sexta-feira, dezembro 31, 2021

Ano Novo

A vida de sempre.


Bom 2022!

A geografia, sempre a geografia

 

Tim Marshall, O Poder da Geografia, Desassossego/Saída de Emergência, 2021


⭐⭐⭐⭐ 


A “aniquilação do espaço pelo tempo”, expressão de Marx (1818-1883) ao constatar que o tempo de viagem entre localidades diminuía progressivamente por causa das novas tecnologias dos transportes e das telecomunicações, não significou de forma nenhuma que o espaço deixou de importar. Na verdade, nem o espaço, nem a geografia, foram aniquilados e pesam ainda hoje no tabuleiro geopolítico do mundo, se bem que, cada vez mais, o espaço sideral ganhe uma relevância crescente no jogo. Quem dominar o espaço cósmico dominará a geopolítica, dominará a Terra. É, portanto, para aí que se projecta a mais cerrada competição entre as potências mundiais. A ameaça pode vir agora de cima, bem acima das nossas cabeças. Parece que uma arma disparada lá do alto encontra mais facilmente o seu alvo cá em baixo.

 

Assim, Tim Marshall, que acaba no Prisioneiros da Geografia com um capítulo dedicado às disputas pelo Árctico, neste Poder da Geografia, termina com um capítulo sobre as disputas pelo domínio do espaço cósmico, não deixando, nesta obra, de abordar outros palcos com relevância geopolítica à superfície do planeta, como por exemplo, a Austrália, a Etiópia, a Grécia, a Turquia, o Sahel, entre outros. Esta obra continua, de certa forma, os Prisioneiros da Geografia.

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Da obra lida: 


«A nível regional, as potências europeias, mormente Espanha, Itália e França, sabem todas que as suas políticas internas  serão afetadas pelo que acontecer no Sael. Nos anos pós 2015, quando chegou um milhão de refugiados e migrantes, assistiu-se a um aumento na polarização política e no ganho de terreno dos partidos extremistas.»

Tim Marshall, O Poder da Geografia, 2021, p. 212.


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À superfície da Terra, o presente e o futuro apontam já para a construção de muros, obstáculos às migrações humanas. A Era dos Muros e do arame farpado começou. A Era dos Muros, de Tim Marshall, aguarda leitura.

quarta-feira, dezembro 29, 2021

Livros lidos: Apeirogon, Viagens Infinitas

 


Colum McCann, Apeirogon, Viagens Infinitas, Porto Editora, 2021.


⭐⭐⭐⭐


Este ano a Assembleia da República legislou sobre o alargamento do período do luto parental, tendo aprovado a passagem desse período, de cinco para vinte dias. Como é sabido, vinte dias não apagam de forma alguma a dor da perda de um filho. Toda uma vida não basta. Se alguma dúvida houver, leiam o Apeirogon, de Colum McCann. A dor da perda atravessa o livro e as muitas histórias que nele se contam.

 

O pano de fundo, histórico e geográfico, é Israel e a Palestina. E, como se refere repetidamente em várias passagens desde o início, aqui, a geografia é tudo.

 

O conflito israelo-palestiniano nunca me entusiasmou (entusiasmará alguém?). É cansativo estar sempre a ouvir notícias do eterno conflito que grassa naquela região. Foi por isso que hesitei na compra deste livro. Folheei-o várias vezes antes de o adquirir, sempre que fui à livraria. Estou convencido que entre Israel e a Palestina nunca haverá paz enquanto o homem da rua não a procurar no fundo do seu coração. Os seus líderes até podem assinar acordos visando a paz, sob o patrocínio das grandes potências – fazem belas fotografias os apertos de mão – mas enquanto as correntes do ódio não forem quebradas no âmago do homem da rua, que sofre pela perda dos seus entes queridos, e enquanto esse homem canalizar o seu sofrimento para alimentar o ódio que sente, jamais haverá paz. A violência gera violência, dizem. Mas não tem de ser sempre assim. Ali, a paz não pode ser imposta de cima para baixo. Ela tem de partir de baixo, da vontade do povo chão. Ela tem de partir de uma espécie de educação de cada homem.

