É estranho. Não há contagem de mortos e feridos até agora, sabendo nós que a imprensa sensacionalista aproveitaria logo o facto se os houvesse. Uma reconquista sem mortos.
Outra estranheza: uma jornalista americana da CNN calcorreia as ruas de Cabul, incólume, e entrevista alguns talibans. Enquanto isso, a multidão apavorada procura escapar para o aeroporto.
Clarissa Ward, jornalista da CNN em Cabul |
Os únicos mortos até agora, parecem resultar do descontrole da multidão e dos que se penduram irracionalmente nos trens de aterragem dos aviões de transporte militar, sendo atropelados na pista, ou caindo do céu. Parece que o pavor mata mais do que as balas.
Nas ruas os talibans assemelham-se a lobos no meio de cordeiros, ou melhor, a cães pastores entre os rebanhos. Tentam controlar a multidão. Alguns disparam para o ar, do cimo das pick-ups.
Outros açoitam os transeuntes mais recalcitrantes.
As bandeiras dos talibans são brancas como a bandeira da paz, mas com inscrições. Fazem lembrar as bandeiras do Daesh, só que essas eram negras. Questiono-me se as bandeiras dos talibans foram sempre brancas ou se são apenas brancas para esta ocasião. Veremos se as bandeiras brancas não se irão transformar em bandeiras negras até 31 de Agosto, data previamente anunciada para a conclusão da retirada americana. Ou após essa data.
Até agora, a "reconquista" parece um 25 de Abril ao contrário, sem cravos, nem papoilas, na ponta das armas. Um 25 de Abril invertido, sem festa ou adesão popular. Um 25 de Abril que em vez de liberdade carrega servidão e opressão.
É o querido mês de Agosto da sociedade tribal afegã. Um
povo de pastores belicosos, do qual a guerra parece fazer parte dos costumes: chega o Verão, vem a guerra. Parece que para aquela gente a vida não seria a mesma sem ela.
Alguns dizem que esta "reconquista" é uma derrota para o império americano. Outros
repetem à exaustão o cliché segundo o qual o Afeganistão é o cemitério dos impérios. Será
mesmo assim? Creio que exageram.
Afinal não houve reconquista nenhuma: os talibans acabaram por ocupar um território que os americanos decidiram abandonar. Não podiam nem queriam ficar lá para sempre. Mas se quisessem ficariam.
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