quinta-feira, março 31, 2016

Eles querem lá saber de teorias

Na verdade, fazer é aprender.

Aristóteles, Ética a Nicómaco, Quetzal Editores, Lisboa, 2004, p. 43.

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Mas evitai dar-lhe uma cana de pesca sem ao menos dizer-lhe para que serve ou como funciona, sob pena de a mesma ser arremessada ao mar sem qualquer préstimo. Ouviste, ó construtivista. A teoria não pode ser dispensada, por muito que isso te custe e ainda que os adolescentes tapem os ouvidos às teorias.

Eles querem lá saber de teorias, dizes. Querem fazer. Querem errar. Querem aprender. Eles querem lá saber de teorias. Aprendem por tentativa e erro.

E assim se enche o rio de canas de pesca arremessadas e mal empregadas, digo eu. 

Eles querem lá saber de teorias, de rios e de canas de pesca.

Aconteceu, aconteceu.

Nada do que já aconteceu poderá, contudo, ser ainda objecto de decisão. Ninguém pode ainda decidir se Tróia terá sido destruída. Assim, ninguém delibera acerca do que já aconteceu mas sobre o futuro e o que é possível. Ora já não é possível que o que sucedeu não tenha sucedido. Por esse motivo, diz Agatão correctamente: Apenas disto está até um Deus privado, desfazer o que tiver sido feito.  

Aristóteles, Ética a Nicómaco, Quetzal Editores, Lisboa, 2004, p. 135.

quarta-feira, março 30, 2016

A cacofonia das gerações e a mudança

Sucede que hoje, sobre o mesmo palco terrestre e nacional, “convivendo e interagindo dentro de um espaço social comum” (Bauman), existem mais gerações do que nunca. Sucede ainda que há uma rápida sucessão e acréscimo de gerações no tempo. Rapidamente deixamos de nos identificar geracionalmente com os que diferem poucos anos de idade em relação a nós. Essas diferenças manifestam-se nas diversas escalas de atitudes e valores que cada geração parece determinar como sendo as mais importantes e pelas quais, de uma forma geral, se guiam. A identificação com uma determinada geração encontra-se cada vez mais confinada ou limitada a períodos mais curtos. Assim verifica-se que os períodos geracionais já não se circunscrevem, por exemplo, às décadas – a “geração de 60”, a “de 70”, a “de 80”, etc., como era comummente dizer-se. Isso é coisa do passado. Agora na mesma década e no mesmo espaço social convivem várias gerações. E parece ser essa a causa da percepção da acelerada mudança em que vivemos mergulhados. A crise, parece portanto ser hoje mais profunda do que nunca. Mas que crise? “Crise da ordem mundial”, “crise de valores”, “crise da cultura”, “crise das artes e inúmeras outras crises descobertas diariamente em áreas sempre novas da vida humana.” (Baumman, 2000)

“Geração X”, “geração rasca”, “geração nem nem”, são, por exemplo, designações para gerações que partilham o mesmo espaço social (quando não competem entre si, pelo domínio do espaço e do tempo). São gerações contemporâneas que se interseccionam, mas muito pouco, e os elementos que as integram têm cada vez menos fundamentos para se identificarem entre si.

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Excerto da obra, Em Busca da Política (1999), de Zygmunt Bauman, condutor desta reflexão:

«O que precisa ser explicado, em especial, é a intensidade incomumente alta da preocupação pública atual com a “crise da ordem mundial”, a “crise de valores”, a “crise da cultura”, a “crise das artes” e inúmeras outras crises descobertas diariamente em áreas sempre novas da vida humana.

Diz-se que, embora o mundo tenha estado sempre em mudança, nunca antes as mudanças foram tantas nem tão profundas e que o rápido aumento da quantidade e profundidade das mudanças torna muito mais difícil a permanente tarefa humana da auto-orientação.

Um pouco menos óbvia mas resposta também relativamente simples seria assinalar que nunca antes eventos e transformações fundamentais que marcam as gerações envelheceram e desapareceram tão rápido quanto hoje, sucedendo-se com enorme velocidade, e que consequentemente os períodos de tempo de gerações específicas são hoje mais curtos do que nunca — alguns anos e não algumas décadas. E portanto o número de gerações diferentes, cada uma preservando suas experiências e expectativas mas convivendo e interagindo dentro de um espaço social comum, aumentou enormemente. Esse fato explica em parte a impressionante polifonia (alguns diriam cacofonia) da cena pública e a consequente dificuldade de comunicação e de se chegar a um acordo apesar de todo o inegável progresso da tecnologia da tradução.»