 

Quando era jovem dizia que um dia haveria de ter barbas brancas e ainda ouviria falar do conflito entre judeus e palestinianos. Pois bem, a barba já me nasce branca e o conflito prossegue.

 

Na contracapa do livro, alguém do Guardian escreve que se trata de uma obra-prima, um romance, que mudará o mundo. Há muita ingenuidade nisto.

 

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Da obra elejo a seguinte passagem, como poderia eleger outra. É uma passagem que ajuda a compreender a designação de Povo do Livro, atribuída aos judeus, e ao horror que sentem quando iconoclastas destroem livros:

 

«457. Na tradição judaica, é proibido deitar fora escritos que invoquem o nome de Deus. Livros de orações. Pergaminhos. Enciclopédias. Trajes. Atilhos de filactérios. Até mesmo panfletos ou livros de banda desenhada. Em vez de serem destruídos, os textos são enterrados numa genizah, uma sepultura para a palavra escrita.»

 

«456. Os manuscritos do Mar Morto foram originalmente escondidos em vasos de barro e colocados em grutas para os proteger. Se não voltassem a se encontrados, a escrita decompor-se-ia naturalmente. Nos vasos selados – sem luz nem chuva -, os manuscritos podiam ir apodrecendo lentamente.»

 

«455. A genizah nos dias de hoje encontra-se muitas vezes no sótão ou na cave de uma sinagoga, ou até mesmo num contentor com autorização para estar na rua, à porta.»

 

Colum McCann, Apeirogon, Viagens Infinitas, Porto Editora, 2021, p. 284.

domingo, dezembro 26, 2021

Richard Rogers

Richard Rogers (1933-2021)

Um destes dias morreu o famoso arquitecto Richard Rogers e, lamentavelmente, não tive tempo de postar uma homenagem, na hora, a esse grande homem do qual conhecia tão pouco: o Domo do Milénio, em Londres e, mais antigo, o Centro Georges Pompidou, em Paris, eram obras suas. Fiquei a saber há pouco. Mas era outra a sua obra que me era familiar: o livro Cidades para um Pequeno Planeta, da editora Gustavo Gili (GG), de 2001.

 

A criação da moderna cidade compacta exige a rejeição do modelo de desenvolvimento monofuncional e a predominância do automóvel. A questão é como pensar e planear cidades, onde as comunidades prosperem e a mobilidade aumente, como buscar a mobilidade do cidadão, sem permitir a destruição da vida comunitária pelo automóvel, além de como intensificar o uso de sistemas eficientes de transporte e reequilibrar o uso das nossas ruas em favor do pedestre e da comunidade.  

 

Richard Rogers, op. cit., pág. 38

 

Nitidamente, as preocupações de Richard Rogers eram a prosperidade da comunidade, a mobilidade do cidadão, a vida comunitária, o uso da rua em favor do pedestre e da comunidade. A comunidade, agora refugiada de si mesma no automóvel, nos edifícios de escritórios, nos centros comerciais e nos condomínios fechados. A comunidade fragmentada empobreceu a vida na cidade com largos segmentos que a compõem a abandonarem a vida de rua, a vida na rua. A vida saiu da rua. Passam por ali automóveis e, ocasionalmente, um pedestre.

 

Mas havia outras preocupações:

 

Acredito piamente na importância da cidadania e na vitalidade e humanidade que ela estimula. A cidadania manifesta-se em gestos cívicos planeados e de grande escala, mas também em gestos espontâneos e de pequena escala. Juntos, eles criam a rica diversidade da vida urbana.

 

Richard Rogers, op. cit., pág. 15

 

A necessidade de promover a cidadania que se sente escapar das nossas cidades com a perda de solidariedade e o avanço da indiferença. Vivemos em sociedades de indiferença (já o disse o Papa) e os indiferentes somos nós para com os quais os outros, os nossos concidadãos, se isso se lhes pode chamar, também se manifestam indiferentes. E parecemos todos indiferentes à nossa indiferença. Nem nos damos conta. Não somos apenas diferentes, somos indiferentes, e nisso somos iguais. A indiferença é inimiga da diversidade. E não há como escapar a isto. Como não poderíamos ser indiferentes aos que chegam a clamar por refúgio e abrigo, e que procurarão chegar cada vez mais, se somos indiferentes connosco?

