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terça-feira, julho 11, 2023

O país dos bufos


A Inquisição oficializada principalmente a partir da Contra-Reforma prolonga-se até ao século XIX em Portugal. O Pombalismo terá também essa faceta inquisitorial bem patente na sua polícia específica, assim como as décadas de vigilância fascista no século XX, ou, embora com aspectos bem distintos, o Estado democrático exerce também o controlo quase absoluto da sociedade nos últimos 50 anos.

A Inquisição transformou-se num modelo mental e estruturou de modo profundo o nosso plano de comportamentos, as dimensões morais e até judiciais.

João Maurício Brás, O Atraso Português, Guerra e Paz, pág. 140

 

Cumpre-se por obediência e medo, na maior parte das vezes irracional, não por respeito ou por se considerar que seguir determinado caminho é o mais correcto e eficaz. Mexericos e bisbilhotices, a má-língua no trabalho e na vizinhança, a pequena calúnia, são vestígios de uma cultura de resquícios inquisitoriais.

João Maurício Brás, O Atraso Português, Guerra e Paz, pág. 129

 

Continuamos a construir os nossos panópticos sociais sob a égide da governação do Partido Socialista.

Temos agora um Portal da Delação, digo, Portal da Denúncia (procedimento muito socialista e até nacional-socialista ou estalinista).


Maravilhoso mundo novo. Aos poucos a liberdade e a privacidade vão perdendo território para o controlo social. Que ideia maravilhosa essa a de os cidadãos controlarem os cidadãos.

Suspeito que alguns de nós têm no seu DNA um gene mais desenvolvido: o gene inquisitorial. Em Portugal a Santa Inquisição durou até ao século XIX. Um período tão prolongado de controlo das ideias não poderia deixar de marcar a genética social e a de muitos portugueses.

Com o Portal da Denúncia, far-se-á da pequena calúnia grande. Como a imagem sugere, o pequeno caluniador tem agora um altifalante para se fazer ouvir.  Para nosso bem e com cobertura governamental.

quinta-feira, abril 27, 2023

Píncaro adiado

 

      Serra da Estrela, Abril de 2023                                                          © AMCD


No píncaro do território de Portugal Continental jazem duas torres degradadas e uma promessa recente: “Investimento de €30 milhões cria um observatório, residências científicas, áreas comerciais e um teleférico para ligar três aldeias do maciço central”. Assim reza o subtítulo da notícia do semanário Expresso. Reparai no tempo do verbo criar. Deveria ler-se “criará” ou “irá criar”. Não! A coisa já está feita!

Eis o expoente máximo de um país, num dos seus lugares mais simbólicos: degradação e promessas. 

Amanhã é que é.

domingo, julho 24, 2022

Sempre o problema que temos connosco mesmos


Como quase todos os Portugueses, eu quase me orgulho de ser português e quase amo Portugal. No «quase» vai a distância bastante para não enlouquecer, entre o que se quer e o que se vê.

Miguel Esteves Cardoso


 “A Causa das Coisas” in A Causa das Coisas, Círculo de Leitores, 1987, p. 412


quinta-feira, julho 21, 2022

Livros lidos: O Atraso Português, Modo de Ser ou Modo de Estar

 

João Maurício Brás, O Atraso Português, Modo de Ser ou Modo de Estar, Guerra & Paz, 2022


µµµµµ


Um livro que todos os adultos portugueses, sejam jovens, maduros ou velhos (sim, há jovens que são adultos e adultos que são jovens, embora a infantilização dos adultos prolifere nos nossos tempos, na civilização ocidental: adultos infantilizados, para não dizer imbecilizados, é, aliás, coisa que não falta) deviam ler para saberem em que país estão metidos, em que povo estão metidos e por que pensam como pensam. E por isso mesmo, um livro que os responsáveis (e irresponsáveis) políticos deviam ler, os que nos governam e os que nos desgovernam.

Desde a Causa das Coisas (um o melhor livro de Miguel Esteves Cardoso) que não liamos com tanto gosto um livro sobre o nosso país e sobre nós, os portugueses, embora Miguel Esteves Cardoso tenha optado pelo humor para nos retratar. João Maurício Brás segue outros caminhos, da Filosofia à História, passando pela Política, Economia, Sociologia, Literatura, e por aí fora, apoiando-se em autores gigantes (entre os quais, os nossos gigantes), com destaque para Antero de Quental. E a sua escrita é clara e acessível ao comum dos mortais.

