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sexta-feira, dezembro 31, 2021

A geografia, sempre a geografia

 

Tim Marshall, O Poder da Geografia, Desassossego/Saída de Emergência, 2021


⭐⭐⭐⭐ 


A “aniquilação do espaço pelo tempo”, expressão de Marx (1818-1883) ao constatar que o tempo de viagem entre localidades diminuía progressivamente por causa das novas tecnologias dos transportes e das telecomunicações, não significou de forma nenhuma que o espaço deixou de importar. Na verdade, nem o espaço, nem a geografia, foram aniquilados e pesam ainda hoje no tabuleiro geopolítico do mundo, se bem que, cada vez mais, o espaço sideral ganhe uma relevância crescente no jogo. Quem dominar o espaço cósmico dominará a geopolítica, dominará a Terra. É, portanto, para aí que se projecta a mais cerrada competição entre as potências mundiais. A ameaça pode vir agora de cima, bem acima das nossas cabeças. Parece que uma arma disparada lá do alto encontra mais facilmente o seu alvo cá em baixo.

 

Assim, Tim Marshall, que acaba no Prisioneiros da Geografia com um capítulo dedicado às disputas pelo Árctico, neste Poder da Geografia, termina com um capítulo sobre as disputas pelo domínio do espaço cósmico, não deixando, nesta obra, de abordar outros palcos com relevância geopolítica à superfície do planeta, como por exemplo, a Austrália, a Etiópia, a Grécia, a Turquia, o Sahel, entre outros. Esta obra continua, de certa forma, os Prisioneiros da Geografia.

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Da obra lida: 


«A nível regional, as potências europeias, mormente Espanha, Itália e França, sabem todas que as suas políticas internas  serão afetadas pelo que acontecer no Sael. Nos anos pós 2015, quando chegou um milhão de refugiados e migrantes, assistiu-se a um aumento na polarização política e no ganho de terreno dos partidos extremistas.»

Tim Marshall, O Poder da Geografia, 2021, p. 212.


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À superfície da Terra, o presente e o futuro apontam já para a construção de muros, obstáculos às migrações humanas. A Era dos Muros e do arame farpado começou. A Era dos Muros, de Tim Marshall, aguarda leitura.

segunda-feira, junho 07, 2021

Prisioneiros da Geografia, de Tim Marshall


Tim Marshall, Prisioneiros da Geografia, Desassossego/Saída de Emergência, 2017


«««««

A Geografia continua a contar, por muito virtual que seja o espaço onde muitos passem já os dias, alheios à materialidade da vida.

Duas citações:

Pensa-se que cerca de 25 por cento dos brasileiros vivam nos infames bairros de lata chamados favelas. Quando uma pessoa em cada quatro na população de um estado vive na mais abjecta pobreza, é difícil que esse estado enriqueça.

Tim Marshall, Prisioneiros da Geografia, 2017, pág. 215

 

A palavra «árctico» vem do grego artikos, que significa «perto do urso», e é uma referência à constelação da Ursa Maior, cujas últimas duas estrelas apontam para a Estrela Polar.

Tim Marshall, Prisioneiros da Geografia, 2017, pág. 224

 

Cinco estrelas para esta magnífico livro de Geografia e, dentro dela, Geopolítica.

terça-feira, julho 14, 2020

Entretanto, no Mar da China Meridional

Os porta-aviões USS Nimitz e USS Ronald Reagan e a respectiva escolta, num raro exercício no Mar da China Meridional 

Entretanto, no Mar da China Meridional, jogam-se jogos de guerra. A hiperpotência em declínio mostra os dentes à potência em ascensão. Uma manifestação de força para conter veleidades chinesas. Os E.U.A. não estão dispostos a tolerar a expansão chinesa no Mar da China Meridional, que em parte se baseia na construção de ilhas artificiais para depois reivindicar direitos soberanos sobre o mar envolvente. Há muito que a ilha da Formosa (Taiwan), localizada imediatamente a nordeste daquele mar, está na mira da China, e todos sabemos o que trava os chineses. Não ousarão esboçar um gesto de invasão enquanto se sentirem menos poderosos do que os E.U.A. também naquelas águas. Os E.U.A., entretanto, não se inibem de anunciar que consideram ilegal a maior parte das reivindicações marítimas chinesas.

A China é paciente.

segunda-feira, julho 13, 2020

O mundo de amanhã. Pobre América.