Bem-vindos à cidade da indiferença, o que equivale dizer, à sociedade da indiferença. Era, portanto, necessário, para Richard Rogers, reanimar a cidadania nas ruas, nas cidades e nas sociedades, a cidadania em cuja importância Richard Rogers acreditava piamente.

 

O padrão-anti social do crescimento segmentado, causado por um desenvolvimento orientado apenas para o lucro, mostrou-se inadequado às necessidades da cidade.


Richard Rogers, op. cit., pág. 116.

 

Parece que não aprendemos nada.

 

Até sempre Richard Rogers.

sábado, dezembro 25, 2021

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Não deixou obra escrita. Escreveu apenas uns rabiscos na areia, ensimesmado numa breve reflexão e, de seguida, apagou-os. "Quem nunca pecou que atire a primeira pedra", proferiu.


O que terá escrito?

quinta-feira, dezembro 09, 2021

In Memoriam

 

José Eduardo Pinto da Costa (1934-2021)

Os nossos melhores não são apenas os craques da bola ou os treinadores de futebol prestigiados lá fora. Entre nós há gente de grande qualidade com outros misteres. 

José Eduardo Pinto da Costa, era sem sombra de dúvida um dos nossos melhores.

Que descanse em paz.


sábado, setembro 11, 2021

sexta-feira, agosto 27, 2021

A debandada

 A retirada americana (ocidental, para ser mais preciso) é um desastre consumado: um falhanço. A morte de soldados americanos hoje, no festim bombista, devem estar a pesar na consciência de Biden.

O presidente Marcelo relativiza: “Quando há uma retirada assim, todas as soluções são más”. Sim, todas as soluções são más, mas há soluções mais más* do que outras. Uma “retirada assim” tem um nome: debandada.


(*) piores

quarta-feira, agosto 25, 2021

O passado não fica lá atrás

 

Jorge Luís Borges, Outras Inquirições, Quetzal, 2020.

⭐⭐⭐⭐

O passado é indestrutível; mais tarde ou mais cedo tornam todas as coisas, e uma das coisas que tornam é o projeto de abolir o passado.

Jorge Luís Borges, Op. cit, pág. 91

segunda-feira, agosto 23, 2021

O tempo não nos vencerá

 

Michel Houellebecq, Intervenções, Alfaguara, 2021.


⭐⭐⭐⭐


Compreendeu por fim o que toda a gente à sua volta sabia: quando já não somos desejáveis, deixamos de ter o direito ao desejo.

Michel Houellebecq, Op. cit., pág. 119.

 

Sei agora que o tempo não nos vencerá.

 Michel Houellebecq, Op. cit., pág. 147.

 

Não me esquecerão necessariamente depressa, mas serei esquecido ainda assim.

 Michel Houellebecq, Op. cit., pág. 160.



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Só não é esquecido quem não viveu.

 

Acabo sempre por ir dar ao poema de Alfonso Canales. O poema que encerra a Verdade. Um poema onde me refugio sempre que a ideia do esquecimento me assombra.

 

É escusado alimentar lamentos sobre o esquecimento a que um dia seremos votados. Ser lembrado não é importante. O importante é viver (preferencialmente sem sofrimento e sem fazer sofrer os outros). Lamentou-se também uma vez José Saramago, ou talvez não tenha sido um lamento, mas uma mera constatação, de que os seus livros um dia seriam esquecidos numa prateleira qualquer, assim como o seu nome. Bastariam umas décadas ou um século.

 

Na verdade, no fim, ou mesmo antes do fim, só o pó subsistirá. Pó das estrelas.

 

Mesmo assim, TEREMOS VIVIDO.

 

Não, o tempo não nos vencerá.

domingo, agosto 22, 2021

Miramar


© AMCD 

sexta-feira, agosto 20, 2021

A estranha “reconquista” taliban

 É estranho. Não há contagem de mortos e feridos até agora, sabendo nós que a imprensa sensacionalista aproveitaria logo o facto se os houvesse. Uma reconquista sem mortos.