Um livro que responde à questão: por que temos a mentalidade que temos? Porque é uma questão mental, aquela que temos connosco mesmos. João Maurício Brás, descansa-nos logo à partida: o atraso português não é ôntico, é estrutural, é mental (mentalidade herdada de séculos e ainda por nós alimentada, sem quase nos apercebermos). Estamos efectivamente presos a uma teia mental da qual é muito difícil libertar-nos, principalmente se não o reconhecermos. Difícil, mas não impossível. As mentalidades também mudam, mas demoram tempo a mudar.

Voltaremos a este livro.

 _________________________________________________

Do livro:

 

Não há um modo de ser português, identificado num antes, num agora e para sempre.

Brás, op. cit., pág. 80

 

O atraso como resultado de características ônticas que explicariam a identidade de alguns povos teve o seu tempo áureo.

Brás, op. cit., pág. 81

 

O destino de cada povo é, em muito, o que ele quer e consente que seja, a identidade de um país também é a ideia de futuro que dele se tem e o que cada um está disposto a fazer.

Brás, op. cit., pág. 16

A intransigência para com os políticos e os média, mas também para connosco, é outro passo incontornável para invertermos essa tendência de persistirmos em aprofundar a nossa miséria.

Brás, op. cit., pág. 16

quinta-feira, junho 10, 2021

Portugal

 «Obedientes e sem mais delongas, num mergulho de alcatrazes, atirámo-nos então daquela rocha branca ao abismo azul. E descobrimo-nos. Encontrámo-nos universais em toda a parte do globo, mas, sobretudo, dentro da nossa própria perplexidade. (…)

E a História celebra com justiça os melhores dessa superação mental. Chamam-se Pedro Nunes, Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro, Garcia da Orta, João de Barros, Diogo de Couto, Pêro Vaz de Caminha, Fernão Mendes Pinto, Luís de Camões. Sem falar doutros menos dotados que, modestamente, se desmediram. (…)

Enquanto os vizinhos da Europa, sem descanso, continuaram a ser pioneiros nas empresas que a vida lhes confiava, nós, enxutos da grande maratona oceânica, ficámos em cima da penedia a ver passar ao longe, a fumegar, as embarcações alheias, e a cantar, ao som de uma guitarra, loas à fatalidade.»

 Miguel Torga, Portugal, D. Quixote, 3ª ed., 2010, págs. 98-99

quarta-feira, julho 29, 2020

O dinheiro de Bruxelas e o país dos espertalhões

Todos os espertalhões do país estão já a congeminar um plano para justificar o direito  ao dinheiro e à subvenção, ao fundo e ao maneio.

Clara Ferreira Alves, Revista E, Expresso,  24 de Julho de 2020

Não fosse este o país dos cobiçosos pilhadores-quando-podem. A ocasião faz o ladrão. Não sei porquê, vem-me sempre à memória a carraca de Albuquerque à saída de Malaca. Naufragou logo ali com o peso da pilhagem.

É o retrato de um povo. Se não de um povo, pelo menos de uma parte dele muito significativa.

quarta-feira, junho 10, 2020

Viva Portugal! Vivam os Portugueses! Vivam os nossos egrégios avós!





Vivam todos os que somos e todos os que estão entre nós!

segunda-feira, novembro 30, 2015

Da desconfiança, do excesso de zelo e do desmazelo

A confiança é boa. O controlo é melhor.
Ditado alemão e pelos vistos também suíço.

Dizem que é um ditado alemão. Ouvi-o pela primeira vez em solo suíço e segundo me informaram, como pude depois constatar, os helvéticos regem-se por ele. O dito remete para o totalitarismo em que toda a gente controla toda a gente e o vizinho denuncia o vizinho ao menor deslize, como por exemplo, o não cumprimento de uma simples regra comunal como a separação dos lixos e a sua colocação em contentores adequados e compartimentados, ou o disparo de um autoclismo fora de horas. Então “Aqui d’El Rei” que está ali um prevaricador. Impoluta Suíça! Imaculada!


