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sábado, março 23, 2019

A poesia visita as mentes com o fulgor de um raio

Heinrich Heine e a Musa da Poesia, 1894–1894
Georges Moreau de Tours

O poeta (como o homem moral na sua acção, que nunca é isenta de alguma impureza) sofre com as manchas que percebe na sua obra e gostaria de as remover a todas, até ao mais ínfimo vestígio […] Mas a poesia visita as mentes com o fulgor de um raio e o trabalho humano tenta segui-la, atraído, fascinado por ela e dela colhe o que pode e, em vão, pede que fique e se deixe remirar em todos os traços do rosto, mas ela já vai longe.  

Croce, A Poesia (1936), citado por Umberto Eco, Aos Ombros de Gigantes, Gradiva, 2018, p. 298.

sábado, fevereiro 20, 2016

Viveu Umberto


Umberto Eco (5/01/1932 - 19/02/2016)
As seis referências a Umberto Eco assinaladas neste blogue e as que, por certo hão-de vir, são a homenagem que aqui lhe prestamos. Umberto é, e será aqui, sempre uma referência.

Partiu um anfitrião do mundo da cultura, um apontador de caminhos, um divulgador, um verdadeiro professor, mas também um desbravador de mundos, dos quais, com prazer, nos deu notícia. Um explorador no bom sentido da palavra e um criador.

Para ele, por ter partilhado connosco a sua obra e o seu conhecimento, a nossa mais profunda reverência de agradecimento. 

Esta vida, sem a sua obra seria, inquestionavelmente, mais pobre, mais desinteressante e mais desinteressada. E isto dito sem qualquer sombra de exagero.

Viveu Umberto. E ainda bem que viveu.

domingo, outubro 07, 2012

Não é a relíquia que faz a fé, mas a fé que faz a relíquia


«Quando se visita um tesouro não é necessário aproximarmo-nos das relíquias com espírito científico, senão arriscamo-nos a perder a fé, porquanto notícias lendárias relatam que no século XII, numa catedral alemã, se conservava o crânio de São João Baptista com a idade de 12 anos.

(…)

Em suma,  não é a relíquia que faz a fé, mas a fé que faz a relíquia.»

Umberto Eco, Construir o Inimigo e Outros Escritos Ocasionais, Gradiva, 2011, Pág. 96.

sábado, novembro 19, 2011

O darwinismo do Génesis

O criacionismo é coisa de fundamentalistas protestantes, diz Umberto Eco, e, paradoxo dos paradoxos, o texto em que se baseiam – o Génesis - até é “refinadamente” darwinista. Nos nossos dias, e sabendo o que sabemos hoje, qualquer interpretação literal da Bíblia, como a que realizam os fundamentalistas protestantes, ultrapassa a fronteira da sanidade e da razoabilidade. Mas, por outro lado, a leitura metafórica também pode prestar-se a diversas interpretações, algumas até de sinal contrário. E assim, tudo o que antes era religiosamente proibido passa agora a ser vagamente permitido.

***

Ora, seria infantil pedir a São Tomás absolvições para quem pratique um aborto dentro de um dado período de tempo, e, provavelmente, ele não pensava sequer nas implicações morais do seu discurso, que hoje chamaremos de tipo refinadamente científico. No entanto, é curioso que a Igreja, que sempre se reclama do magistério do doutor de Aquino, sobre este ponto tenha decidido afastar-se tacitamente das suas posições.

Aconteceu um pouco aquilo que aconteceu com o evolucionismo, com que a Igreja tinha chegado a acordo há muito, porque basta interpretar em sentido metafórico os seis dias da criação, como sempre fizeram os padres da Igreja, e eis que deixa de haver contra-indicações bíblicas a uma visão evolucionista. Pelo contrário, o Génesis é um texto refinadamente darwinista, porque nos diz que a criação aconteceu por fases, do menos complexo ao mais complexo, do mineral ao vegetal, ao animal, ao humano.


