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sexta-feira, junho 09, 2017

Da lei inelutável da história

«Permanece uma lei inelutável da história não dar aos contemporâneos a possibilidade de reconhecer, logo desde os primeiros alvores, os grandes movimentos que marcam o período em que vivem.»  

    Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim, 2005, pág. 392

“E também não gosto…” Nietzsche não era anti-semita e por certo não gostaria de nazis

«Mas não gosto de todos esses pequenos percevejos, cuja ambição insaciável é a de libertar o cheiro infinito, até o infinito acabar por cheirar a percevejos; não gosto de túmulos redecorados que imitam a vida; não gosto dos homens cansados e gastos que se embrulham em sabedoria e têm uma visão «objectiva»; não gosto de agitadores que se vestem de heróis e disfarçam a velha cabeça de alho chocho com um boné mágico de ideias; não gosto de artistas ambiciosos que aspiram representar o ascético e o sacerdote e que, no fundo não passam de palhaços trágicos; e também não gosto desses especuladores mais recentes no idealismo, os anti-semitas que, a rolar os olhos num estilo cristão-ariano-filisteu, procuram despertar todos os elementos bovinos do povo através de um abuso exasperante dos meios mais vis de agitação e atitudes morais (que todo o tipo de fraude intelectual alcança algum grau de sucesso na Alemanha de hoje está relacionado com a estultificação inegável e já tangível da mente alemã, cuja causa procuro numa dieta extremamente exclusiva de jornais, políticas, cerveja e música wagneriana, incluindo o que esta dieta pressupõe: em primeiro lugar a constrição e vaidade características da nação, o princípio forte mais limitado de «Deutschland, Deutschland über alles», bem como a paralysis agitans das ideias modernas»).»

Friedrich Nietzsche, A Genealogia da Moral, Publicações Europa-América, 2002, pág. 134 (livro de bolso) (o destaque a negrito é nosso)

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Que eram eles, esses nazis, senão “pequenos percevejos” que empestavam o mundo, querendo que o mundo cheirasse como eles. Não foi a sua ideologia um “túmulo redecorado de vida”? Não eram eles “agitadores vestidos de heróis” nas suas fardas e botas cardadas? Palhaços trágicos! Anti-semitas que despertaram os “elementos bovinos” do povo alemão, “através do abuso exasperante dos meios mais vis de agitação e atitudes morais”. Eis os homenzinhos das SS, nas suas primeiras “acções de combate”, quando saltavam dos seus camiõezinhos ao som de apitos e se punham a dar cacetadas nos sociais-democratas, como nos narra Stefan Zweig:

«Certo dia, quatro camiões chegaram de repente a grande velocidade a uma localidade fronteiriça onde se estava a realizar um comício pacífico dos social-democratas; cada camião vinha apinhado de jovens nacional-socialistas empunhando cacetes de borracha, e tal como me tinha sido dado ver, na Praça de São Marcos em Veneza, também estes aqui surpreenderam, pela sua rapidez, todos os presentes que foram apanhados desprevenidos. Tratou-se exactamente do mesmo método copiado dos fascistas, só que aprendido com férrea precisão militar e sistematicamente organizado até ao último pormenor, à maneira alemã. A um assobio, os homens das SS saltaram dos veículos à velocidade de um raio, bateram com os seus cacetes de borracha em quem lhes aparecia pela frente e, antes que a polícia pudesse intervir, ou os trabalhadores pudessem juntar-se, já eles tinham voltado a saltar para dentro dos camiões que partiram à desfilada.»

    Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim, 2005, pág. 394


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Não, Nietzsche não era anti-semita, e por certo abominaria nazis. Parece tê-los cheirado com muitos anos de antecedência, muito antes dos contemporâneos daqueles se terem apercebido do que aí vinha.

sexta-feira, julho 30, 2010

Rodin

«E ele trabalhava, trabalhava, trabalhava com toda a paixão e toda a energia do seu corpo pesado e poderoso; de cada vez que avançava ou recuava impetuosamente, o soalho estalava. Mas ele não ouvia. Não reparava que, atrás de si, se encontrava um jovem silencioso, coração preso na garganta, felicíssimo por poder ficar a observar no seu trabalho um mestre tão excepcional. Tinha-se esquecido completamente de mim. Para ele, eu não estava ali. Só a figura, só a obra existia e para lá dela, invisível, a visão da perfeição absoluta.»

Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim, 2005, pág. 168.

terça-feira, julho 27, 2010

Viver e deixar viver

Viena, cerca de 1900, Mercado de Flores

«Viver e deixar viver» era a célebre máxima vienense, uma máxima que ainda hoje me parece mais humana do que todos os imperativos categóricos, e que se impôs de forma irresistível no seio de todas as camadas sociais. Ricos e pobres, checos e alemães, judeus e cristãos viviam juntos em paz, apesar de alguns dichotes esporádicos, e os próprios movimentos políticos e sociais estavam desprovidos daquele terrível ódio que só penetrou na circulação sanguínea da época como sequela venenosa da Primeira Guerra Mundial.

Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim, 2005, pág. 38.

domingo, julho 25, 2010

O auge da modernidade, contado por quem a viveu

Viena, 1902

«Os sacerdotes da ciência substituíram os sacerdotes da divindade, e a sociedade conduzida pelo progresso deveria agora cumprir o que a sociedade guiada por uma ordem pré-fixada não conseguira alcançar.»

Zygmunt Bauman (1995). A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Relógio de Água, 2007. Pág. 31.

«Convencionalmente, nas ciências sociais, uma série de termos como secularismo, democracia, o estado-nação, cidadania, industrialização, urbanização, vêm à ideia para qualificar o que se entende por modernidade. Pode ainda acrescentar-se a esta lista de ideias a superioridade epistemológica da ciência, a autonomia da razão e da lei, a existência da esfera pública, os direitos humanos, uma série de liberdades fundamentais, a posse de propriedade individual e o individualismo.»

Couze Venn and Mike Featherstone, “Modernity”, Theory Culture Society, 2006; 23; page 459

Acresce ainda uma fé inusitada no progresso científico e tecnológico. Tal progresso contudo, não foi acompanhado por um progresso moral, facto que constituiu o calcanhar de Aquiles da modernidade. O colapso da modernidade decorreu assim entre 1914, data do início da Iª Guerra Mundial e 1945, data do fim da IIª Guerra Mundial, entre matanças industriais e uma depressão económica profunda, acontecimentos muito longe do espírito de quem vivia nas capitais dos impérios, no final do século XIX ou no início do século XX.

O auge desta época moderna, que já não é a nossa, foi muito bem descrita por Stefan Zweig que a viveu na sua juventude, em Viena:

«No seu idealismo liberal, o século XIX estava sinceramente convencido de se encontrar no caminho certo e infalível que levava ao “melhor de todos os mundos”. Era com desdém que se olhava para as épocas passadas, com as suas guerras, fomes e revoltas, como para um tempo em que a humanidade ainda era menor e insuficientemente esclarecida. Agora, porém, era apenas uma questão de décadas até terem sido definitivamente ultrapassados os últimos vestígios do mal e da violência, e a crença no “progresso” ininterrupto, imparável, tinha para essa época a força de uma verdadeira religião; já se acreditava mais nesse “progresso” do que na Bíblia, e o seu Evangelho parecia irrefutavelmente comprovado pelos novos milagres da ciência e da técnica. Efectivamente, para o final desse pacífico século, a prosperidade geral tornara-se cada vez mais visível, cada vez mais rápida, cada vez mais diversificada.»

Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim, 2005, pág. 15

sexta-feira, julho 23, 2010

O nosso presente sobressaltado

«Só quem podia olhar para o futuro sem sobressaltos gozava o presente de consciência tranquila

Stefa Zweig, O Mundo de Ontem, Assírio & Alvim, Pág. 15.

A este tiro o meu chapéu e curvo-me em sinal de respeito.

Suicidou-se com a sua companheira em 1942. Não suportou observar, mais uma vez, a derrocada do seu mundo. Perdeu a força para recomeçar outra vez e pensou que estava tudo acabado, que a Europa e o mundo jamais se reergueriam da tragédia que estavam a viver. Felizmente enganou-se.

Mas hoje vivemos sobressaltados com o futuro que se avizinha.

Como diz o sociólogo Ulrich Beck, vivemos numa sociedade de risco e pressentem-se as ameaças para lá do nosso horizonte imediato.

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