Mostrar mensagens com a etiqueta Educação. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Educação. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, setembro 29, 2020

Paidéia, um lamento

 Paidéia ou educação era, até agora, o esforço de tirar a criança brincalhona, sensível, hedonista e curiosa da forma de ser do pequeno grupo, conduzindo-a ao clima universal das cidades e dos impérios com as suas perspectivas ampliadas, as suas lutas difíceis e o seu árduo trabalho forçado contra si mesmo. A tradição chamava adulto ao homem que tinha aprendido a procurar as suas satisfações em esferas sem felicidade. «A pessoa não tratada severamente não se educa.» Quando nasceram filosofias ou interpretações do mundo de tipo cultural avançado, foram também sempre escolas de tornar adulto no sentido de uma mudança da alma para maior.

 

Peter Sloterdijk, O Estranhamento do Mundo, Relógio D’Agua, 2008, pág. 217

 

***

A educação já não é a paidéia. Como resultado triunfou o hedonismo. O homem adulto infantilizou-se, cada vez menos preparado para enfrentar a vida, o sofrimento e a morte, ao contrário dos bons velhos estóicos. A alma dos homens do Ocidente apequenou-se.

sexta-feira, setembro 25, 2020

A geração mais bem preparada de sempre

Analisar o que se passa nos comportamentos dos mais jovens dá-nos a medida do fracasso do presente. É uma geração de direitos que esqueceu os deveres, apta para as tecnologias e inapta para o resto, hiper-sensível, egoísta, que exige mas não dá. É a geração mais protegida de sempre e a mais assustada, que se quebra à mínima contrariedade, sempre conectada a terminais de informação e diversão, mas desligada do que importa e incapaz de distinguir o essencial do irrelevante.

Excesso de população, a miséria, a pobreza, as injustiças sociais (por exemplo 63 pessoas detêm mais riqueza que 50% da população mundial), guerras permanentes, precariedade dos recursos naturais, aumento das doenças mentais e problemas ecológicos são secundários e mero joguete político. São outros os temas principais da sociedade ocidental: os pelos nas axilas da filha da cantora Madonna, o novo estatuto jurídico dos animais como membros da família, homens grávidos, proibição de livros que fazem distinção entre raparigas e rapazes, negação das diferenças entre masculino e feminino, etc.

O ruído dos debates pós-modernos distrai-nos do essencial e potencia grandes negócios. No sistema capitalista democrático, a bandeira da emancipação foi transformada no principal veículo da publicidade e do consumo.

 

João Maurício Brás, O Mundo às Avessas: o Manicómio Contemporâneo, Opera Omnia, 2018, pág. 16.

 

***

Inversões: direitos sem deveres. O acessório tomou o lugar do essencial. O que era elevado rebaixou-se e o que era baixo, elevou-se. Inversão de valores, desorientação, alucinação, eis onde estamos. A educação já não é a paideia. O ensino empacota-se e vende-se, em particular na universidade. A universidade já não é a Universidade. É toda uma indústria.

 

Andamos distraídos como sonâmbulos, aos grandes movimentos do mundo. Entregues aos opiáceos da publicidade e do consumo e aos bufões das televisões – curiosamente cada canal tem o seu, saltaricando nos programas da manhã - enredados nas insignificâncias da espuma dos dias.

***

“É a geração mais protegida de sempre e a mais assustada, que se quebra à mínima contrariedade” diz João Brás. São a “geração mais bem preparada de sempre” refere uma campanha publicitária da SIC. Uma bajulação que esconde uma ironia.

 

É a geração mais mal preparada de sempre. Mas como em todas as gerações, a vida vai tratar dela, mais cedo ou mais tarde.


sábado, julho 25, 2020

A reabertura das escolas em tempos de pandemia: três casos




Fonte: https://www.worldometers.info/coronavirus/ (consultado a 25 de Julho)


***

A reabertura das escolas em tempos de pandemia é a grande questão política que se coloca neste momento e assim será em crescendo até Setembro. A importância das escolas no funcionamento das sociedades é fulcral. Se houvesse alguma dúvida em relação ao seu papel, esta pandemia contribuiu para apagá-la. De facto, é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. De acordo com a revista TIME “60% das escolas em 186 países e territórios encerraram devido aos confinamentos, levando a que 1,5 mil milhões de estudantes tivessem de ficar em casa”. Fala-se apenas de estudantes, mas o número avoluma-se quando se pensa em toda a comunidade educativa.

