domingo, janeiro 20, 2013

Os professores, no rol dos sacrificados

Fala-se muito do recuo espectacular da taxa de mortalidade infantil em Portugal, tendo o nosso Sistema Nacional de Saúde conseguido fazê-la regredir para valores situados entre os mais baixos do mundo – no período de 2007-2011, foi de 3,2‰, segundo o INE – mas esquece-se o esforço realizado pelo Sistema Educativo português, que em poucas décadas conseguiu debelar as elevadas taxas de analfabetismo, tendo funcionado como um motor de ascensão social para muitos portugueses. Maria Filomena Mónica, no Expresso desta semana (19-01-2013), honra lhe seja feita, não esquece esse facto. Afirma ela:

Alguém deveria ter recordado a estes cérebros [os técnicos do FMI que redigiram o relatório do Governo que propõe o despedimento de 50 000 docentes do Ensino Básico e Secundário e a entrega das escolas à iniciativa privada] que a evolução da taxa de analfabetismo em Portugal não tem paralelo na Europa. Em vésperas da Revolução de 1974, a percentagem de analfabetos ainda era de 26%. É difícil imaginar um país onde o número de factores adversos à escolarização fosse tão elevado. O resultado está à vista. Muitos dos alunos contemporâneos têm avós analfabetos e pais que não passaram da 4ª classe.

Sei do que Maria Filomena Mónica fala. Sou um dos muitos portugueses que tem avós analfabetos e pais que não frequentaram o Ensino Superior e sinto que muito devo ao Sistema Educativo português, à Escola Pública, às Universidades públicas e ao Instituto também público, que frequentei. Muito devo aos meus professores, pagos com “dinheiros públicos” e por isso aos contribuintes e ao Estado social português.  Foram os professores que me deram a conhecer a existência de universos que desconhecia, como o da Filosofia, da Ciência, da Arte e da Cultura, da Literatura, da Educação Física, entre outros. A minha dívida para com eles não tem preço.

Custa-me por isso ver agora esses profissionais serem apontados, conjuntamente com os profissionais da saúde, como uma espécie de bodes expiatórios da crise que atravessamos. É bom não esquecer, no entanto, que foi José Sócrates quem iniciou o processo de tentativa de estigmatização social dos professores e preparou o terreno para o que agora este governo se prepara para fazer. No momento de realizar “cortes” na Função Pública, são esses os profissionais que estão entre os primeiros, no rol dos sacrificados. Há muito que o primeiro-ministro os vinha visando (bastava atentar nas suas entrevistas, ora sugerindo que emigrassem para países lusófonos, ora afirmando que na Educação ainda tinha margem para “cortar”). Tudo para agrado dos mercados, ávidos por novas áreas de negócio, como o da Educação que querem ver privatizada, e contentamento deste governo lacaio.

Ao atacar-se o Sistema Educativo ataca-se o elevador social que permitiu a ascensão, no espaço de uma geração, dos portugueses ao mundo da Cultura*, para não falar de outros mundos. Foi também através desse elevador que os portugueses foram levantados do chão, para utilizar a realista fórmula de José Saramago. E é para o chão que este governo os quer novamente lançar. Que os portugueses não tenham espírito crítico, que sejam dóceis, submissos e facilmente exploráveis, que regressem à incultura, de onde nunca deveriam ter saído, é o que secretamente parecem desejar as reaccionárias “elites” políticas que nos governam. E o pior de tudo isto é que, ao atacar-se o Sistema Educativo público, é a própria democracia que é atacada nas suas fundações.
__________________________________________

(*) Em relação à importância da Cultura é sempre bom lembrar o matemático e grande professor, Bento de Jesus Caraça, nascido em Vila Viçosa e filho de trabalhadores rurais que, em 1933, na conferência “A cultura integral do indivíduo – problema central no nosso tempo”, responde à questão, “o que é um homem culto?” da seguinte forma:

«É aquele que: 1.º - Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular na sociedade a que pertence. 2.º - Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano. 3.º - Faz do aperfeiçoamento do seu interior a preocupação máxima e fim último da vida». Ver AQUI.

É isto um homem culto. É também por isto que nos temos de bater. Não podemos perder a nossa dignidade.

Etiquetas