O ditado bem podia ser “A confiança é boa, mas a desconfiança ainda é melhor”, que o seguro morreu de velho e não vá o Diabo tecê-las. A Suíça é o país dos relógios e das torres sineiras e não é por acaso. O tempo tinha de ser atestado pelo relógio na urbe suíça, logo que fosse possível construir relógios em torres altaneiras para que toda a gente pudesse ver. O sol até nos pode dizer que é meio-dia, mas pelo sim e pelo não, para o suíço, é melhor erguer o olhar para o alto, para a torre sineira.

Já nos países latinos, bem no sul mediterrânico da Europa, onde as gentes gostam de rir e de folgar, e acima de tudo neste Portugal, o ditado bem podia ser outro: “O controlo é bom, mas a confiança ainda é melhor.” Outras mentalidades.

domingo, setembro 27, 2015

Quatro anos a furtar


Quatro anos a transformar direitos em mercadorias, em nome de uma doutrina política radical que conduz ao empobrecimento e à servidão a larga maioria da população. Foram quatro anos de uma certa revolução e os extremistas, os radicais, esses sim, estiveram no Governo.

Quatro anos de privatizações, de vendas ao desbarato das mais rentáveis empresas públicas, ou da sua parte rentável, em troca de uma receita qualquer, fugaz. Quatro anos de servilismo, de quem nos governou, perante o poder financeiro e estrangeiro, alemães e chineses.

Quatro anos a tratar-nos como se todos fossemos responsáveis pela gestão danosa de bancos privados. Como se todos fossemos responsáveis por igual, e em igual medida, pela situação a que isto chegou.

Quatro anos de buracos, para o contribuinte pagar e tapar. Buracos que não foram abertos por ele, o contribuinte. E ao fim de quatro anos, pasme-se, deixam-nos um buraco ainda maior, e uma dívida pública monumental para os nossos filhos pagarem. Foram quatro anos de cortes, e mais quatro anos de empobrecimento se avizinham. Não é preciso ser profeta para o adivinhar.

Quatro anos de vergastadas nos funcionários públicos, nos trabalhadores do sector privado, nos pensionistas, nos jovens, nos desempregados e nos pobres. Os jovens foram convidados a emigrar, na sexta nação mais velha do mundo. É obra!

Quatro anos de cortes salariais, de cortes nos feriados, nos dias de férias, nas prestações sociais, e em tudo, através de um IVA abusivo que atinge nalguns produtos necessários, quase um quarto do seu valor. 

Quatro anos a furtar.

Quatro anos a pontapear a Constituição e a apoquentar o Tribunal Constitucional e os portugueses (bom, diga-se de passagem, e em abono da verdade, que neste ano da Graça o primeiro-ministro disse que nada iria fazer quanto a propostas de duvidosa constitucionalidade, como aquelas a que nos habituou em anos precedentes. É ano de eleições, não é verdade?)

Lançaram e aumentaram a dívida sobre gerações futuras, sobre os ainda não nascidos. E findos estes quatro anos, não há família que não tenha um desempregado ou um emigrado ou um vizinho nessas condições. 

Nestes últimos quatro anos, gerações foram lançadas contra gerações, velhos contra novos, trabalhadores do sector privado contra trabalhadores do sector público, ricos contra pobres, e as desigualdades sociais não pararam de aumentar. Foi dividir para reinar, nestes quatro anos. Quatro anos a furtar.



Epílogo


Ouvi-os gritar na rua – gritos de descontentamento. Vi-os invadir as escadarias da Assembleia e arremessar paralelepípedos às barreiras policiais. Ouvi-os cantar o “Acordai!” frente ao Palácio de Belém e o “Grândola Vila Morena” no Parlamento e noutros lugares. Vi-os subir e descer largas avenidas e ruas estreitas em manifestação e também por lá caminhei e me manifestei. Vejo-os ainda, todos os dias, revoltados, manifestando-se frente a um banco assaltante – coisa que nunca vi na Grécia, nem com o Siryza, mesmo quando os bancos gregos estavam fechados.