É compreensível a ansiedade de alguns governantes com a reabertura das escolas no Outono. Querem re-normalizar o funcionamento das sociedades e da economia o mais depressa possível. Mas, qualquer precipitação pode ter consequências trágicas, levando ao aumento da difusão dos contágios e, consequentemente, ao aumento exponencial do número de óbitos.

O artigo da TIME ilustra três exemplos de reabertura das escolas, um com relativo sucesso, o dinamarquês, um intermédio, o sul coreano e um que correu mal, o israelita. Olhando para os gráficos da evolução do número de casos por dia são patentes as diferenças entre os três países após a reabertura das escolas, facto que reflecte as diferentes condições com que reabriram.


Em Israel, inicialmente foi seguido o modelo da “bolha protectora”, mas ao fim de duas semanas após a reabertura das escolas a 3 de Maio, as limitações que se colocavam ao tamanho das turmas foram levantadas. O resultado foi o agravamento das situações de contágio entre alunos, professores e comunidade educativa, forçando o governo a fechar as escolas a 3 de Junho.

Seria bom que isto não acontecesse em Portugal, quando as escolas reabrirem em Setembro.

domingo, abril 12, 2020

Examinar é preciso, viver não é preciso


O nosso sistema educativo, que se pretende inclusivo, dizem, tem no final provas exclusivas, provas excludentes, provas selectivas. Um paradoxo. Provas para separar o trigo do joio. Provas para seriar.

No fim do dia, afinal o que conta são os exames. A avaliação, selectiva, sobrepõe-se a tudo o resto, ou seja, a todas as outras funções que a escola tem ou deveria ter, na escala de valores que a sociedade lhe atribui. É assim que a sociedade vê a escola e quanto a isso não há nada a fazer. As outras funções da escola não atingem tal magnitude nessa escala de valorização social, é o que se depreende da decisão de priorizar a reabertura do ensino presencial pelos 11º e 12º anos, logo que seja possível, nas disciplinas em que o exame se exige para entrada no ensino superior. Por outras palavras, a razão magna para reabrir o ensino presencial, no contexto actual, é a necessidade de realizar exames de acesso ao ensino superior.

O que diria Sócrates, o Filósofo, desta nossa concepção de escola?

(De Platão não falo, pois consta que a encimar o portão da Academia estava uma placa com a inscrição “Exigem-se conhecimentos de Matemática!”)

O que diria Agostinho da Silva, que defendia um ensino superior com portas abertas para todos os que nele quisessem entrar?

Os exames são a magna obra da Escola. Examinar é preciso, viver não é preciso.

domingo, fevereiro 17, 2019

A essência da Escola

A escola foi inventada no tempo dos antigos Gregos como uma relação entre mestre e discípulos, tendo como horizonte o conhecimento, e, apesar de essa relação ter sofrido muitas mudanças, a escola continua a ser na sua essência, essa relação.

Carlos Fiolhais, David Marçal, A Ciência e os Seus Inimigos, Gradiva, 2017, pág. 225.

***

É isto a Escola. O resto é política, ideologia e “Ciência” da Educação. Sempre houve muita gente a querer meter o bedelho na Educação por motivos ideológicos e políticos, em particular a gente dos partidos políticos. Querem pôr a mão no futuro, para tentar moldá-lo a seu contento. Querem, de forma sub-reptícia, colocar a juventude nos seus próprios carris ideológicos. E a verdade é que a ideologia tem conseguido imiscuir-se nos programas escolares. Os professores, por sua vez, vão paulatinamente sendo convertidos em meros aplicadores de “conteúdos”, que se querem bem controladinhos, muito bem controladinhos… Hoje é a essência da escola que está a ser posta em causa.

A escola é demasiado importante para ser deixada a outros que não os professores.

