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domingo, agosto 13, 2023

Abismos

 

O mundo não está bem. Raramente, nas últimas décadas, esteve tão perto de abismos diversos.

António Barreto, aqui e no Público de hoje

 

Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.

                                                             Nietzsche

 

Abismos diversos. Temos o abismo nuclear, o abismo climático, o abismo demográfico, o abismo económico e financeiro (as crises geradoras de desemprego e miséria), o abismo sanitário (virológico e bacteriológico, pandémico), o abismo político (a ascensão dos regimes autoritários) e mais algum abismo que nos escapa ou, pior, que desconhecemos, como o peru do Dia da Acção de Graças que nem suspeita o que lhe vai acontecer, tão bem tratadinho que é. 

 

Caminhamos numa senda perigosa e estreita, rodeada de abismos. Não sabemos como estaremos quando sairmos daqui, ou se iremos sequer sair daqui.

 

E o que acontece quando nos pomos a mirar os abismos mais profundos, ali, até onde a vista alcança e se perde no negrume? Ouvimos soar do fundo uma ameaça aterradora. Um rugido gutural, nunca ouvido. O fim.

 

O melhor é atalhar caminho e estugar o passo, sem olhar para trás.

sexta-feira, junho 09, 2017

“E também não gosto…” Nietzsche não era anti-semita e por certo não gostaria de nazis

«Mas não gosto de todos esses pequenos percevejos, cuja ambição insaciável é a de libertar o cheiro infinito, até o infinito acabar por cheirar a percevejos; não gosto de túmulos redecorados que imitam a vida; não gosto dos homens cansados e gastos que se embrulham em sabedoria e têm uma visão «objectiva»; não gosto de agitadores que se vestem de heróis e disfarçam a velha cabeça de alho chocho com um boné mágico de ideias; não gosto de artistas ambiciosos que aspiram representar o ascético e o sacerdote e que, no fundo não passam de palhaços trágicos; e também não gosto desses especuladores mais recentes no idealismo, os anti-semitas que, a rolar os olhos num estilo cristão-ariano-filisteu, procuram despertar todos os elementos bovinos do povo através de um abuso exasperante dos meios mais vis de agitação e atitudes morais (que todo o tipo de fraude intelectual alcança algum grau de sucesso na Alemanha de hoje está relacionado com a estultificação inegável e já tangível da mente alemã, cuja causa procuro numa dieta extremamente exclusiva de jornais, políticas, cerveja e música wagneriana, incluindo o que esta dieta pressupõe: em primeiro lugar a constrição e vaidade características da nação, o princípio forte mais limitado de «Deutschland, Deutschland über alles», bem como a paralysis agitans das ideias modernas»).»

Friedrich Nietzsche, A Genealogia da Moral, Publicações Europa-América, 2002, pág. 134 (livro de bolso) (o destaque a negrito é nosso)

***

Que eram eles, esses nazis, senão “pequenos percevejos” que empestavam o mundo, querendo que o mundo cheirasse como eles. Não foi a sua ideologia um “túmulo redecorado de vida”? Não eram eles “agitadores vestidos de heróis” nas suas fardas e botas cardadas? Palhaços trágicos! Anti-semitas que despertaram os “elementos bovinos” do povo alemão, “através do abuso exasperante dos meios mais vis de agitação e atitudes morais”. Eis os homenzinhos das SS, nas suas primeiras “acções de combate”, quando saltavam dos seus camiõezinhos ao som de apitos e se punham a dar cacetadas nos sociais-democratas, como nos narra Stefan Zweig:

«Certo dia, quatro camiões chegaram de repente a grande velocidade a uma localidade fronteiriça onde se estava a realizar um comício pacífico dos social-democratas; cada camião vinha apinhado de jovens nacional-socialistas empunhando cacetes de borracha, e tal como me tinha sido dado ver, na Praça de São Marcos em Veneza, também estes aqui surpreenderam, pela sua rapidez, todos os presentes que foram apanhados desprevenidos. Tratou-se exactamente do mesmo método copiado dos fascistas, só que aprendido com férrea precisão militar e sistematicamente organizado até ao último pormenor, à maneira alemã. A um assobio, os homens das SS saltaram dos veículos à velocidade de um raio, bateram com os seus cacetes de borracha em quem lhes aparecia pela frente e, antes que a polícia pudesse intervir, ou os trabalhadores pudessem juntar-se, já eles tinham voltado a saltar para dentro dos camiões que partiram à desfilada.»

    Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim, 2005, pág. 394


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Não, Nietzsche não era anti-semita, e por certo abominaria nazis. Parece tê-los cheirado com muitos anos de antecedência, muito antes dos contemporâneos daqueles se terem apercebido do que aí vinha.

domingo, maio 31, 2015

O eterno retorno: uma vez e outra chegaremos à luz

somos postos no mundo para uma existência subterrânea de luta; uma vez e outra chegaremos à luz, uma vez e outra experimentaremos a hora dourada da vitória – e depois erguer-nos-emos recém-nascidos, indestrutíveis, tensos e prontos para o que é novo, mais difícil, mais distante, como um arco que cada necessidade meramente estica mais.