Pois bem, é agora a hora! A hora de acordar. Porque se não for agora, nestas eleições… se voltarem a eleger os que lá estiveram, não me venham pedir outra vez para ir para a rua gritar ou cantar o “Acordai”. Não irei!

Farei como o Saramago. À primeira, retirar-me-ei para uma Lanzarote qualquer, para bem longe. Será o cada um por si e o salve-se quem puder. E, definitivamente, Portugal passará a ser um problema que terei comigo mesmo.

sábado, agosto 09, 2014

E Nagasaki é lá tão longe…

É longe, mas transportamo-la no coração. Quando a bomba caiu tudo caiu, mas as paredes dos velhos edifícios construídos pelos nossos antepassados ficaram de pé ao contrário das construções de madeira japonesas, que arderam facilmente. Consta que num qualquer ano da Graça, lá para meados do século XVI, os mercadores e padres portugueses desembarcaram nas praias do Japão e fundaram a cidade. Levaram as armas de fogo, a Fé e a tempura, para além de tudo o resto que levaram. Levaram Portugal.

Hoje lembramos esse dia de 1945 em que se cometeu um dos mais horrendos e hediondos crimes de guerra contra os japoneses e, de certa forma, contra nós. Os americanos podiam ter-se limitado a mostrar os dentes, ou a realizar uma manifestação de força no mar, ao largo da costa do Japão, ou apenas a esperar, pois já tinham lançado uma bomba atómica a 6 de Agosto em Hiroxima. Mas não. Preferiram morder outra vez. No dia 9 de Agosto de 1945 foram assassinadas, a sangue frio, entre 60 000 a 80 000 pessoas – não é conhecido o número exacto - na cidade portuária de Nagasaki. A nossa cidade portuária de Nagasaki.

terça-feira, julho 08, 2014

Portugal ruma ao desenvolvimento

Hoje fomos tomados pelo entusiasmo ao ouvir o Sr. Primeiro-ministro anunciar, baseando-se num estudo encomendado pelo seu governo à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que afinal as desigualdades na distribuição do rendimento assim como os índices de pobreza relativa, estavam a diminuir. Boas notícias! Se considerarmos ainda a notícia menos recente da diminuição na taxa de desemprego, tudo indicia então que o desenvolvimento chegou ao País. Caramba! Afinal o neoliberalismo é coisa boa e contribui para o desenvolvimento. E julgávamos nós que estávamos a empobrecer, a ficar socialmente cada vez mais desiguais e que a diminuição da taxa de desemprego se devia há recente hemorragia emigratória de desempregados, que superou a dos anos 60.

Fomos ver, e... pasmo!

O tal relatório da OCDE intitulado, Portugal, Consolidação da Reforma Estrutural para o Apoio ao Crescimento e Competitividade, Julho de 2014, refere logo no prefácio do Sr. Angel Gurría (3ª frase) que “Portugal conseguiu reduzir a desigualdade na distribuição do rendimento e conter o aumento da pobreza, apesar de passar por uma grave crise, com níveis recorde de desemprego.”

Depois de esfregarmos os olhos, fomos ver melhor à página 9 do dito relatório e lá diz:

De acordo com o coeficiente de Gini entre 2007 e 2012, Portugal sofreu, de forma efetiva, o segundo maior decréscimo ao nível da desigualdade na distribuição dos rendimentos da União Europeia, (Figura 6). Contudo, a melhoria na distribuição do rendimento concentrou-se no período de 2007 a 2009. Desde então, a desigualdade pouco variou, mantendo-se estagnada num nível elevado (o sexto mais elevado da OCDE). A taxa de pobreza relativa também desceu de forma acentuada neste período, uma conquista que o País conseguiu manter durante a crise apesar do difícil ambiente económico (Figura 7).” (os destaques e sublinhados são nossos)

Fomos ver os gráficos: referem-se no título, a alterações no coeficiente de Gini e da taxa de pobreza relativa, no período 2007-2011. Além disso saliente-se que segundo o relatório: “a melhoria na distribuição do rendimento concentrou-se no período de 2007 a 2009.