No princípio, Deus criou o céu e a terra. [...] Deus disse: «Haja luz!» E houve luz. Deus viu que a luz era uma coisa boa e separou a luz das trevas e chamou à luz dia e às trevas noite. [...] Deus fez o firmamento e separou as águas que estão debaixo do firmamento das águas que estão por cima do firmamento. [...] Deus disse: «Juntem-se as águas que estão debaixo do céu num único lugar e apareça seco.» E assim aconteceu. Deus chamou ao seco terra e à massa das águas mar. [...] E Deus disse: «A terra produza rebentos, ervas que produzam sementes e árvores de fruto, que dêem na terra fruto com a semente, cada uma segundo a sua espécie» [...]. Deus fez as duas luminárias grandes, a luminária maior para senhorear o dia e a luminária menor para senhorear a noite, e as estrelas. [...] Deus disse: «As águas fervilhem de seres vivos e aves voem sobre a terra, diante do firmamento do céu.» [...] Deus criou os grandes monstros marinhos e todos os seres vivos que deslizam e fervilham nas águas [...]. Deus disse: «A terra produza seres vivos segundo a sua espécie: gado, répteis e animais selvagens segundo a sua espécie.» [...] E Deus disse: «Façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança.» [...] E então o Senhor Deus formou o homem com pó da terra e soprou-lhe nas narinas um fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente.


A escolha de uma batalha anti-evolucionista e de uma defesa da vida que chega até ao embrião parece sobretudo um alinhamento com as posições do protestantismo fundamentalista.

Eco, Umberto; Construir o Inimigo e Outros Escritos Ocasionais, Gradiva, 2011. Pág. 127-128

quarta-feira, maio 19, 2010

Um revolucionário que anda para «trás»

O reaccionário é aquele que julga que existe uma sabedoria antiga, um modelo tradicional de ordem social e moral, ao qual devemos regressar a todo o custo; como tal, opõe-se a todas as chamadas conquistas do progresso, desde as ideias liberais democráticas até à tecnologia e à ciência moderna. O reaccionário não é um conservador, é quando muito um revolucionário que anda para «trás».

Umberto Eco, A Passo de Caranguejo, Difel, 2007, pág. 155

Esquerda Arcaica vs Esquerda Pós-moderna

Talvez o pecado original da esquerda contemporânea seja o facto de não saber aceitar completamente a ideia de que o verdadeiro eleitorado de um partido que pretende ser reformista já não é formado pelas massas populares, mas antes pelas classes emergentes e pelos trabalhadores do sector terciário (que não são poucos, pelo que é preciso que os partidos deixem de se dirigir à mítica classe operária e passem a concentrar-se neles).

Umberto Eco, A Passo de Caranguejo, Difel, 2007, pág. 137

sábado, maio 15, 2010

A escola lúdica

Chegámos ao ponto em que as pessoas se esquecem de que a escola não deve ensinar aos estudantes apenas aquilo que eles querem, mas também, e muitas vezes acima de tudo, aquilo que não querem aprender, ou que não sabem que querem (caso contrário, todas as escolas deixariam de ensinar Matemática e Latim para passarem a ensinar jogos de computador – e pela mesma lógica os bombeiros passariam a deixar os gatos fugir e correr pelas auto-estradas, porque esse é o desejo natural dos animais).

Umberto Eco, A Passo de Caranguejo, Difel, 2007, pág. 108

quinta-feira, maio 13, 2010

Os conquistadores vencidos e os vencedores conquistados


Não acredito que a guerra produza cultura, ainda que por vezes as astúcias da razão (como teria dito Hegel) produzam resultados bizarros: os Romanos declararam guerra à Grécia com o objectivo de a latinizarem, e foi a Grécia vencida que conquistou culturalmente o orgulhoso vencedor.

Umberto Eco, A Passo de Caranguejo, Difel, 2007, pág. 215

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