Carlos Gaspar (2020), O Mundo de Amanhã, Geopolítica Contemporânea, Fundação Francisco Manuel dos Santos.
óóóó

O livrinho de Carlos Gaspar, O Mundo de Amanhã, Geopolítica Contemporânea interessa aos que se preocupam com os rumos do mundo.

Nele se percebe que o futuro geopolítico já é o presente. Estados Unidos da América, hiperpotência em declínio, Rússia estagnada, a lutar por manter o estatuto de superpotência, e China em ascensão económica, militar, científica e tecnológica, são os actores de primeira grandeza nesse palco geopolítico do mundo, com a União Europeia (conjuntamente com o Reino Unido), em segundo plano.

Da conclusão do autor concluímos que o mundo de amanhã é incerto, balizado no entanto por algumas certezas que se prendem com os protagonistas geopolíticos, o jogo entre eles, e os possíveis papéis que irão desempenhar no teatro do mundo.

Nos primeiros parágrafos da conclusão concluímos que o futuro do mundo oscila entre uma utopia e uma distopia: “No mundo de amanhã, é possível que as pessoas vivam bem para lá dos cem anos…” e, no parágrafo seguinte, “No mundo de amanhã, é igualmente possível que o isolamento e o tédio condenem os mais velhos a uma escolha impossível entre a melancolia e o suicídio…” (Gaspar, 2020, págs. 97-98). É assim que começa, na conclusão, por traçar dois cenários possíveis e extremos, mas vai muito para além das questões demográficas e gerontológicas.

Talvez o rumo se encontre entre a utopia e a distopia, num equilíbrio instável. E, neste caso, é sempre bom saber de que lado se encontra o abismo.

***

Muito se sublinhou, mas cá vai uma frase sublinhada e uma reflexão:

O “sonho chinês” realiza-se com as novas Rotas da Seda.

Carlos Gaspar (2020), op. cit., pág. 46

Ah, as grandezas do mundo e os sonhos de grandeza! Muitos querem ser grandes, projectando no futuro os gloriosos momentos do passado. Sonham os chineses então com futuras rotas da seda. Os russos sonham com paradas militares imperiais. Os portugueses, com projecções no mar, o mar, o mar. Sonhos de impérios pretéritos.

Os americanos ainda são grandes e não sonham. Têm pesadelos. Pesadelos chineses. Sentem a sua grandeza ameaçada. Sentem que perdem o pé. Só assim se explicam as proclamações de America first!, e, Make America great again! Nem que seja atropelando os demais, açambarcando meios e remédios, como se tem visto com o remdesivir. Pobre América.

sábado, junho 20, 2015

A espada

Entre a espada e a parede, Tsipras parece ter escolhido a espada, e já a brande. Veremos o que fará no último momento.

Ontem em São Petersburgo:




E noutra ocasião, em Maio:

Capisce?

sábado, julho 26, 2014

Velha política e nova geopolítica não combinam

António José Seguro ao computador.(*)
Os políticos, com destaque para os candidatos dos partidos maioritários na assembleia, continuam a fazer política à moda antiga. Parece que ainda não se aperceberam que os tempos são outros.

Prometem, como sempre prometeram, promessas aquilo que sabem que não irão cumprir, ou que poderão não cumprir, ou então, que não sabem que não irão cumprir (neste caso serão ingénuos? Quem quiser que acredite.).

Quem quer ouvir promessas da boca de quem nunca as cumpriu e sempre enganou, e se enganou, uma vez no governo? Quem quer ouvir promessas de quem pensa, ou quer fazer-nos pensar, que o poder ainda reside no governo, quando o verdadeiro poder já não mora ali? Quem quer ouvir promessas de quem diz que não faz promessas, apontando infantilmente o dedo ao outro menino, que ele é que fez promessas e depois não cumpriu? Ofendem-nos, as promessas e as palavras doces e melífluas, quando os tempos são difíceis.

Os tempos são outros. Claramente, os que fazem promessas, não estão a ser realistas nem verdadeiros para com os eleitores. Seriam mais realistas se dissessem que devemos esperar sangue, suor e lágrimas, como uma vez fez esse grande estadista que foi Churchill.