Que desilusão! O presente governo assumiu funções em meados de 2011. O período a que se refere o relatório, no que respeita à variação do coeficiente de Gini e à variação do índice de pobreza relativa, abrange, quanto muito, os primeiros 6 meses da sua actuação, contudo, a informação foi apresentada nos órgãos de comunicação social, de tal forma, que esses “êxitos” parecem ser da sua lavra. É no que dá um relatório feito de encomenda.

Nos discursos do primeiro-ministro e do Sr. Angel Gurría omitiu-se oportunamente o facto de a melhoria na distribuição do rendimento se ter concentrado no período de 2007 a 2009 e que o nível de desigualdade de rendimentos é ainda “o sexto mais elevado da OCDE”.

O cinismo desta gente é de bradar aos céus.

O referido relatório pode ser consultado AQUI.

segunda-feira, julho 07, 2014

Portugal, A Flor e a Foice, de J. Rentes de Carvalho

O livro de J. Rentes de Carvalho, Portugal, A Flor e a Foice, projecta uma luz de holofote sobre um período histórico, que agora alguns querem branquear em novas historiografias. Ao lê-lo tudo fica mais claro. Escrito em cima dos acontecimentos, mas em dois espaços diferentes, Portugal e Holanda, o que lhe confere quase simultaneamente a proximidade e a distância necessárias a uma visão clara, livre de contaminações revisionistas, não se coíbe de chamar os bois pelos nomes. Ao contrário de uma certa História de Portugal que por aí foi contada em fascículos – refiro-me àquela que foi coordenada por Rui Ramos e companhia -, em que não se ousa chamar ao Estado Novo de Salazar, aquilo que ele realmente foi, um regime fascista, Rentes coloca-os – a Salazar e ao estado Novo - no seu devido lugar, entre os regimes fascistas europeus. Finda a leitura, o sentimento é de gratidão para com o homem, pela leitura prazerosa e por clarificar em momento oportuno o que muitos por aí nos querem ocultar ou confundir, trocando as voltas à história.

***


O general António de Spínola, primeiro presidente da IIIª República, lutou na Guerra Civil de Espanha ao lado dos franquistas, como voluntário, e esteve ao lado dos nazis, com as tropas alemãs do general Von Paulus, em Estalinegrado. É caso para dizer “Herr von Spínola”, como lhe chama Rentes, num capítulo que lhe é dedicado. Não deixa de ser uma ironia que o primeiro presidente após o 25 de Abril de 1974 tenha estado com os nazis e com os franquistas, num dos períodos mais negros na história da Europa e do mundo.

sexta-feira, julho 04, 2014

O povo

«Olhando para trás, ao longo de oitocentos anos há aqui e ali um estadista íntegro, outro que é sábio e avisado, um jurista capaz e justo. Houve políticos de valor, homens de vistas largas e generosas. Alguns vice-reis voltaram da Índia mais pobres do que para lá tinham ido. Raras excepções. Mas nenhuns dos seus actos justificam a profusão de estátuas, nem as comemorações, nem os discursos bombásticos de ontem, de hoje ou amanhã. Nos oitocentos anos, mais que as virtudes isoladas ou as benfeitorias de um ou outro governante, avultam os crimes contra o povo

J. Rentes de Carvalho, Portugal, a Flor e a Foice, Quetzal, 2014, pág. 35. (o destaque é nosso)

***

«O povo (conjunto organizado de cidadãos), que não se confunde com a multidão (conjunto caótico de indivíduos), é a instituição genética de toda a ordem política. É nele que se concentram as forças demiúrgicas da construção, reconstrução e reforma dos regimes políticos.» 

Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, Temas e Debates, 2014, pág. 283. (o destaque é nosso)


***

Dois excelentes livros, o de Rentes, em leitura, e o de Viriato, já lido. Rentes, dispara em todas as direcções, excepto na direcção do povo (pelo menos até à página 54, onde vou). Não me divertia tanto desde a leitura do livro de Martin Page, A Primeira Aldeia Global

Viriato, clarifica no trecho seleccionado, a distinção entre povo e multidão. Dois conceitos muitas vezes confundidos.

***

Aqui, ama-se o povo - o português em particular - mas evita-se a multidão.

domingo, abril 13, 2014

E na página 260, reza assim

E na página 260 lá encontramos inesperadamente Portugal, num livro de divulgação científica sobre a história da evolução humana e das sociedades.