Infelizmente os professores têm ido na cantiga daqueles que dizem que a escola é demasiado importante para ser deixada apenas aos professores.

sábado, julho 01, 2017

Insucesso escolar e pobreza


Ora é aqui que está a questão. Deviam lembrar-se disto os que fazem a leitura dos rankings das escolas, comparando resultados entre o ensino privado e o ensino público, apontando baterias a este último.

Portugal, país mui católico, se atendermos ao número de crentes, é um dos países da Europa onde as desigualdades sociais entre ricos e pobres é o mais alargado e onde a pobreza grassa. Os doutos que apontam o dedo às escolas públicas e ao ensino que lá se presta, baseando-se nos resultados dos exames nacionais, deviam lembrar-se desta realidade.

Neste país mui católico parece que são precisos pobrezinhos para que haja caridadezinha. Para isso os pobrezinhos dão muito jeitinho.

domingo, janeiro 22, 2017

Do sistema educativo trumpeano

Resultado de imagem para Trump at the trump-inaugural-addressDisse Trump no Discurso de Tomada de Posse referindo-se ao sistema educativo americano:

...an education system flush with cash, but which leaves our young and beautiful students deprived of knowledge;

O que é verdade: a eleição de Trump só se explica pela falta de educação de muitos dos seus concidadãos. Por outras palavras: só mal-educados votam num mal-educado.

Mas o dito também faz adivinhar a intenção de privatização do sistema educativo público daquele país.

segunda-feira, dezembro 26, 2016

O fim de toda a educação

Sabemos já por Pascal e Montaigne que o fim de toda a educação consiste em tornar-nos capazes de estarmos sentados num quarto em silêncio. Ora, noventa por cento dos jovens, segundo as estatísticas já não são capazes de ler sem ouvir música ou espreitar de relance a televisão.

George Steiner, Quatro Entrevistas com George Steiner (por Ramin Jahanbegloo),  Fenda, 2006, pág. 90. (destaques nossos)

sábado, setembro 20, 2014

"Quem está na educação por outra razão que não seja a educação, não pode ser consentido na educação."


Gostei de ler o texto de Helena Damião no blogue Rerum Natura.

A educação não deve ser um negócio ou estar dependente de um negócio. Mas a educação também não deve estar ideológica e unicamente dependente das orientações doutrinárias de um Estado, de uma política partidária ou de uma religião.

Não há filosofia, ciência, cultura ou arte, e até desporto, totalmente independentes de correntes ideológicas ou de outros poderosos interesses, mas é aí, na independência da educação, que reside o ideal educativo. Uma educação unicamente do Estado e para o Estado deseduca (basta que nos lembremos da educação que os nazis "ministravam" nas escolas e universidades - eram muito educados os senhores nazis, não?!). Temos também universidades religiosas que educam à revelia da verdade científica. Na verdade não educam: deseducam! Na verdade nem deviam chamar-se universidades.

segunda-feira, novembro 11, 2013

Delinquentes

Após visionar uma reportagem na RTP 1 sobre o estado de degradação a que a Escola Secundária da Anadia chegou (e esta escola não é a única escola pública nesta situação degradada - há muitas Anadias por aí), uma palavra ecoou na minha cabeça: “delinquentes!” (isso mesmo, a proferida por Soares). Tem razão Soares: somos governados por um bando de delinquentes e presididos pelo chefe da quadrilha. Soares esquece porém que o caminho para a chegada desta gente à governação do país foi preparado por aquela “terceira via” "socialista" e socrática, comprometida com o neoliberalismo, pioneira na organização das escolas por agrupamentos, o que virá a facilitar o posterior passo no sentido da privatização das escolas; a mesma via que precarizou o vínculo dos funcionários públicos ao Estado, tornando-os, a maioria, em “contratados de trabalho por tempo indeterminado”, rebaixando o estatuto social dos professores, a meros “ocupadores” de alunos – passavam a tratar da famosa ocupação plena dos tempos livres, quando o seu papel não é, meramente, ocupar alunos, mas sim ensinar saberes relevantes, divulgar cultura, ciência, arte e desporto; congelou-lhes as carreiras; deixou de  lhes pagar pela correção de exames, ao contrário do que se faz nos outros países; transferiu custos para muitos professores ao fazer com que tivessem de circular entre várias escolas de um mesmo agrupamento. Em curtas palavras, o ministério educativo de Sócrates tentou arrastar os professores para a lama. Tentou, debalde, rebaixá-los socialmente. Não conseguiu porque eles lutaram, e bem, e a maioria dos portugueses os tem em grande consideração.