 

Outra estranheza: uma jornalista americana da CNN calcorreia as ruas de Cabul, incólume, e entrevista alguns talibans. Enquanto isso, a multidão apavorada procura escapar para o aeroporto.

Clarissa Ward, jornalista da CNN em Cabul

Os únicos mortos até agora, parecem resultar do descontrole da multidão e dos que se penduram irracionalmente nos trens de aterragem dos aviões de transporte militar, sendo atropelados na pista, ou caindo do céu. Parece que o pavor mata mais do que as balas.

 

Nas ruas os talibans assemelham-se a lobos no meio de cordeiros, ou melhor, a cães pastores entre os rebanhos. Tentam controlar a multidão. Alguns disparam para o ar, do cimo das pick-ups. Outros açoitam os transeuntes mais recalcitrantes.

 

As bandeiras dos talibans são brancas como a bandeira da paz, mas com inscrições. Fazem lembrar as bandeiras do Daesh, só que essas eram negras.  Questiono-me se as bandeiras dos talibans foram sempre brancas ou se são apenas brancas para esta ocasião. Veremos se as bandeiras brancas não se irão transformar em bandeiras negras até 31 de Agosto, data previamente anunciada para a conclusão da retirada americana.  Ou após essa data.

 

Até agora, a "reconquista" parece um 25 de Abril ao contrário, sem cravos, nem papoilas, na ponta das armas. Um 25 de Abril invertido, sem festa ou adesão popular. Um 25 de Abril que em vez de liberdade carrega servidão e opressão. 


É o querido mês de Agosto da sociedade tribal afegã. Um povo de pastores belicosos, do qual a guerra parece fazer parte dos costumes: chega o Verão, vem a guerra. Parece que para aquela gente a vida não seria a mesma sem ela.

 

Alguns dizem que esta "reconquista" é uma derrota para o império americano. Outros repetem à exaustão o cliché segundo o qual o Afeganistão é o cemitério dos impérios. Será mesmo assim? Creio que exageram.

 

Afinal não houve reconquista nenhuma: os talibans acabaram por ocupar um território que os americanos decidiram abandonar. Não podiam nem queriam ficar lá para sempre. Mas se quisessem ficariam.

segunda-feira, agosto 16, 2021

Ulisses devolve Criseida ao pai


 Claude Lorrain, Ulisses devolve Criseida ao pai, 1648

Para aplacar a ira do deus, Agamémnon, rei de Argos e de Micenas, contrariado e após acesa discussão, aceita devolver Criseida, que tinha por refém e escrava para todo o serviço. 


Ulisses, o mais astucioso e sensato dos aqueus, foi incumbido de a entregar ao pai:

 

Quando entraram no porto de águas fundas,

dobraram a vela e guardaram-na na nau escura;

rapidamente desceram o mastro com os cabos dianteiros

e com os remos remaram até ao ancoradouro.

Lançaram as âncoras e ataram as amarras.

Eles próprios saíram e caminharam pela orla do mar,

levando a hecatombe para Apolo que acerta ao longe.

Da nau preparada para o alto mar trouxera a filha de Crises.

Levou-a até ao altar Ulisses de mil ardis;

pô-la nos braços do pai, e assim lhe dirigiu a palavra:

“Manda-me, ó Crises, Agamémnon soberano dos homens

restituir-te a tua filha e oferecer a Febo uma sagrada hecatombe

em nome dos Dânaos, para que propiciemos o soberano,

que contra os Argivos muitos sofrimentos lançou.”

 

  Homero, Ilíada, Canto I

sexta-feira, agosto 06, 2021

Livros lidos: Civilizações


 Laurent Binet, Civilizações, Quetzal, 2021

⭐⭐⭐⭐⭐
(Excelente!)

Um conto de 417 páginas lido em seis dias.

Delicioso!

quinta-feira, agosto 05, 2021

E outra vez: Pichardo d'Ouro

 


Pedro Pichardo: ouro olímpico no triplo salto.

Glorioso!

terça-feira, agosto 03, 2021

E uma vez mais: agora a vez do remador de Ponte de Lima

 

Bronze olímpico para Fernando Pimenta. 

