No «projéctil capaz de pensar», chegámos ao ponto extremo da moderna dissimulação
do sujeito, pois o que se chama sujeito
na época moderna é na verdade esse eu da autoconservação que se está a retirar
passo a passo da vida até ao auge paranóico.
(…)
A próxima grande guerra já só verá como combatentes pessoas
esquizofrénicas e máquinas. Homunculi,
representantes do Estado, gerentes-lémures desdobrados das forças destrutivas,
premirão, quando «for preciso», os botões decisivos, e robots heróicos assim como máquinas infernais
«capazes de pensar» saltarão uns sobre os outros – o experimentum mundum estará terminado: o ser humano era um
falhanço. O Iluminismo só pode extrair a seguinte conclusão: não se pode
iluminar, esclarecer [al. aufklären]
o ser humano, pois este era já em si a falsa premissa do Iluminismo. O ser
humano não basta. Encerra em si o princípio obscurecente da dissimulação, e aí
onde aparece o seu eu não pode luzir o que foi prometido por todos os Iluminismos:
a luz da Razão.
Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água,
2011, pp. 446-447.
***
Estamos perante outra versão do
dito heideggeriano segundo o qual só um deus poderá salvar-nos. Para Sloterdijk, nem a Ciência nem a Razão
podem salvar-nos. Para ele o Homem é uma experiência falhada: “o ser humano era
um falhanço”. O ser humano é a “falsa premissa do Iluminismo”. “O ser humano
não basta”, diz ele, nem se basta a si mesmo, para se salvar: só um deus, caso
exista, o poderá salvar.
Até lá a loucura prossegue,
enredada no mais profundo desespero.