionado, a distinção entre povo e multidão. Dois conceitos muitas vezes confundidos.

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Aqui, ama-se o povo - o português em particular - mas evita-se a multidão.

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