Mas no ministério educativo de Sócrates nem tudo foi mau: distribuiu computadores pelos alunos e professores - os famosos Magalhães, entre outros -, inclusive a alguns que nunca tinham utilizado um, e equipou escolas. Diminuiu o número máximo de alunos por turma e abriu a escola aos adultos – os famosos Cursos de Educação e Formação e os cursos de Educação e Formação de Adultos, enquadrados pelo programa Novas Oportunidades. Introduziu o ensino do Inglês no Primeiro Ciclo, alargou a rede pública de educação Pré-escolar. Além disso, investiu nalgumas escolas reparando-as, modernizando-as, dotando-as de novos equipamentos, …Pelo menos era essa a intenção, até chegarem os delinquentes.

Os delinquentes chegaram e pararam tudo – não havia dinheiro, diziam – e ao invés de investirem na Escola Pública, desinvestiram. Agravaram as condições de trabalho nas escolas públicas, aumentaram o número de tempos lectivos nos horários dos docentes, aumentaram o número máximo de alunos por turma (quando o Governo anterior, o tinha diminuído). E, contrariando as orientações do memorando da troika (porque aqui lhes convinha), aumentaram a transferência de dinheiros públicos para os colégios privados – para isto já havia dinheiro.

São delinquentes, pois claro, porque a sua intenção evidente é a de favorecer negócios privados, que envolvem empresas de amigos, conhecidos, influentes e grupos de interesse dos colégios privados. Para estes delinquentes é preciso que a Escola Pública e a Universidade Pública se degradem, para que a Privada se torne mais apelativa, apetecível e lucrativa. Para estes delinquentes, o ensino e a educação escolar são ainda um rico filão à espera de ser explorado. Há que prepará-lo para a rapina.

Um bando de delinquentes! É o que são. Uma cambada!

domingo, junho 09, 2013

O papel do professor

A competência do professor consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros. Mas a sua autoridade funda-se no seu papel de responsável pelo mundo. Face à criança, é um pouco como se ele fosse um representante dos habitantes adultos do mundo que lhe apontaria as coisas dizendo: «Eis aqui o nosso mundo!»

Hannah Arendt (1968), “A Crise na Educação” in Quatro Textos Excêntricos, Relógio D’Água, 2000, p. 43.

domingo, janeiro 20, 2013

Os professores, no rol dos sacrificados

Fala-se muito do recuo espectacular da taxa de mortalidade infantil em Portugal, tendo o nosso Sistema Nacional de Saúde conseguido fazê-la regredir para valores situados entre os mais baixos do mundo – no período de 2007-2011, foi de 3,2‰, segundo o INE – mas esquece-se o esforço realizado pelo Sistema Educativo português, que em poucas décadas conseguiu debelar as elevadas taxas de analfabetismo, tendo funcionado como um motor de ascensão social para muitos portugueses. Maria Filomena Mónica, no Expresso desta semana (19-01-2013), honra lhe seja feita, não esquece esse facto. Afirma ela:

Alguém deveria ter recordado a estes cérebros [os técnicos do FMI que redigiram o relatório do Governo que propõe o despedimento de 50 000 docentes do Ensino Básico e Secundário e a entrega das escolas à iniciativa privada] que a evolução da taxa de analfabetismo em Portugal não tem paralelo na Europa. Em vésperas da Revolução de 1974, a percentagem de analfabetos ainda era de 26%. É difícil imaginar um país onde o número de factores adversos à escolarização fosse tão elevado. O resultado está à vista. Muitos dos alunos contemporâneos têm avós analfabetos e pais que não passaram da 4ª classe.