Excelente!


domingo, agosto 01, 2021

sábado, julho 31, 2021

Livros lidos: Uma Vida no Nosso Planeta


David Attenborough, Uma Vida no Nosso Planeta, Temas e Debates, 2020

⭐⭐⭐⭐⭐
(Excelente!)

A nossa utilização negligente dos combustíveis fósseis colocou-nos o maior e mais urgente desafio que já enfrentámos. Se conseguirmos fazer a transição para as renováveis à velocidade da luz que é exigida, a Humanidade recordará sempre esta geração com gratidão, pois somos efetivamente a primeira a compreender verdadeiramente o problema - e a última a ter a oportunidade de fazer algo.

David Attenborough, op. cit., pág. 156

Falamos muitas vezes de salvar o Planeta, mas a verdade é que temos de fazer tudo isto para nos salvarmos a nós mesmos. Connosco ou sem nós, a natureza regressará.

David Attenborough, op. cit., pág. 246


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Ante o maior desafio com que a Humanidade se defronta, ainda há quem hesite, ainda há quem duvide, ainda há quem o negue.

 

Ainda há quem apelide os ambientalistas de uns meninos urbanos com sonhos idílicos e bucólicos (uma Helena Matos que escreve no Blasfémias e no Observador, por exemplo). Que a imagem que fazem da natureza nunca existiu, só na cabeça deles. Que a natureza e o campo não é nada do que imaginam. Que é antes uma via para o lucro, com as suas monoculturas de eucaliptos e palmeirais, a sua agricultura e pecuária. Isso sim é que é o campo.

 

Pois bem, Sir David Attenborough que tinha 94 anos quando escreveu este livro, passou grande parte da sua vida a observar, a estudar e a transmitir aos outros a beleza do mundo natural (em oposição ao artificial), dos animais e das plantas e da forma como se relacionam entre si e com o ambiente. A mensagem que nos transmite neste livro é bem clara e cristalina: ou esta geração muda a forma de se relacionar com o mundo natural ou é o fim da Humanidade. Não é o fim do mundo, é o fim da Humanidade.

 

A Natureza, essa, encontra sempre o seu caminho.

 

O livro é pedagógico e é excelente.

quinta-feira, julho 29, 2021

Ora, aí está!

 












A alegria de Jorge Fonseca é contagiante.

Bronze olímpico no judo.


Keep dancing Jorge.

quarta-feira, julho 28, 2021


 

Livros lidos: O Messias de Duna


Frank Herbert, O Messias de Duna, Relógio D'Água, 2021

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O autor dá excessivo crédito a drogas alucinogénias.

É demais!


Salvam-se os momentos de acção. As crenças e opiniões do autor plasmadas na história são maçadoras.

domingo, julho 18, 2021

Quietude e desejo

 

É a paz que, dando os vagares da imaginação, causa as impaciências do desejo.

Eça de Queiroz, Contos

sexta-feira, julho 09, 2021

O meu fim não será o fim do mundo

 Não serei daqueles que, vendo aproximar-se o seu fim, dizem que é o fim do mundo que se aproxima, que tudo decai, interiorizando que depois deles será o caos.


Vêem então decadência em todo o lado, apocalipses em aproximação, quando são eles que decaem.

Não, o meu fim não será o fim do mundo.

O Olhar do Outro

 


Maria Filomena Mónica, O Olhar do Outro, Relógio D'Água, 2020

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Olhar jocoso e sobranceiro, o dos ingleses anglicanos e protestantes. Excessivamente ousados no diagnóstico do atraso deste país, quando o deles avançava a todo o vapor, nos séculos XVIII e XIX. Entre eles há, contudo, excepções.

Gostei mais do olhar metódico e quase científico, certeiro até, dos alemães e do dinamarquês. É mais fácil gostar de quem gosta de nós ou até nos considera bem.

A escrita fluída permite uma leitura fluída.

Não existe um grande equilíbrio na dimensão dos vários relatos, isto é, alguns são breves outros longos, embora sejam todos bem enquadrados por notas biográficas que ajudam a contextualizar os olhares.

 

Ainda assim, de MFM, gostei mais do seu Bilhete de Identidade.

quarta-feira, julho 07, 2021

terça-feira, julho 06, 2021

Vacinação e transmissão: a corrida.