Friedrich Nietzsche

Nietzsche, Friedrich, A Genealogia da Moral, Publicações Europa-América, 2002, pág. 51

sábado, junho 18, 2011

Aproximação cautelosa

Oh, como somos felizes, nós que procuramos o conhecimento, se não quebrarmos o silêncio prematuramente!...

Nietzsche, A Genealogia da Moral


Feliz o caçador que consegue aproximar-se furtivamente da sua presa, contra o vento e sem fazer estalar um galho.

A impaciência paga-se caro.

Qualquer precipitação pode deitar tudo a perder. Até o conhecimento pode fugir como uma presa assustada, antes de ser alcançado.

segunda-feira, abril 26, 2010

Ante o Abismo


Enquanto os pensadores, ante o céu aberto, pensavam o cosmos como uma abóbada - incomensurável, mas fechado - , encontravam-se protegidos contra o perigo de se exporem ao frio no exterior. O seu mundo era ainda a casa sem fugas. Mas, depois de darem a volta ao planeta, o astro errante que sustenta floras, faunas e culturas, abre-se um abismo por cima deles através do qual descobrem, pestanejando, um exterior sem fundo. O segundo abismo surge com as culturas estrangeiras, que, após as luzes etnológicas, demonstram que, em diferentes lugares, praticamente tudo pode ser totalmente diferente.

Peter Sloterdijk, Palácio de Cristal

E se olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.

Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal

Se a consciência não é, como disse algum pensador inumano, nada mais que um relâmpago entre duas eternidades de trevas, então não há nada mais execrável do que a existência.

Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida

Hoje, enfim, eis-nos «de pé e enfrentando o caos». Coisa que nunca fizemos antes. O confronto com o caos seria já por si bastante perturbante e doloroso. Mas a novidade do facto – a completa ausência de precedentes que nos sirvam de pontos de referência, que nos tranquilizem e nos guie – torna a situação completamente desconcertante.

Zygmund Bauman, A Vida Fragmentada


A existência é como uma partícula que flutua entre abismos insondáveis. Questionamos os abismos e os abismos devolvem-nos as questões. A existência transformou-se naquilo que Unamuno temia: uma relâmpago entre eternidades de trevas, abismos sombrios que nos devolvem o eco das nossas próprias questões. Sloterdijk faz-nos notar que até o céu, para lá das esferas, é um abismo.

Quando questionamos o abismo, o abismo devolve-nos a questão - o eco do nosso próprio grito. Além não há nada. Estamos sós, pela primeira vez, sem Deus e sem Razão, rodeados por abismos. 

Ninguém nos responde.

segunda-feira, março 08, 2010

O anticristianismo de Nietzsche

Pensamos compreender Nietzsche e ele faz-se muitas vezes compreender, contudo, verifica-se facilmente que se trata de um ressentido. É um ressentido com o cristianismo. O título mais indicado para a sua imprecação contra o cristianismo é O Anticristianismo e não O Anticristo, pois Cristo não integrou o cristianismo, assim como Marx, por exemplo, não foi marxista. Há que separá-los, Cristo e Marx, das ideologias que neles se basearam, mas que eles não fundaram. Na verdade, Nietzsche afirma que “houve apenas um cristão e que esse morreu na cruz” (1).

Por vezes, não muitas, Nietzsche parece, surpreendentemente, de forma implícita, valorizar Cristo. Por exemplo, quando afirma que “Qualquer prática quotidiana, qualquer instinto, qualquer juízo de valor que se torne acto são, actualmente, anticristãos: que monstro de falsidade há-de ser o homem moderno, para que, apesar disso, não se envergonhe de ainda se chamar cristão!(2), está implicitamente a considerar Cristo como uma referência que não está a ser seguida, em actos e atitudes, por aqueles que se dizem cristãos, e que esses deveriam por isso envergonhar-se, na medida em que estão a ser falsos.

Nietzsche parte também de uma premissa falsa ao separar o Homem da Natureza. Para ele os “valores naturais”, a Natureza e a Vida são valores que voam mais alto. O que se opõe à Natureza, aos valores naturais, à Vida deve ser alvo de imprecação. Mas o Homem, na verdade, faz parte da Natureza, o Homem não está fora da Natureza e por isso qualquer separação entre Homem e Natureza é artificial.