Sei do que Maria Filomena Mónica fala. Sou um dos muitos portugueses que tem avós analfabetos e pais que não frequentaram o Ensino Superior e sinto que muito devo ao Sistema Educativo português, à Escola Pública, às Universidades públicas e ao Instituto também público, que frequentei. Muito devo aos meus professores, pagos com “dinheiros públicos” e por isso aos contribuintes e ao Estado social português.  Foram os professores que me deram a conhecer a existência de universos que desconhecia, como o da Filosofia, da Ciência, da Arte e da Cultura, da Literatura, da Educação Física, entre outros. A minha dívida para com eles não tem preço.

Custa-me por isso ver agora esses profissionais serem apontados, conjuntamente com os profissionais da saúde, como uma espécie de bodes expiatórios da crise que atravessamos. É bom não esquecer, no entanto, que foi José Sócrates quem iniciou o processo de tentativa de estigmatização social dos professores e preparou o terreno para o que agora este governo se prepara para fazer. No momento de realizar “cortes” na Função Pública, são esses os profissionais que estão entre os primeiros, no rol dos sacrificados. Há muito que o primeiro-ministro os vinha visando (bastava atentar nas suas entrevistas, ora sugerindo que emigrassem para países lusófonos, ora afirmando que na Educação ainda tinha margem para “cortar”). Tudo para agrado dos mercados, ávidos por novas áreas de negócio, como o da Educação que querem ver privatizada, e contentamento deste governo lacaio.

Ao atacar-se o Sistema Educativo ataca-se o elevador social que permitiu a ascensão, no espaço de uma geração, dos portugueses ao mundo da Cultura*, para não falar de outros mundos. Foi também através desse elevador que os portugueses foram levantados do chão, para utilizar a realista fórmula de José Saramago. E é para o chão que este governo os quer novamente lançar. Que os portugueses não tenham espírito crítico, que sejam dóceis, submissos e facilmente exploráveis, que regressem à incultura, de onde nunca deveriam ter saído, é o que secretamente parecem desejar as reaccionárias “elites” políticas que nos governam. E o pior de tudo isto é que, ao atacar-se o Sistema Educativo público, é a própria democracia que é atacada nas suas fundações.
__________________________________________

(*) Em relação à importância da Cultura é sempre bom lembrar o matemático e grande professor, Bento de Jesus Caraça, nascido em Vila Viçosa e filho de trabalhadores rurais que, em 1933, na conferência “A cultura integral do indivíduo – problema central no nosso tempo”, responde à questão, “o que é um homem culto?” da seguinte forma:

«É aquele que: 1.º - Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular na sociedade a que pertence. 2.º - Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano. 3.º - Faz do aperfeiçoamento do seu interior a preocupação máxima e fim último da vida». Ver AQUI.

É isto um homem culto. É também por isto que nos temos de bater. Não podemos perder a nossa dignidade.

terça-feira, julho 24, 2012

Steiner, sobre o actual empobrecimento da educação


«É aqui que eu quero chegar. O que é importante é orientar a atenção de um aluno para aquilo que, de início, excede a sua compreensão, mas cuja estatura e fascínio irresistíveis o atraem. A simplificação, o nivelamento, a redução da fasquia, que dominam agora toda a educação, salvo a mais privilegiada, são criminosos. Descuram fatalmente capacidades que permanecem ocultas. Os ataques ao chamado elitismo escamoteiam uma condescendência vulgar para com todos aqueles que julgamos a priori serem incapazes de fazer melhor. Tanto o pensamento (o conhecimento, Wissenschaft, a imaginação a que se dá forma) como o amor exigem demasiado de nós. Tornam-nos humildes. Mas a humilhação e até o desespero face à dificuldade – depois de suarmos durante toda a noite, a equação ainda por resolver, a frase grega por compreender – podem irradiar com a luz do Sol.»