 Ouvimos na TV que estamos numa luta contra o tempo, entre a vacinação e a transmissão. Pasmo.

 

Então não estávamos numa luta contra o tempo aquando dos festejos da vitória do Sporting no campeonato de futebol? Não estávamos numa luta contra o tempo aquando da final da Liga dos Campeões, no Porto? Não estávamos numa luta contra o tempo, nos festejos do São João?

 

Agora estamos numa luta contra o tempo!

 

Há para aí uns comentadores neoliberais que falam grosso quando os números da pandemia estão em baixo e piam fino (nem os ouvimos), quando os números estão altos ou crescem. Nota-se que o tom e a intensidade não são os mesmos, ou será impressão minha?

Duna

 


Frank Herbert, Duna, Relógio D'Água, 2020


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- Os homens e as suas obras têm sido até agora uma doença à superfície dos seus mundos - disse o pai. - A natureza tende a compensar as doenças, removendo-as ou isolando-as, incorporando-as no sistema à sua maneira.  


Frank Herbert, Duna, Relógio D'Água, 2020, pág. 361

sexta-feira, julho 02, 2021

Religião, escuridão, ciência, ilusão

 


Hervé Le Tellier, A Anomalia, Editorial Presença, 2021

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A religião é um peixe carnívoro das profundezas. Emite uma ínfima luz e, para atrair a sua presa, precisa de muita escuridão.

Hervé Le Tellier, A Anomalia, pág. 251

 

Mas todos o sabem: o universo, virtual ou não, é todo ele regido por leis, cada vez mais conhecidas a fundo.

Hervé Le Tellier, A Anomalia, pág. 255

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Se a escuridão é ignorância, ainda vivemos nela, com a ilusão de que conhecemos cada vez mais a fundo as leis que regem o universo.

 

E contra Heidegger, que dizia que só um deus poderia salvar-nos:

 

Não haverá um salvador supremo. Temos de ser nós próprios a salvar-nos.

Hervé Le Tellier, A Anomalia, pág. 260

 

Estamos perdidos.


Estado a que chegámos



Fonte: DGS, Relatório da Situação nº 486 | 01/07/2021 


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Entretanto nos E.U.A., o país que mais testou no mundo, a vacinação reflecte-se na transmissão. Assim parece, com os novos casos diários a reduzirem-se exponencialmente com o aumento exponencial dos vacinados.

A tese de que a vacinação não se reflecte na transmissão deve ser questionada, ou serão assim os americanos tão bem-comportados e de elevado nível cívico?



 Fonte: https://www.worldometers.info/coronavirus/country/us/ (consultado a 02/07/2021)

quinta-feira, junho 10, 2021

Portugal

 «Obedientes e sem mais delongas, num mergulho de alcatrazes, atirámo-nos então daquela rocha branca ao abismo azul. E descobrimo-nos. Encontrámo-nos universais em toda a parte do globo, mas, sobretudo, dentro da nossa própria perplexidade. (…)

E a História celebra com justiça os melhores dessa superação mental. Chamam-se Pedro Nunes, Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro, Garcia da Orta, João de Barros, Diogo de Couto, Pêro Vaz de Caminha, Fernão Mendes Pinto, Luís de Camões. Sem falar doutros menos dotados que, modestamente, se desmediram. (…)

Enquanto os vizinhos da Europa, sem descanso, continuaram a ser pioneiros nas empresas que a vida lhes confiava, nós, enxutos da grande maratona oceânica, ficámos em cima da penedia a ver passar ao longe, a fumegar, as embarcações alheias, e a cantar, ao som de uma guitarra, loas à fatalidade.»

 Miguel Torga, Portugal, D. Quixote, 3ª ed., 2010, págs. 98-99

segunda-feira, junho 07, 2021

Prisioneiros da Geografia, de Tim Marshall


Tim Marshall, Prisioneiros da Geografia, Desassossego/Saída de Emergência, 2017


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A Geografia continua a contar, por muito virtual que seja o espaço onde muitos passem já os dias, alheios à materialidade da vida.