Zygmunt Bauman, Em Busca da Política, Jorge Zahar Editora, Rio de Janeiro, 2000

(os negritos são nossos) 

sábado, março 26, 2016

Uma longa nota de rodapé

A incandescência da criatividade intelectual e poética na Grécia continental, na Ásia Menor e na Sicília, nos séculos VI e V a.C. continua a ser única na história humana. Sob certos aspectos, a vida do espírito de então em diante não passa de uma longa nota de rodapé.

George Steiner, A Poesia do Pensamento, Relógio D'Água, 2012

sexta-feira, março 25, 2016

Notícias da sexta extinção: freixo, crónica de uma morte anunciada

Estudos anunciam a extinção do freixo (Fraxinus angustifolia). Vítima de um besouro e de fungos que conquistam novos espaços, o freixo tem agora a sua morte anunciada. As pragas de novas espécies invasoras, aos poucos, vão contribuindo para mudar a paisagem de um novo mundo que se adivinha mais quente e biologicamente mais pobre. Por fim sobrarão os eucaliptos e os pinheiros bravos.

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Segundo se noticia aqui no The Guardian:



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Dois interessantes sites para saber mais sobre esta árvore:



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Imagem do dia: Cabo Carvoeiro

© AMCD

sábado, março 19, 2016

O crime de Lula

Nestes tempos agitados lá para os lados do Brasil, é sempre bom relembrar aos brutos, manipulados e alienados, os que berram na rua contra Dilma, contra Lula e contra o PT - como se a corrupção naquele país tivesse nascido com esses presidentes e fosse morrer com eles (ter-se-ão já esquecido de Fernando Collor de Mello?) - que “o Brasil conseguiu reduzir a pobreza extrema - classificada como o número de pessoas que vivem com menos de US$ 1 ao dia - em 75% entre 2001 e 2012.”  (vede aqui) Foi esse o crime de Lula?

A notícia não é de hoje, mas de Setembro de 2014, de um relatório da FAO. Então o Brasil contava-se entre os gloriosos BRICS, contribuindo para a milagrosa “Ascensão do Sul”, título do Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 2013. Mas o povo tem memória curta.

Há um Brasil antes de Lula e um Brasil depois de Lula, (para onde muitos portugueses chegaram até a emigrar).

A oposição política ao PT no Brasil é poderosa e manipuladora. Afinal é frustrante estar tantos anos apartado das cadeiras do Poder. Salta à vista que essa oposição estende os seus tentáculos ao manipulado sistema judicial brasileiro.

Enfim, também a oposição tem os seus juízes de mão. Juízes que ambicionam aparecer aos olhos dos brutos de memória curta, como zorros justiceiros.

Do Corão

Disse Peter Sloterdijk:

O leitor desprevenido do Corão não pode deixar de ficar impressionado ao constatar que um livro sagrado, sem temer contradizer-se, é capaz de, praticamente em todas as páginas, ameaçar com o fogo eterno os inimigos do Profeta e da fé.

Peter Sloterdijk, Colera e Tempo, Relógio D’Água, pág. 259.

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Um livro incendiário portanto. Pelo menos suscitará a acção de paranóicos incendiários - aqueles que vêem “inimigos do Profeta e da fé” por todo o lado.

Ah, mas que digo eu? Outro escroque islamofóbico, já pensarão alguns. Era só o que me faltava.

Aqui ainda mora a liberdade! Com todo o respeito, acrescente-se, e cuidadosamente, para não ferir susceptibilidades. Bardamerda e salamaleques.

ABAIXO O ISLAMOFASCISMO!

Calígula no século XXI

Um Império sem um imperador, intacto e à mão de semear, só podia dar nisto. No aparecimento de um putativo candidato calígula. Um Trump! O que virá a seguir? Quem sabe, talvez a nomeação do seu próprio cavalo a cônsul. E se por aqui ficasse, mal nenhum viria ao mundo. O problema é que o homem é um elefante irrequieto à solta, e o mundo é uma loja de cristais. 

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