Reza assim:

«Estudos adicionais sugerem (mas ainda não o provaram de forma conclusiva) que o nivelamento é benéfico mesmo para as sociedades modernas mais avançadas. Aquelas que mais fazem pela qualidade de vida dos seus cidadãos, da educação aos cuidados de saúde, do controlo do crime à preservação da auto-estima colectiva, são as que têm uma diferença menor entre os rendimentos dos cidadãos mais abastados e dos mais pobres. Entre 23 dos países mais ricos do mundo e estados individuais dos EUA, de acordo com uma análise de 2009 efectuada por Richard Wilkinson e Kate Picket, o Japão, os países nórdicos e o estado americano de New Hampshire têm simultaneamente o mais estreito diferencial de riqueza e a média mais alta de qualidade de vida. No fundo da tabela estão o Reino Unido, Portugal e o resto dos EUA.»

Edward Wilson, A Conquista da Terra: a Nova História da Evolução Humana, Clube do Autor, 2013. Págs. 259-260.
(o destaque é nosso)
***

Nem quando nos embrenhamos na leitura de um livro de divulgação científica de um entomologista escapamos ao opróbrio de constatar que somos (éramos em 2009 e somos ainda) uma das mais desiguais sociedades do mundo. Nem a leitura de uma obra que julgávamos afastar-nos da espuma dos dias, consegue afinal alhear-nos desta vil realidade, cada vez mais cavada pelas “elites” terratenentes e reaccionárias que nos dirigem. É tão evidente que salta à vista. Até nos livros de divulgação científica de um entomólogo! Lá está, na página 260: o nome do meu país. Ah, mas ombreamos com esses países que são a cumeada do capitalismo neoliberal mais extremo, civilizadíssimos, os países do tea party e dos lords: o Reino Unido e os EUA (o resto).

Ah, grande piolheira!

***

Sorrio quando verifico que à luz neoliberal, todo o livro é sobre uma quimera, uma abstracção, uma coisa que não existe: a evolução das sociedades. Nas palavras da ida, mas não saudosa Margaret Tatcher, a sociedade é uma abstracção, é coisa que não existe. Cá está então um livro sobre a evolução de coisa nenhuma.


E quando vejo o meu país, assim contextualizado, aflora-me sempre à memória aquele verso do O’Neil "...ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!"

domingo, março 30, 2014

Graça

Sob o neoliberalismo terratenente lusitano, conservador e neo-salazarista, Portugal transforma-se num país cada vez mais polarizado, socialmente desigual, entre uns poucos de agraciados, e uns muitos desgraçados, governados por uns engraçados cínicos, sem graça nenhuma.

Em suma: um país de desgraçados, governado por engraçados, ao serviço de uns poucos agraciados.

quarta-feira, março 05, 2014

Pais e filhos, na paz e na guerra.

Pois ninguém é tão insolente que a prefira [a guerra] à paz. Nesta os filhos enterram os pais, mas naquela [na guerra] são os pais que enterram os filhos.”

Palavras de Creso dirigidas a Ciro, Rei dos Persas

Heródoto, Histórias, Livro I, Edições 70, 1998. pág. 118.

***

E, dizemos nós, salvaguardando as devidas diferenças, que na paz, os filhos são apoiados pelos pais na juventude; e os pais, na sua velhice, são apoiados pelos filhos. Assim deveria ser.

Mas não é isso que hoje está a acontecer neste triste país. Nesta paz que apodrece, também são os pais que na sua velhice se vêm obrigados a apoiar os filhos, mesmo quando estes já são adultos ou quase velhos.