Neste momento, Portugal é como se fosse um país sob ocupação, ainda que não tenha sido invadido por exércitos ou marinhas. Nem foi preciso. A velha geopolítica, que se baseava exclusivamente na contagem de soldados e canhoneiras para aferir o poder das potências em contenda, passou à história. Hoje a nova geopolítica baseia-se também noutros poderes tão ou mais eficazes do que o antigo poder da força das armas. A incapacidade da U.E. ou dos E.U.A. em realizar um verdadeiro boicote à Rússia é um exemplo do funcionamento desta nova geopolítica. Estamos já a ser dominados por poderes de origem difusa, difíceis de identificar com precisão, na sua proveniência.

Paulo Portas e Xi Jinping, na ilha Terceira
Enquanto isso, o governo português age como se fosse uma comissão liquidatária. Portugal está à venda e vende-se, e os nossos governantes acocoram-se frente aos poderes económicos e financeiros do mundo. A recente deslocação de Paulo Portas aos Açores para se encontrar com o presidente chinês é mais um sintoma desta situação: no nosso território, foi o vice-primeiro-ministro português ao encontro do chinês – um verdadeiro beija-mão - que por acaso lá fez uma escala nos Açores, a caminho do seu destino, e não foi o chinês a ir ao encontro do vice-primeiro-ministro português.


E até na CPLP Portugal se rendeu, na posição que assumiu, aos interesses económicos e financeiros (petróleo, gás natural e bancos…). A CPLP é pois, cada vez mais, uma CP (Comunidade de Países) e cada vez menos uma CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Uma vergonha.

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(*) - "As pessoas estão desiludidas com a forma como se faz política, uma parte dessa desilusão e desse desencanto reside no facto de os políticos, prometerem uma coisa antes das eleições e depois fazerem outra quando chegam ao poder, como é o caso deste primeiro-ministro." (António José Seguro)

Embora o constate, continua, também ele, a fazer promessas.

quarta-feira, junho 19, 2013

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Um rombo na muralha do Império

Todos os impérios têm um fim. Por vezes tudo ocorre muito rapidamente e a agonia é breve. Outras vezes, começam por surgir sinais quase imperceptíveis de decadência. Rombos nas longínquas muralhas que não são reparados nem notados no coração do império. Mas para lá das muralhas, bárbaros atentos perscrutam  Procuram linhas de fraqueza e brechas. É então por aí que decidem invadir o território abandonado e descuidado pelos seus antigos ocupantes. Aí, no limiar do império, os bárbaros apercebem-se da fraqueza que invadiu o coração império. Apercebem-se que o tempo começou a correr a seu favor. Pressentem que mais tarde ou mais cedo atingirão as imediações da capital imperial onde irão erguer as suas tendas. E a partir daí darão a última estocada no touro moribundo.

Hoje, as muralhas que cingem os impérios já não são feitas de pedra. São feitas de presenças e projecções de forças - vasos de guerra, bases militares, territórios ocupados, etc. - nos lugares mais distantes do planeta. A retirada dessas forças é um sinal de fraqueza e decadência imperial.

sábado, janeiro 12, 2013

Sob protectorado. Estaremos preparados para o imprevisto na Era da incerteza?

O Professor Adriano Moreira à Antena 1, AQUI e AQUI:

«Neste momento eu julgo que a confusão ideológica é muito grande, porque o futuro é muito incerto, em relação ao mundo Ocidental, sobretudo, e adivinhar o que é que vai ser o futuro é absolutamente impossível. Ninguém pode fazer juízos de probabilidade. Fazer juízos de possibilidade é uma audácia, portanto, temos sempre de estar preparados para que aconteça a outra coisa. E, a impressão que eu tenho, neste momento, é que nós estamos, sobretudo em relação a esse partido [PSD], num momento em que, tendo ele tido sempre uma pluralidade de orientações, porque foi um partido sempre bastante plural… a impressão que me dá, é que neste momento é que, o acento tónico é neoliberal. É um neoliberalismo que é implacável, nas circunstâncias em que nós estamos, e que por isso mesmo está a acontecer-nos que essa ideologia liberal, que me parece evidente, é acompanhada de uma atitude repressiva que como que redefine o liberalismo que está a ser aplicado. [Repressiva] no sentido em que muitas concessões de autoridade não são propriamente aquelas que são previstas na racionalidade constitucional, designadamente na área fiscal, que está a acontecer, e também o facto da proeminência das sanções económicas para corresponder a uma questão que parece ser a questão estratégica mais evidente do governo, que é o orçamento.

