E na página 260 lá encontramos inesperadamente Portugal, num
livro de divulgação científica sobre a história da evolução humana e das
sociedades.
Reza assim:
«Estudos adicionais sugerem (mas
ainda não o provaram de forma conclusiva) que o nivelamento é benéfico mesmo
para as sociedades modernas mais avançadas. Aquelas que mais fazem pela
qualidade de vida dos seus cidadãos, da educação aos cuidados de saúde, do
controlo do crime à preservação da auto-estima colectiva, são as que têm uma
diferença menor entre os rendimentos dos cidadãos mais abastados e dos mais
pobres. Entre 23 dos países mais ricos do mundo e estados individuais dos EUA,
de acordo com uma análise de 2009 efectuada por Richard Wilkinson e Kate
Picket, o Japão, os países nórdicos e o estado americano de New Hampshire têm simultaneamente
o mais estreito diferencial de riqueza e a média mais alta de qualidade de
vida. No fundo da tabela estão o Reino Unido, Portugal e o resto dos EUA.»
Edward Wilson, A
Conquista da Terra: a Nova História da Evolução Humana, Clube do Autor,
2013. Págs. 259-260.
(o destaque é nosso)
***
Nem quando nos embrenhamos na
leitura de um livro de divulgação científica de um entomologista escapamos ao opróbrio
de constatar que somos (éramos em 2009 e somos ainda) uma das mais desiguais
sociedades do mundo. Nem a leitura de uma obra que julgávamos afastar-nos da
espuma dos dias, consegue afinal alhear-nos desta vil realidade, cada vez mais
cavada pelas “elites” terratenentes e reaccionárias que nos dirigem. É tão
evidente que salta à vista. Até nos livros de divulgação científica de um
entomólogo! Lá está, na página 260: o nome do meu país. Ah, mas ombreamos com esses
países que são a cumeada do capitalismo neoliberal mais extremo, civilizadíssimos,
os países do tea party e dos lords: o Reino Unido e os EUA (o resto).
Ah, grande piolheira!
Sorrio quando verifico que à luz
neoliberal, todo o livro é sobre uma quimera, uma abstracção, uma coisa que não
existe: a evolução das sociedades. Nas palavras da ida, mas não saudosa Margaret
Tatcher, a sociedade é uma abstracção, é coisa que não existe. Cá está então um
livro sobre a evolução de coisa nenhuma.
E quando vejo o meu país, assim contextualizado,
aflora-me sempre à memória aquele verso do O’Neil "...ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais
barato!"