sexta-feira, setembro 05, 2014

E aí, onde aparece, começa a noite escura

No «projéctil capaz de pensar», chegámos ao ponto extremo da moderna dissimulação do sujeito, pois o que se chama sujeito na época moderna é na verdade esse eu da autoconservação que se está a retirar passo a passo da vida até ao auge paranóico.
(…)
A próxima grande guerra já só verá como combatentes pessoas esquizofrénicas e máquinas. Homunculi, representantes do Estado, gerentes-lémures desdobrados das forças destrutivas, premirão, quando «for preciso», os botões decisivos, e robots heróicos assim como máquinas infernais «capazes de pensar» saltarão uns sobre os outros – o experimentum mundum estará terminado: o ser humano era um falhanço. O Iluminismo só pode extrair a seguinte conclusão: não se pode iluminar, esclarecer [al. aufklären] o ser humano, pois este era já em si a falsa premissa do Iluminismo. O ser humano não basta. Encerra em si o princípio obscurecente da dissimulação, e aí onde aparece o seu eu não pode luzir o que foi prometido por todos os Iluminismos: a luz da Razão.

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água, 2011, pp. 446-447.

***

Estamos perante outra versão do dito heideggeriano segundo o qual só um deus poderá salvar-nos. Para Sloterdijk, nem a Ciência nem a Razão podem salvar-nos. Para ele o Homem é uma experiência falhada: “o ser humano era um falhanço”. O ser humano é a “falsa premissa do Iluminismo”. “O ser humano não basta”, diz ele, nem se basta a si mesmo, para se salvar: só um deus, caso exista, o poderá salvar.

Até lá a loucura prossegue, enredada no mais profundo desespero.

Etiquetas