segunda-feira, abril 26, 2010

Ante o Abismo


Enquanto os pensadores, ante o céu aberto, pensavam o cosmos como uma abóbada - incomensurável, mas fechado - , encontravam-se protegidos contra o perigo de se exporem ao frio no exterior. O seu mundo era ainda a casa sem fugas. Mas, depois de darem a volta ao planeta, o astro errante que sustenta floras, faunas e culturas, abre-se um abismo por cima deles através do qual descobrem, pestanejando, um exterior sem fundo. O segundo abismo surge com as culturas estrangeiras, que, após as luzes etnológicas, demonstram que, em diferentes lugares, praticamente tudo pode ser totalmente diferente.

Peter Sloterdijk, Palácio de Cristal

E se olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.

Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal

Se a consciência não é, como disse algum pensador inumano, nada mais que um relâmpago entre duas eternidades de trevas, então não há nada mais execrável do que a existência.

Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida

Hoje, enfim, eis-nos «de pé e enfrentando o caos». Coisa que nunca fizemos antes. O confronto com o caos seria já por si bastante perturbante e doloroso. Mas a novidade do facto – a completa ausência de precedentes que nos sirvam de pontos de referência, que nos tranquilizem e nos guie – torna a situação completamente desconcertante.

Zygmund Bauman, A Vida Fragmentada


A existência é como uma partícula que flutua entre abismos insondáveis. Questionamos os abismos e os abismos devolvem-nos as questões. A existência transformou-se naquilo que Unamuno temia: uma relâmpago entre eternidades de trevas, abismos sombrios que nos devolvem o eco das nossas próprias questões. Sloterdijk faz-nos notar que até o céu, para lá das esferas, é um abismo.

Quando questionamos o abismo, o abismo devolve-nos a questão - o eco do nosso próprio grito. Além não há nada. Estamos sós, pela primeira vez, sem Deus e sem Razão, rodeados por abismos. 

Ninguém nos responde.

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