Duas citações:

Pensa-se que cerca de 25 por cento dos brasileiros vivam nos infames bairros de lata chamados favelas. Quando uma pessoa em cada quatro na população de um estado vive na mais abjecta pobreza, é difícil que esse estado enriqueça.

Tim Marshall, Prisioneiros da Geografia, 2017, pág. 215

 

A palavra «árctico» vem do grego artikos, que significa «perto do urso», e é uma referência à constelação da Ursa Maior, cujas últimas duas estrelas apontam para a Estrela Polar.

Tim Marshall, Prisioneiros da Geografia, 2017, pág. 224

 

Cinco estrelas para esta magnífico livro de Geografia e, dentro dela, Geopolítica.

sábado, junho 05, 2021

Desconfinamento bêbado

O Reino Unido retirou Portugal da lista “verde” de destinos para viajar. Que espanto! Que admiração?! Que injustiça?! Que irrazoabilidade?! Já se queixa, mais uma vez, o Silva dos Negócios Estrangeiros.

Onde é que já vimos este filme?

Tirar lições para quê?

Não aprendem nem aprenderam nada.

Vamos então dar os parabéns ao Medina, ao Costa, ao Cabrita, ao Moreira, ao Sousa e ao Silva da Federação, pela magnífica gestão do desconfinamento e pela ajuda que estão a dar ao sector do turismo deste país, pelos eventos que promoveram e apadrinharam.

Não conseguiam fazer um desconfinamento sóbrio, sem espavento? Não. Era preciso um desconfinamento bêbado.


Parabéns!


Entretanto no aeroporto de Faro já se iniciou nova debandada.

sábado, maio 29, 2021

Super spreaders


 Por umas libras, vende-se o país. Que venham os super spreaders, com o beneplácito dos que nos governam.


Um jogo, que deveria ser realizado em Inglaterra, será cá realizado, que os ingleses não querem bombas biológicas em terras de sua majestade, mesmo que as equipas oponentes sejam de Manchester e de Londres.


Cá na república, é o meu reino por uma libra.


António Costa ainda teve a lata de dizer que não há provas da correlação entre estes eventos (referia-se aos festejos sportinguistas) e o aumento das contaminações, contra todas as evidências espaciais e temporais.

E o Presidente, com a sua voz melíflua, chegou a sugerir um possível relaxamento dos limites traçados na matriz de risco, antes da reunião no Infarmed.


É bom saber que, chegada a reunião do Infarmed, os especialistas não foram em cantigas: "Grupo de peritos recomenda manter actual matriz de risco" (Público, 28 de Maio)


Entretanto aumenta o índice de transmissão no Reino Unido (Expresso, 28 de Maio).


Em países próximos do nosso, as vítimas mortais continuam a ser mais do que uma centena como é o caso da Alemanha (195, ontem), Itália (126), França (107) [dados da Worldometer] Tudo países muito menos desenvolvidos do que o nosso, como é bom de ver. Nós somos especiais.


Não. Não seremos todos responsáveis se as contaminações aumentarem na sequência destes eventos autorizados por políticos, edis incluídos. Os responsáveis têm nome e cargo político.

domingo, maio 16, 2021

Meu país, meu penico

Meu país, meu penico.

Penico à beira-mar plantado.

E viva a Inglaterra!




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Lido o livro em tempo record, Maria Filomena Mónica não se cansa de nos lembrar o quanto somos pequenos e tacanhos, mas com sonhos de grandeza. Para ela, grandes são os ingleses e a Universidade de Oxford onde estudou.

Dá muito crédito ao historiador Rui Ramos: “Ao contrário do que muitos defendem, Salazar nunca foi fascista” (pág. 157). No entanto, “O Estado Novo ajudou – de forma modesta, é certo – as tropas de Franco” (pág. 162), um fascista “ideologicamente próximo” de Salazar, acaba por referir.

O Meu País, Notas Sobre o Nacionalismo é a visão de uma burguesa liberal da “classe alta”, de um país onde, nas suas palavras, o amor à liberdade não medrou: “O que me dói é o facto de o amor à liberdade não ter encontrado, em Portugal, um solo onde pudesse medrar” (pág. 204), ao contrário da grande Inglaterra, por certo. E ainda assim, é no “pequeno” Portugal onde encontra, agora que lhe “foge a curta vida”, a oportunidade de “pensar, falar e escrever livremente” (pág. 209).

terça-feira, maio 11, 2021

Caminhada

Como sopra o vento alheio

À solidão das areias,
dos mares e das teias.