domingo, dezembro 01, 2013

Do curtíssimo prazo

Ao gerirem os nossos destinos por curtíssimos horizontes temporais, os “governantes” abdicaram do sonho utópico, para eles sempre utópico, sem lugar neste mundo, de um dia as comunidades que “regem” se libertarem dos fardos quotidianos que as oprimem – essa era a busca pela verdadeira liberdade e civilização! Movem-se agora por curtos ciclos eleitorais e curtíssimos ciclos financeiros – as cotações nos mercados internacionais, os ratings, e, entre outras, as taxas de juro da dívida pública a 10 anos, mais precisamente, e agora em inglês técnico, “The Portuguese Government Bonds 10YR Note”, que pode ser vista aqui (e que no momento se encontram em tendência decrescente, em torno dos 6%, daí a temporária euforia de alguns), oscilando diariamente, ora para cima, ora para baixo, como uma espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças, e é só isto que lhes interessa, porque ironicamente, no longo prazo, estaremos todos mortos. Para cúmulo, é para eles agora o curtíssimo prazo que importa, e por isso não admira que alguns destes iluminados tenham querido difundir a ideia de que a história não importa e pouco influi na progressão das sociedades pós-modernas e nos nossos destinos. Assim, uma nação com mais de 800 anos de história é vendida a retalho no mercado internacional por meia pataca. Os traidores estão entre nós, sempre estiveram, que gente a defenestrar sempre houve.

Meus caros, eles já não nos representam. Qual democracia representativa, qual quê? Eles representam os credores internacionais e outros interesses que não os nossos. Nós só lhes interessamos na medida em que, estamos convocados para lhes pagar as dívidas e os juros usurários. O melhor, meus amigos, é votar com os pés, partir, e ir contribuir para outra freguesia (contribuir, na verdadeira acepção da palavra: como contribuinte!). E diga-se de passagem, muitos já o fizeram.

Tenho dito.

Epílogo

«Hoje, a classe política vive atascada nos problemas e nas soluções de curto prazo, segundo a temporalidade própria dos ciclos eleitorais, nos países centrais, ou dos golpes e contra-golpes, nos países periféricos. Por outro lado, uma parte significativa da população nos países centrais vive dominada pela temporalidade cada vez mais curta e obsolescente do consumo, enquanto uma grande maioria da população dos países periféricos vive dominada pelo prazo imediato e pela urgência da sobrevivência diária.»

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice, 9ª ed., Almedina, 2013, Pág. 277


Hoje existe ainda outra temporalidade que Boaventura de Sousa Santos não aborda, talvez porque no momento em que realizou a sua análise essa tendência ainda não se tinha materializado claramente aos seus olhos prescientes - é a temporalidade do curtíssimo prazo que agora determina as decisões dos governos: o tempo dos mercados financeiros, o tempo dos credores. 

sábado, novembro 30, 2013

O mar português


Soares acabou com a Marinha Mercante, Cavaco acabou com grande parte da frota de pesca nacional, Passos acaba com os estaleiros de Viana do Castelo e agora a Marinha de Guerra está sem Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA).

Isto no país dos Descobrimentos, pioneiro da globalização, que possui a 3ª maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia e a 11ª do mundo.

Há algo de extremamente errado aqui.

Portugal sem o mar não é Portugal. Será que quem nos diz governar não compreende isto.

Mas que IIIª República é esta?

***

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Fernando pessoa


Portugal chora, já não os seus náufragos perdidos no mar, mas o fim do seu mar. E o fim do seu mar é o seu fim.

É Portugal que naufraga.

sexta-feira, julho 26, 2013

Férias

Este é o país em que a contestação vai de férias, para regressar em Setembro, em força. Não é uma contestação genuína portanto.

Os decisores políticos há muito que se aperceberam disso (Sócrates era um perito), e vai daí, aproveitam a dormência e a lassidão dos governados para concretizar as medidas mais lesivas para estes e que seriam mais onerosas politicamente para quem as toma, caso fossem concretizadas noutro momento. Há que aproveitar, enquanto a turba está distraída ou vai a banhos, o rigor da canícula.

quinta-feira, julho 11, 2013

Portugal: um "exemplo de sucesso" a precisar de "salvação nacional"

Há aqui qualquer coisa que não bate certo, ou então bate. Na óptica dos credores Portugal é apresentado como um "exemplo de sucesso", pois então, desde que pague, e quanto mais elevados os juros, melhor. Na óptica do devedor, e enquanto povo escravo da impagável dívida, precisamos de uma "salvação nacional".

Idiotas são aqueles que, entre nós, se orgulham desmedidamente quando ouvem dizer lá fora que somos um caso de sucesso e o anunciam aos quatro ventos.

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