Outra objecção: Nietzsche condena o cristianismo por este ter considerado a Ciência o primeiro pecado, o pecado original, aquele que levou à expulsão de Adão e Eva do Paraíso. Tudo porque a ciência “tornava o Homem igual a Deus” (3). Mas a verdade é que o homem científico está a transformar o mundo num lugar muito distante de um paraíso. O mundo pode tornar-se num inferno por causa do uso indevido que se faz dos avanços científicos. Um inferno atómico, um inferno demográfico, um inferno ambiental, etc. Na verdade, o uso que o Homem está a fazer dos conhecimentos científicos está a expulsá-lo do Paraíso, o paraíso terrestre, ameaçado pela degradação ambiental e pela extinção das espécies. E aqui a metáfora da Árvore do Saber e da expulsão do Paraíso, torna a emergir, prenhe de significado.

O conhecimento científico é um instrumento ao serviço do Homem, e como todos os instrumentos, pode ser utilizado indevidamente.

Nietzsche é preconceituoso em relação à mulher, que considera fraca de vontade:

“Qualquer forma de crença é em si mesma uma expressão de despersonalização, de alienação de si próprio…Se se tiver em conta como é necessário à maioria das pessoas um elemento regulador que as ligue e as fixe a partir do exterior, como a coacção (num sentido mais radical, a escravatura) é a única e derradeira condição que permite prosperar às pessoas de vontade mais fraca, sobretudo à mulher, pois também se compreende a convicção, a «fé»”. (4)

Nietzsche considera a bondade uma fraqueza, com uma excepção: “Só às pessoas mais espirituais é permitido aceder à beleza e ao belo; só nelas é que a bondade não é fraqueza.” (5). O filósofo classifica muitas vezes as pessoas em fracas e fortes, como se tal fosse possível. Tratam-se de condições transitórias. Ninguém é sempre fraco, assim como ninguém é sempre forte. O ser humano vacila muitas vezes, cai e levanta-se…

Enfim, o cristianismo para Nietzsche, é o grande inimigo da Vida, ainda que tenha como primeiro mandamento “Não matarás!”. E isto é uma contradição.

P.S. - Contudo percebemos o rancor de Nietzsche em relação a esses que mataram e matam em nome de Deus, quando o primeiro mandamento pelo qual dizem guiar-se é “Não matarás!”, ou em relação aos sacerdotes, como por exemplo, os padres pedófilos que violam, para além das crianças, os princípios cristãos mais fundamentais. Com efeito, tem razão Nietzsche quando afirma que houve apenas um cristão e que esse morreu na cruz.


***

Notas:

(1) – Friedrich Nietzsche, O Anticristo in Obras Escolhidas de Friedrich Nietzsche, Volume 7, Relógio D’Água, 2000, pág. 57.

(2) – Op. cit., pág. 57.

(3) – Op. cit., pág. 75

(4) – Op. cit., pág. 87

(5) – Op. cit., pág. 93

sábado, março 06, 2010

O desprezo pelo homem moderno

«Há dias em que me atormenta um sentimento mais negro que a mais negra melancolia: o desprezo pelo homem. E para não deixar dúvidas quanto ao que desprezo, a quem desprezo: é o homem de hoje, o homem de que sou fatidicamente contemporâneo.»

O homem de hoje – o seu hálito impuro sufoca-me…Em relação a coisas passadas sou, como todos os adeptos do saber, de uma grande tolerância, isto é, de um magnânimo autodomínio: percorro o universo de manicómio de milénios inteiros, quer se chame “cristianismo”, “fé cristã” ou “Igreja Cristã”, com uma sombria precaução – e abstenho-me de tornar a humanidade responsável pelas suas doenças mentais. Mas o meu sentimento muda, rompe-se assim que entro nos tempos modernos, no nosso tempo.

(…)

«Qualquer prática quotidiana, qualquer instinto, qualquer juízo de valor que se torne acto são, actualmente, anticristãos: que monstro de falsidade há-de ser o homem moderno, para que, apesar disso, não se envergonhe de ainda se chamar cristão!»

Nietzsche (1895), O Anticristo

sábado, fevereiro 27, 2010

Os que se calam


"Nos que se calam, há quase sempre falta de delicadeza e de cortesia sinceras; o silêncio é uma reserva, engolir tudo causa necessariamente mau carácter, e até estraga a digestão. Todos os que se calam são dispépticos."

Friedrich Nietzsche, Ecce Homo

sábado, agosto 02, 2008

Babel Pós-moderna, ou, A Falar é que a Gente se Desentende

A história teima em repetir-se.

As torres do World Trade Center implodiram ante os nossos olhos estupefactos. E mais uma vez, a confusão das línguas, das religiões, das civilizações...

Mas se o embargo da torre primordial teve origem divina, a derrocada das torres pós-modernas de Nova Iorque teve origem humana. Nem podia ser de outra forma, pois Deus já não se encontra entre nós, (morreu, não é verdade?!).

Neste mundo abandonado à cacofonia das línguas já ninguém se entende.

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