George Steiner, Errata: Revisões de uma Vida, Relógio d’Água, 2009, pp. 60

terça-feira, fevereiro 21, 2012

O fracasso da escola

A cultura consumista-hiperindividualista não é a encarnação do horror cultural absoluto. Simplesmente, ressente-se da sua hipertrofia, de um triunfo que não se preocupa o suficiente em erguer barreiras ao seu poder. Assim, a era consumista não impede em absoluto o desenvolvimento de elites nem, mais amplamente, a boa escolarização dos jovens para que, enquadrados pela família, se salvem dos métodos escolares “expressivos”, das sitcom, dos chats, dos downloads de música, da publicidade das marcas. Quando desaparece o contrapeso familiar, a ordem consumista e a escola que lhe corresponde manifestam-se no seu fracasso. Sob a bandeira da democratização, a nova era cultural é profundamente “desigualitária”; é um êxito para alguns, para aqueles cujo enquadramento familiar põe limites à expansão e ao poder dissolvente da cultura cool; é fatal para outros, para todos aqueles que, não apoiados pela sua família, não encontram já nenhum suporte “institucional” para formar-se e aprender.

Há que repeti-lo: a nossa escola não funciona. Pede uma mudança, sem dúvida uma reforma intelectual profunda, para reorientá-la e colocá-la em condições de honrar as suas promessas de educação e mobilidade social

Lipovetsky, Gilles; Serroy, Jean (2010), La Cultura-Mundo – Respuesta a una Sociedad Desorientada. Editorial Anagrama. Barcelona. Páginas 171-172
(Traduzido da edição espanhola aqui pelo muchacho)

A obra existe em Portugal:

Lipovetsky, Gilles; Serroy, Jean (2010), A Cultura Mundo – Resposta a Uma Sociedade Desorientada. Edições 70.

***

Ainda aprendemos e ensinamos na anacrónica escola da Era Industrial. A escola ainda funciona como uma espécie de linha de montagem. A entrada e saída de alunos e professores nas e das salas de aula, por exemplo, faz-se ao ritmo de pavlovianas campainhas (quais sirenes fabris). E o conhecimento nas salas de aula ainda se transmite em doses empacotadas. Isto quando fora da escola (e dentro dela também) e em todo o lado, a informação se encontra disponível para quem a queira colher. Informação omnipresente, mas também excesso de informação. Selvas de informação onde nos perdemos e enredamos. Mas já não a Era do deserto da informação. Que fazer então? Se vivemos na Era da Informação, porquê uma escola da Era Industrial? O resultado de tudo isto é a promoção de uma reprodução social que mantém os pobres na pobreza e os ricos na riqueza (e não falamos apenas da pobreza material). E não me venham com essa de que pobres sempre haverá. Mas era suposto que a escola enriquecesse? Era (e mais uma vez não falamos de riqueza material)! Mas neste jogo jogam sempre outros factores, não é verdade? Muito se esforçam os que dentro da própria escola laboram, mas a questão transcende-os, pois esta escola é demasiado importante para que seja deixada apenas ao cuidado dos que dela bem cuidam e estimam.

Esta escola, tal como existe, não honra efectivamente as suas “promessas de educação e mobilidade social”. Antes pelo contrário, contribui para a manutenção das desigualdades sociais e para a reprodução social.  É assim que as elites o desejam, não vá a sua posição ser posta em causa pela mobilidade ascensional dos filhos da ralé. Não vá deixar de haver ralé. É que a ralé afinal é precisa. Afinal, como dizia Almeida Garret, que não consta que fosse comunista: quantos pobres são necessários para se produzir um rico?

quarta-feira, novembro 23, 2011

A argentinização de Portugal


(excerto do quadro Índice de Desenvolvimento Humano e seus Componentes, Human Development Report 2011, UNDP, 2011)

(Clique em cima do quadro para ampliar)

