sábado, dezembro 16, 2006

A noite de Vincent Van Gogh


















Vincent Van Gogh , A Noite Estrelada (1889)

A noite estrelada de Van Gogh é a noite assustadora. Algo se passa de estranho no céu ondulante como o mar. As estrelas parecem buracos negros no céu, aprisionando a luz em seu torno. A vila está recolhida, talvez com medo do fim do mundo, talvez simplesmente adormecida.
Definitivamente, já não se trata da antiga noite dos poetas. O elemento humano está presente e o elemento natural está alterado, distorcido. É a noite do princípio da Era Industrial. Era que deu início ao maior esforço de domínio da Natureza e transformação da superfície da Terra pelo Homem.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A antiga noite dos poetas

Dormem os cumes das montanhas e as ravinas,
os promontórios e as torrentes,
a floresta e quantos animais cria a terra negra,
as feras das montanhas e a raça das abelhas,
e os monstros nos abismos do purpúreo mar;
dormem também as tribos das aves,
com as suas grandes asas.

Álcman (Séc. VII a. C), in Hélade, Edições Asa, pág. 128.

Tradução da Excelentíssima Professora Maria Helena da Rocha Pereira. Grande Divulgadora da Cultura Clássica.

Álcman foi poeta nascido em Sardes, mas naturalizou-se espartano.

A noite de Álcman está repleta de elementos naturais e parece pertencer a um mundo em vias de extinção. No mundo actual, subjugado pelo elemento humano, cada vez mais omnipresente à superfície da Terra, já não dormem as montanhas, e os monstros dos abismos já não povoam a imaginação dos homens.

domingo, dezembro 10, 2006

Nas margens suburbanas

Viver no subúrbio é viver à margem, sem ser necessariamente um marginal. No subúrbio vive-se à margem da cidade e à margem do campo, mas nunca, isso nunca, à margem da vida, nem à margem do mundo. O subúrbio agora é um lugar de liberdade, mais do que no centro da cidade, porque pertencer ao subúrbio é não pertencer a lugar nenhum e ao mesmo tempo, pertencer ao mundo inteiro. Vive-se na franja, entre a cidade e o campo, entre o país e o mundo e no meio da juventude empreendedora. A capital essa, envelhece e torna-se conservadora, porque sente o futuro escapar-lhe.
O subúrbio emancipa-se, portanto, gradualmente da cidade centro. Já lá vão os tempos em que se ia de visita à velha capital, centro do Império Ultramarino.
Agora é no subúrbio que a vida se agita e fervilha. Na verdade, o subúrbio está cada vez mais independente da cidade centro e quase já não precisa dela.
E a velha "nomenklatura" dos intelectuais da vetusta urbe ainda se julga no centro do mundo, quando mais não é do que uma espécie de tainhas que se acardumam e engordam frente às cloacas do Tejo. As suas memórias, revelam-se quando falam: sempre e ainda o Estado Novo. Mas essas vivências já não pertencem a esta nova geração ainda que nos queiram ancorar àqueles outros tempos. Parece que já não pertencem ao nosso mundo nem ao nosso tempo. Vivem já das suas memórias. Não vivem já do seu futuro. Mas isso são outras histórias.

sábado, dezembro 09, 2006

Os últimos operários do século (2)

Arrastam-se indolentes pela alba,
num mar de sirenes e ventos.
Arrastam o sono e os sonhos,
perdidos logo que o dia avança,
quando os transportes públicos avançam,
quando a vida avança.

Ao som de sirenes indolentes,
clamores fabris, chamadas ao trabalho,
aos gritos, os suburbanos...
avançam e acordam!

Os últimos operários do século.

Oiço o teu grito, manhã!
Oiço o teu grito.
Um grito estridente
de sirenes e ventos.
Anúncios distintos
de novos dias laborais.
Já arrastam o sono pela rua,
os últimos operários do século.

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