Bom, e isto ainda não é seguro que corresponda a uma tendência que se torna dominante. Noutros partidos também é assim: o CDS também tinha tendências que variaram no tempo, estou só a responder à pergunta, não estou a dizer que é específico. Mas é numa circunstância em que eu julgo que o país está em regime de protectorado. E quando o país está em regime de protectorado as orientações estão muito subordinadas a orientações que não domina, que são, mesmo que sejam compromissos – antigamente dizia-se, foi forçado mas quis - e realmente há um condicionamento por a chamada troika que tem reflexos que a meu ver são preocupantes, designadamente a tendência que há, nalguns lugares, intervenções para tratar a Constituição como se fosse uma lei ordinária. Isso acontece nos protectorados porque quem dá a orientação é quem tem o poder da protecção, não é a Constituição do país. Nós tivemos uma grande experiência de protectorados, não estou a dizer que o modelo é o mesmo, do passado, mas temos que usar palavras que sejam inteligíveis e a palavra inteligível para mim neste momento é esta, e essa orientação que vem desta dependência internacional é evidentemente neoliberal acompanhada de uma atitude repressiva nesse sentido que lhe estou a dizer.

(…)

A fome não é um dever constitucional.

(…)

Nós arriscamo-nos a passar o limite da paciência, sobretudo da devoção, porque todo esse sacrifício da população é devoção cívica ao seu país, e há limites para tudo.»

***

O Professor Adriano Moreira, muito mais que um homem esclarecido é um homem esclarecedor. Uma voz sempre a escutar com atenção.

Venham agora dizer-nos que vivemos numa Era onde a ideologia se encontra ausente, ou que o neoliberalismo é um unicórnio. Nada mais falso. Se a nossa vida está hoje lançada na incerteza e na insegurança, a responsabilidade é em grande parte desses que se guiam por essa doutrina neoliberal e que nos governam guiados por ela. Os ordoliberais que dominam a Zona Euro, por seu lado, mais não fazem do que impor as suas políticas aos que se puseram a jeito, aos que imploraram, aos países que se tornaram seus protectorados pela acção de políticos governantes incompetentes e desprovidos de inteligência e visão.

domingo, fevereiro 19, 2012

Um mundo multipolar?

Na realidade ainda não estamos lá. Vivemos na Era da Hiperpotência, que teve início com o findar da Guerra Fria, quando deixou de haver duas superpotências e passou a existir apenas uma. O que temos hoje? Uma hiperpotência decadente em trajectória descendente e um conjunto de potências emergentes em trajectória ascendente.

domingo, outubro 09, 2011

Um livro: Da Utopia à Fronteira da Pobreza

O mais lúcido e experiente perscrutador português da realidade mundial no campo das relações internacionais, da geopolítica e da situação portuguesa no mundo, entre outras realidades, publicou agora um pequeno livro cuja leitura deveria ser incontornável para todos aqueles que se iniciam no estudo destas coisas e também para os que gostam de dar opiniões fundamentadas na blogosfera e nos media. Podemos não trilhar os mesmos caminhos ideológicos ou políticos, contudo há que reconhecer que Adriano Moreira, agora com a provecta idade de 89 anos, e tendo atravessado vários regimes (ditatorial, democrático) e vários contextos – guerra mundial e colonial, guerra fria, queda do bloco comunista a Leste, ascensão unilateral da hiperpotência americana, decadência da Europa, com os países ditos periféricos do sul a serem agora abrangidos pelo limite abarcador da pobreza do mundo, emergência de novas e velhas potências na primeira década do século XXI – possui um capital de experiência e saber que não se compadece com as leituras ligeiras e superficiais que alguns jovens realizam actualmente sobre Portugal, a Europa e o Mundo. Adriano não é um menino. O livro em causa, sendo uma colecção das mais recentes palestras (à excepção de um artigo de 1973), sintetiza de forma brilhante os conceitos e ideias dos quais o autor se serve para ler o mundo. E que bem ele o lê! Uma voz a ouvir com atenção portanto.

***

Um excerto:


O mundo habitual voltou a desaparecer, e ainda que os rituais do costume permaneçam, as balanças de poder – poder económico, poder financeiro, poder científico, poder militar – individualizam-se de maneira que dificilmente qualquer Estado os poderá ter todos à sua disposição.