Prossegue a argentinização de Portugal. “Cavallo”* já temos: o nosso Ministro das Finanças. Mas porque digo eu isto? Há muito que navegamos rumo ao empobrecimento. Caímos em espiral no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD. Há sinal mais evidente do que este? Em 1999, há 12 anos portanto, Portugal ocupava o 28º lugar e países como a Hungria ou a Polónia, há pouco saídos do comunismo, estavam abaixo (a Hungria ocupava o lugar 47º e a Polónia o 44º). Não foi preciso mais de uma década para que nos ultrapassassem: hoje Portugal ocupa o 41º lugar, a Hungria o 38º e a Polónia o 39º (para não falar doutros países do leste europeu como a República Checa, que ocupava o 36º em 1999 e que agora está em 27º!).
Afinal, parece que o comunismo não foi assim tão mau: o sistema educativo nesses países funcionava melhor do que nos países ocidentais capitalistas e o capital educativo deixado pelos regimes comunistas permitiu que esses países rapidamente recuperassem e ascendessem rumo ao desenvolvimento, quando passaram a viver sob regimes capitalistas e democracias liberais.
Resta saber se esse capital educativo dos tempos comunistas se manterá incólume face ao empobrecimento cultural associado ao consumo de massas capitalista e à decadência dos seus sistemas educativos públicos devido ao desinvestimento neoliberal.
De qualquer forma, a Polónia e a Hungria ultrapassaram-nos e uma das razões é o facto de o tempo médio de permanência no ensino ser maior entre Polacos e Húngaros do que entre nós, como se pode ver pelo quadro acima. Por outras palavras: os polacos e os húngaros são povos mais cultos do que nós.
Por sua vez, a Argentina, país da América do Sul, conhecido por ter embarcado em aventuras neoliberais sob o jugo do FMI, em 1999 estava em 39º do ranking do IDH. Hoje encontra-se no 45º lugar . Nós, para lá caminhamos.
-----------------------------------
Notas:
(*) – Alusão ao antigo ministro da Economia argentino, Domingo Cavallo, que tomou medidas draconianas (e cavalares!) de austeridade, afundando ainda mais a Argentina num mar de empobrecimento e desespero.
Já o autor do interessante blogue Equação Base, parece ter outra perspectiva. Contenta-se com o facto de nos encontrarmos entre os países com um nível de desenvolvimento humano considerado "muito elevado", porém a sua análise não tem em consideração a evolução da posição de Portugal no ranking, que nos mostra que estamos a encaminhar-nos para um nível inferior de desenvolvimento. São leituras.

quinta-feira, junho 16, 2011

O pensamento que urge introduzir hoje em todo o nosso ensino

Já Pascal formulara o imperativo de pensamento que urge introduzir hoje em todo o nosso ensino, a começar pelo jardim-escola: «Sendo todas as coisas causadas e causantes, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e sustentando-se todas elas por um laço natural e insensível que liga as mais afastadas e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem conhecer as partes»”

Blaise Pascal citado por E. Morin, Os Problemas do Fim de Século, Editorial Notícias, 1991, pág. 201.

***

No extremo, um especialista é aquele que sabe tudo sobre nada, e um generalista, é aquele que sabe um pouco sobre tudo.

É um erro apostar num ensino que enfatize a formação de especialistas que desconheçam o funcionamento do todo; da mesma forma é um erro apostar num ensino que enfatize a formação de generalistas que desconheçam o funcionamento das partes.

Difícil é encontrar o ponto de equilíbrio entre estas duas perspectivas, ou seja, formar especialistas generalistas e generalistas especialistas.

sexta-feira, maio 13, 2011

Curiosidade infantil

A curiosidade é sempre infantil. Não há outra.

Esse é o segredo que todo o professor ser deveria saber: para bem ensinar é preciso despertar a curiosidade infantil em quem quer que seja, ou, por outras palavras, acordar a criança que existe em cada um de nós.

terça-feira, março 08, 2011

A “deolindalização” de uma geração ou Da dificuldade dos recém-licenciados em arranjarem emprego

Há uns anos atrás, o então Ministro da Educação, David Justino, avisou que as portas do Ensino iriam fechar-se. Avisou que haviam demasiados professores e que era preciso reduzir o número de entradas nessa profissão. Posteriormente, Sócrates prossegue nessa via, tentando limitar ao máximo o acesso à profissão por novos candidatos, chegando a introduzir mecanismos de barragem à entrada da carreira de professor, como a prestação de provas escritas selectivas, e desincentivos, como a retirada da remuneração aos grupos de estágio profissionalizante nas escolas. Simultaneamente, promovia-se a política baseada no princípio de “por cada duas saídas da função pública, apenas uma entrada”. Os sinais estavam portanto aí para quem os quisesse ver.