(A vila ao longe é Monte Gordo)

Caminho só à beira do mar,
Incansável e perplexo
Pela pandemia dos dias.

Que importa a fúria do mar
Se estou com o vento
E a solidão pela mão.

sábado, maio 01, 2021

domingo, abril 25, 2021

25 de Abril

Sempre!

Democracia.

Desenvolvimento.

Liberdade.




sábado, abril 17, 2021

3 000 000

 A vez da Índia.


233 943 casos num só dia!



Fonte: India COVID: 14,521,683 Cases and 175,673 Deaths - Worldometer (worldometers.info)

(consultado a 16/04/2021)

sexta-feira, abril 16, 2021

Pior do que o Apocalipse de São João

 


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«Mas nem será necessário o pior cenário do aquecimento global para provocar devastações suficientemente graves que sacudam a sensação habitual de que, à medida que o tempo avança a vida melhora de uma forma inelutável. Essas devastações, muito provavelmente, vão chegar depressa: novas linhas costeiras recuadas, com cidades afundadas à sua frente; sociedades desestabilizadas a atirarem com milhões de refugiados para sociedades vizinhas que já sentem o estrangulamento dos recursos a esgotarem-se; as últimas várias centenas de anos, que muitos no Ocidente viram como uma linha simples de progresso e prosperidade crescente, transformadas no prelúdio de um sofrimento climático massivo.»

 David Wallace-Wells, A Terra Inabitável, Lua de Papel, 2019. p. 255


۝

O que nos aguarda é pior do que o Apocalipse de São João e já aí está. Mas está só no começo.

Êxodos bíblicos - Honduras ruma ao norte

Veneza sob a água

Califórnia em fogo

A peste



Entretanto, aguardamos o Verão escondidos atrás de uma máscara sempre que saímos à rua.

Mais uma máscara.

domingo, abril 11, 2021

A antiga e a nova liberdade

 


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No que me toca, prefiro, de longe, a antiga liberdade.

«No mundo antigo – na Antiguidade pré-cristã, em particular na Grécia antiga, ou durante o longo reinado da cristandade -, a definição dominante da liberdade envolvia o reconhecimento de que necessitava de uma forma apropriada de autonomia. (…)

A liberdade, assim compreendida, não era fazer o que se quisesse, mas sim escolher o caminho certo e virtuoso. Ser livre era, acima de tudo, estar livre da submissão aos nossos desejos básicos, que nunca poderiam ser satisfeitos e cuja perseguição só podia criar mais desejos e descontentamento. Assim, a liberdade era a condição alcançada pelo autodomínio, pelo controlo dos nossos apetites e do desejo de domínio político.

A característica definidora do pensamento moderno foi a rejeição desta definição de liberdade em proveito de uma definição que nos é hoje mais familiar. A liberdade, definida pelos criadores do liberalismo moderno, era a condição na qual os seres humanos estavam completamente livres para perseguir tudo o que desejavam».

Patrick J. Deneen, Porque Está a Falhar o Liberalismo? Gradiva, 2019. pág.99

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sexta-feira, abril 09, 2021

Voltar a estar no mundo


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«Perfila-se uma nova sabedoria, uma nova aprendizagem da liberdade. A fractura digital ainda existe claro. No entanto, a desigualdade que emerge é completamente diferente: tratar-se-á de ter acesso, já não à conexão, mas à desconexão. Acesso, não à música, mas ao silêncio; não ao diálogo, mas à meditação; não à informação imediata, mas à reflexão aturada. Os seminários de desintoxicação tecnológica multiplicam-se. Os retiros espirituais nos mosteiros já não têm a mesma natureza: antes era preciso fugir do mundo para encontrar Deus; agora, é preciso fugir dos estímulos eletrónicos para, finalmente, voltar a estar no mundo.» 

Bruno Patino, A Civilização do Peixe-Vermelho, Gradiva, 2019, pág. 112.

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