(…)

Lembremos que a ciência deu as maiores contribuições para a mudança, a começar, infelizmente, pelo domínio do poder nuclear, mas essa mudança final tem corolários extremamente inquietantes: a população mundial cresce; a distância entre pobres e ricos aumenta; a fome e a má nutrição inquietam; a educação é uma fronteira entre o sul e o norte do mundo; as megapoles caminham para 25 com 7 a 25 milhões de habitantes; poucos países têm acesso aos resultados da investigação científica; a chamada «life industry» apodera-se do património genético da humanidade; mais de cinquenta milhões de refugiados vivem penosamente em refúgios sem condições; o poder da chamada cultura mundial afecta o singular e o universal, de tal modo que a queda do antigo domínio do mundo alimentou neste campo a tese do choque de civilizações; os ocidentais dividem-se sobre o tipo de ordem no mundo (europeísmo versus americanismo); a disseminação de armamentos, potenciada pela privatização da segurança e da guerra, cresce; as finanças e a economia, livres de poderes reguladores, conduziram ao desastre económico e financeiro que todo o globo enfrenta, sem responsáveis assumidos, invocando uma ciência que culpa o sistema, mas não a falta de ética, por esta espécie de caos mundial.

A natureza manifesta a inquietante ira dos Deuses que parecem vingar-se das agressões que o abuso da tecnologia, sem valores, produziu no globo; o nacionalismo defensivo cresce contra a sonhada democracia mundializada; a informação mundial produz opiniões públicas frequentemente sem relação com os factos, e provocando conflitos; as igrejas institucionalizadas vêem diminuir os que afirmaram pertencer-lhes, aumenta todavia um apelo descontrolado às transcendências; a confiança entre governantes e governados é atingida em número excessivo de países, e também atingida gravemente nas sociedades civis ocidentais.”

Adriano Moreira (2011), Da Utopia à Fronteira da Esperança, INCM, 2011. Pág. 75-76.

***

Não esquecemos aqui o facto de Adriano em tempos idos, salvo erro, nos anos 60 do século passado, se ter deslocado ao Brasil para condecorar Agostinho da Silva, que então ensinava na Universidade de Brasília, pela obra feita em terras de Vera Cruz. É que Agostinho da Silva andava, na altura, de candeias às avessas com o Regime, e Adriano era um homem do Regime e, no entanto, foi lá. Fica aqui a minha homenagem, portanto, a homenagem de um simples mortal, mas também com os olhos postos no mundo, a um dos maiores intelectuais vivos do nosso país.

sábado, fevereiro 05, 2011

O outro lado do Mediterrâneo

Nos idos anos 90, mais precisamente em 1990, a revista Nação e Defesa reproduzia um artigo de José Manuel Nazareth em que o demógrafo já alertava para os tempos que se avizinhavam no Norte de África. A região, nessa altura, enchia-se de gente jovem, à custa de índices de fecundidade elevadíssimos, da ordem dos seis filhos por mulher, e o emprego e a qualidade de vida eram (e continuam a ser) comparativamente menores em relação ao Norte do Mediterrâneo. Estavam então reunidos os ingredientes para que daí a uns anos ocorresse a explosão social a que agora se assiste.


Volvidos 20 anos, e num momento de crise económica, quando a válvula de escape da emigração já não funciona, o Norte de África transforma-se numa panela de pressão social em explosão. Tunísia e Egipto já explodiram, mas para quando a Argélia, Marrocos e a Líbia? É preciso lembrar também que há muito, a margem oriental do Mediterrâneo fervilha de agitação, no Líbano, na faixa de Gaza (Palestina) afectando também o estado vizinho de Israel. Mas agita-se também a Jordânia e o Iémen, este na península Arábica.


Toda esta importante região projecta ondas de choque que alastram ao mundo. E é para esta região que se voltam os olhares do mundo.

***

Encontrado o artigo de José Manuel Nazareth, cá vai um excerto:

«A Europa ainda não tomou consciência da evolução demográfica contrastada que existe de um lado e de outro do Mediterrâneo. Existe um autêntico colapso demográfico no norte (a fecundidade da Europa dos doze é de 1,6 filhos por mulher) e uma expansão sem precedentes no lado sul (em média seis filhos por mulher).