O Ensino nas escolas básicas e secundárias deixou de funcionar como válvula de escape para as “fornadas” de licenciados que todos os anos saíam das universidades e politécnicos. Simultaneamente, o Tratado Bolonha reduziu o período de formação de licenciados de 4 anos para 3, ou seja, num curto período o número habitual de licenciados à saída das universidades aumentou consideravelmente, quando se reduziam as oportunidades de trabalho no sector Estado.

O resultado está à vista agora em 2011: a “deolindalização” de uma geração.

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

A avançada neoliberal sobre a educação

A ideologia neoliberal defende que deverá ser o mercado a ditar as regras da sociedade e não o contrário (Encyclopedia of Human Geography, Sage, 2006, pág. 330).

Neste momento a educação universitária está na mira de grupos de interesses neoliberais, em particular, nos países do Ocidente, com destaque para a Itália e Reino Unido. A grande questão que se coloca é a seguinte: quem deverá suportar os custos com a educação dos jovens universitários e investigadores: os contribuintes, ou seja, a sociedade no geral, ou os próprios estudantes e investigadores? Acontece que esta segunda hipótese – a de serem os próprios estudantes e suas famílias a terem de suportar os custos dos seus estudos – vem acentuar as desigualdades de oportunidade entre estudantes ricos e estudantes pobres e veda o acesso ao ensino superior a muitos jovens dos grupos socialmente mais desfavorecidos que não terão outra escolha a fazer senão a de trabalhar, abandonando dessa forma os estudos. Além disso, contribui para perpetuar uma estrutura social desigual e para obstaculizar a mobilidade social.

Aventa-se a hipótese, no Reino Unido e em Itália, dos estudantes das famílias sem condições financeiras contraírem dívidas juntos dos bancos para prosseguirem estudos. À entrada da vida profissional, estes estudantes, ao contrário dos mais abastados, terão de suportar o fardo da dívida, mais os juros, a pagar aos bancos, como se fossem escravos ou servos da gleba.

Neste domingo que passou (20-02-2011), na TVI, o professor Marcelo Rebelo de Sousa foi questionado por três estudantes de 18 anos sobre o prosseguimento de estudos, a uma das quais o professor disse que actualmente a licenciatura de três anos equivale a um antigo bacharelato, tendo-a aconselhado a realizar o mestrado, dado que esse grau, actualmente, equivale a uma antiga licenciatura. Ora tal significa uma coisa muito simples: o ensino superior degradou-se na sua qualidade a partir do momento em que o Tratado de Bolonha implicou a redução do período da licenciatura para três anos e os Estados se furtaram a terem de suportar a educação superior dos estudantes por mais um ano.

Mas o que é mais significativo foi o professor ter dito à estudante que, se não tivesse condições financeiras para realizar o mestrado, então teria de trabalhar em simultâneo, ou então, uma outra hipótese, dizemo-lo agora nós, passaria pela contracção de uma dívida junto a um banco ou instituição financeira para poder pagar os seus estudos. Pressupõe-se, por outro lado, que se a estudante, ou a sua família, tivessem condições financeiras, ou seja, se pertencessem às elites ou a “boas famílias”, então a jovem poderia dedicar 100% do seu tempo ao estudo e à investigação, o que a colocaria em vantagem relativamente aos jovens que não se encontram a estudar a tempo inteiro, por terem de trabalhar.

Ora este sistema favorece os mais ricos e penaliza os mais pobres. O filho do rico, tem o caminho aberto e o do pobre (aquele a que a nossa sociedade apelidou tristemente de “borra botas”, porque os que borravam as botas trabalhavam a terra e eram rudes) só tem pela frente obstáculos e está condenado a ser pobre e endividado.

Quem ganha com tudo isto? É simples: as elites, que perpetuam desta forma a sua posição no topo da estrutura social, e os bancos, que ganham novos mercados, à custa destes novos escravos do século XXI que são os endividados.

Quem perde? Os pobres e a maior parte da sociedade.

[Ao que um neoliberal responderá: A sociedade? O que é isso? Isso existe? Para a neoliberal Margaret Tatcher a sociedade era uma construção artificial, ou seja, não existia.]

Etiquetas