Aquilo que destinámos ao inimigo – a sua aniquilação numa grande
superfície por consumpção, contaminação, atomização -, temos de começar por o
fazer sofrer à própria arma. No fundo, mais não é do que a nossa mensagem para
o nosso adversário, transmite as nossas intenções a seu respeito. Por esta
razão, as armas são os representantes do inimigo no nosso próprio arsenal. Quem
forja uma arma dá a perceber ao seu
inimigo que será tão impiedoso a seu respeito como a respeito da moca, do bloco
de ferro, do obus e da ogiva. A arma é já o adversário maltratado; ela é a coisa-para-ti. Quem
se arma está sempre já em guerra. De facto, esta opera continuamente
segundo alternâncias de quente e de frio e chamamos abusivamente paz à fase
fria. Na óptica do ciclo polémico, a paz significa tempo do armamento, quer dizer, transferência das hostilidades para os metais; a guerra é, por conseguinte, a utilização e consumo dos produtos de armamento; a actualização das armas contra o adversário.
Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água,
2011, p. 445.
(escrito em 1983, destaques nossos)
A paz é mais do que um estado em
que se ganha fôlego e músculo para a guerra seguinte. A paz é já a fase fria da guerra
incessante. De acordo com esta acepção vivemos sempre num estado de guerra.
Guerra contra a Natureza, guerra contra os outros, guerra contra nós próprios.