Alguns números absolutos começam a ser preocupantes sob o ponto de vista europeu…a Europa dos doze tem anualmente 3,8 milhões de nascimentos para 321 milhões de habitantes, ou seja, o mesmo número de nascimentos da Turquia e do Egipto, que totalizam apenas 97 milhões de habitantes. Em 1950, a parte Norte do Mediterrâneo tinha um total de 140 milhões de habitantes, ou seja, metade dos habitantes da região que se estende de Marrocos ao Bósforo. Nos dias de hoje estas duas regiões têm o mesmo número de habitantes – cento e setenta milhões de habitantes de cada lado – mas já está escrito o que será o futuro, ou seja, o início do próximo século, quando nascem por ano cerca de dois milhões de crianças ao norte e mais de sete milhões no sul. Ficaremos amanhã com cento e setenta milhões de habitantes para fazer face a trezentos e sessenta milhões de habitantes “do outro lado do Mediterrâneo” aos quais se juntará a pressão dos restantes povos do continente africano, que será superior a um milhar de milhão de habitantes nos próximos trinta anos.

É neste enquadramento que teremos de situar a Europa, a CEE e o nosso país face à África do Norte. Esta última região, considerada no seu todo, tem por ano mais um milhão de nascimentos do que a Europa dos Doze, numa população que globalmente representa um terço. Dentro de algumas dezenas de anos a sua população ultrapassará a da Comunidade.

Evolução da População da Comunidade Económica Europeia e da África do Norte, de 1960 ao ano 2025 (em milhões)

Ano

CEE

África do Norte

1960

1975

1985

2000

2025

279,9

312,2

321,6

323,8

306,4

51,8

93,8

123,0

175,6

260,8

Fonte: Ramsés 87/88

Também são igualmente preocupantes os contrastes estruturais…que podem conduzir à tentação da complementaridade forçada: por um lado, temos um excedente enorme de idosos em relação às capacidades de financiamento dos sistemas de segurança social; por outro lado, temos, no Norte de África, um excedente de jovens em relação à capacidade de absorção do sistema produtivo.

(…)

Se, nos dias de hoje, a região de maior imigração é os Estados Unidos da América do Norte, amanhã essa região poderá ser a Europa. Não é uma novidade. Porém, a pressão demográfica será incomparavelmente superior devido à disparidade existente nos níveis de vida.»

José Manuel Nazareth, “A problemática demográfica portuguesa no contexto europeu”, Nação e Defesa, Agosto, 1990


terça-feira, dezembro 01, 2009

Lições do Império

São as guerras longínquas que garantem a paz que nos é próxima. Caso contrário, os bárbaros acamparão às portas da cidade. Esta é uma das lições do Império.

Talibãs

Quando uma bomba cai e os dizima, as suas armas são-lhes retiradas, as televisões são chamadas e por todo o mundo soa nos telejornais a atrocidade, o morticínio dos civis assassinados, por lapso, por mais um piloto equivocado.

Estes talibãs não passam de civis armados.

A Guerra dos Drones

Nos campos poeirentos do Afeganistão ensaiam-se novas armas. É o paraíso da indústria de armamento. Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, também os Nazis tiveram nos céus de Espanha um campo de ensaio para os seus bombardeiros, antecipando os campos de batalha da guerra que secretamente preparavam. No Afeganistão, a NATO testa agora toda sua parafernália tecnológica. Os seus drones varrem o céu silenciosos. Penetram furtivos no campo do inimigo e projectam o seu fogo mortal. Alguém os controla remotamente a milhares de quilómetros de distância. Findo o dia retornará a sua casa, para junto da família, após ter sido rendido por mais um camarada. Estes drones são os futuros arrasadores de centrais nucleares. Os iranianos que se cuidem. Novas armas, novas guerras. Como sempre.

domingo, março 15, 2009

Das Guerras Distantes

«Com efeito, poucas grandes expedições, seja de helenos, seja de bárbaros, quando efectuadas contra lugares muito distantes das cidades que as empreendem foram bem sucedidas.»

Palavras de Hermócrates, habitante de Siracusa, no século V a.C., alertando os seus conterrâneos para a vinda da expedição de Atenas. Citado por Tucidides em História da Guerra do Peloponeso

«Embora os regimes dos talibãs e de Saddam Hussein tenham sido rapidamente derrubados, nenhuma das duas guerras levou a uma vitória, e os objectivos anunciados no início não foram de modo algum alcançados: o estabelecimento de regimes democráticos em sintonia com os valores ocidentais, transformando-os numa luz ao longe para outras sociedades da região ainda não democratizadas. Ambas, mas sobretudo a catastrófica guerra no Iraque, revelaram-se longas, sangrentas e destruidoras em massa, e continuam ainda, à data do presente escrito, sem uma previsão de conclusão

Hobsbawm (2007); Globalização, Democracia e Terrorismo, Editorial Presença

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